Capítulo VII: Nosso lugar no mundo

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Samuel

– Algum problema, Samuel? – Daemon perguntou com uma leve mudança em seu tom de voz – Você não parou de olhar para o relógio nós dez minutos que você está aqui comigo, como se tivesse algo para fazer ou outro lugar para estar.

Completou olhando diretamente para os meus olhos, e era verdade, eu estava mais concentrado nos ponteiros daquele antigo relógio analógico de parede do que em suas palavras sabias, mas irritantes, sobre como lidar com os meus problemas.

– Nada... Para falar verdade, há uma coisa sim.

– Por favor me conte, se puder. É importante, posso perceber.

– A passagem de tempo me fez pensar em algo – respondi agora olhando para os meus dedos – E agora eu não consigo parar de pensar sobre isso.

– E o que seria?

– Um dia. Uma semana. Um mês. Dois meses. Três meses – continuei sem explicar, mas ele não me interrompeu, só continuou a me observar calado e era tarde para voltar atras – As pessoas simplesmente continuam contando e dizendo isso para mim, como se isso realmente fizesse alguma diferença – acrescentei começando a me explicar – Mas quando eu fecho os olhos é como se só um minuto tivesse se passado, e eu abro meus olhos e percebo que eles estão certos, o tempo está passando. Mas nada mudou para mim. Eu ainda sinto o mesmo buraco no meu peito, quase como se faltasse uma parte de mim que se perdeu em algum lugar. E isso é tão metafórico quanto literal. Como se eu pudesse alcançar o espaço vazio no meio do meu peito e sentir o ar passar por entre mim, aonde deveria ter uma parte que não existe mais.

– Como eu já te expliquei, o luto pode criar diversas sensações tanto psicológicas, quanto emocionais ou físicas, dependendo da pessoa. Essas reações são completamente normais, mas se não forem cuidadas podem crescer exponencialmente até se tornarem perigosas. Quando você sente esse vazio, o que ele acarreta dentro de você, Samuel?

– Esse é o ponto, senhor Gao, eu nunca deixo de sentir esse vazio. Ele está sempre lá, e nunca vai embora. Ele só muda de tamanho, as vezes ficando menor, e em outros momentos maior, mas não vai embora. Jamais.

– E talvez nunca vá – disse ele compassivo – Algum dessas reações nós marcam pela vida toda, outras vão embora na mesma velocidade que aparecem, tudo depende de você e do que a pessoa que você perdeu significava em sua história pessoal. Aprender a abraçar isso e descobrir novas formas de viver junto disso pode na verdade te levar a superar coisas que nem imagina, e quem sabe a perder algumas dessas sensações.

– Para sempre incompleto não me parece esperançoso.

Respondi cínico.

– Quem sabe sim, mas há tantas coisas que podem preencher esse vazio. Coisas que estão ao acesso de sua mão, e também coisas que você vai precisar batalhar para conseguir com suor e dedicação.

– Porque nada vem de graça, correto?

– Eu descobri de experiencia própria que infelizmente sim, algumas coisas ajudam, e outras simplesmente só atrapalham. Talvez seja hora de te contar algo que eu venho esperando para compartilhar com você há um tempo.

– Bem, não sendo um outro diagnostico, acho que não faz mal.

– Quem bom, então olhe para cá.

Disse Daemon enquanto um enorme globo se materializava sobre a mesa, feito de madeira e vidro, com vários pontos luminosos espalhados sobre o mundo todo.

– O que isso significa?

– O que você acha?

Perguntou novamente olhando diretamente para mim. Percebi que ele falava sério quando nenhuma resposta veio acompanhada então voltei minha atenção ao globo e como aquelas luzes pareciam familiares de alguma forma. Então eu ouvi, os sussurros nos meus ouvidos, totalmente incompreensíveis, mas ainda assim humanos.

Bruxos&Demônios, vol. IV - Perda&TormentaOnde histórias criam vida. Descubra agora