Capítulo XXVII: Disforia

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Killian

Algo que Sam tinha percebido com o tempo era que cada pessoa possuía um ritmo de pensamento próprio. Mesmo que a maioria funcionasse de forma muito similar, algumas pessoas por outro lado tinham funcionamento extremamente único. Por exemplo os pensamentos da Amora que eram sempre abafados e distantes, por causa de sua herança feérica, a facilidade que ele tinha para ouvi-la se dava somente ao círculo, Roman por outro lado pensava muito mais em imagens do que em palavras, ele experimentava sensações o tempo todo, mas passava pouco tempo com monólogos internos como a maioria, Lexa conseguia fazer as duas coisas ao mesmo tempo, Sébastien exercitava um pensamento mais sistemático, enquanto o próprio Sam tinha uma avalanche de pensamentos neuróticos que ele tentava controlar. As vezes compulsivos. Mas Killian era diferente. Seus pensamentos eram intrigantes. Ele raramente focava em um só assunto. Seu corpo agia quase sem precisar de nenhuma resposta neural. Ele não precisava pensar antes de agir, principalmente quando estava treinando ou lutando, como agora que Sam o observava de longe.

Seu corpo agia sem perder quase nada de foco, seus olhos visualizavam tanto o que estava a sua frente quanto quadros vívidos de cenas acontecendo no ar, e sua voz interna trabalhava em estruturas complexas de pensamentos. Hoje Killian tentava fazer o oposto, empurrar tudo para longe e não pensar em nada. Infelizmente era quase impossível realmente não pensar em algo quando aquilo realmente estava te incomodando. Só fazia o pensamento se tornar maior e maior. E cada vez que o pensamento voltava a seu cérebro Killian atingia o mudjong que estava usando para treinar kung-fu.

– Eu sei que está me observando.

Killian respondeu sem parar de golpear seu alvo com seus braços, tentando cada vez ser mais rápido.

– Desculpa. O senhor Gao me sugeriu que eu mantivesse uma atividade física diariamente para ajudar com minha ansiedade e depressão, além dos medicamentos e da terapia. Eu estou tentando descobrir.

Sam respondeu sem graça, ainda bastante afastado do rapaz, com meio ginásio entre eles.

– Você deveria correr, assim sua mente pode continuar ativa enquanto seu corpo se movimenta.

Killian respondeu parando seus golpes sentindo o suor descer pela lateral do rosto sem se importar. Algo que dava agoniza em Sam somente de olhar.

– Você está preocupado com o Zac, não está?

Perguntou tomando coragem. Era provavelmente o momento mais longo que os dois tinham desde novembro. Quase seis meses atrás.

– É tão óbvio assim ou eu sou tão óbvio mesmo?

Killian perguntou varrendo o chão com o olhar. Para Sam vê-lo se sentir inseguro era desconfortável, mas necessário. Ele era humano como todos eles.

– Não de uma forma ruim, mas quando nossas mentes são conectadas da forma que são, fica difícil esconder alguma coisa, e eu sei porque tive muito trabalho para esconder as coisas de vocês, e o nome dele fica se repetindo em seus pensamentos. Contudo, eu nunca te vi íntimo de alguém da nossa idade quanto você é com ele hoje em dia, e isso é bom. Fora que você percebe muita coisa quando finalmente está prestando atenção nos outros.

– Estou feliz que você voltou para nós, você sabe, não é? Todos estamos.

– Eu sei, eu sei. E nos dois vamos precisar conversar em algum momento, e eu estarei pronto logo. Prometo. Mas não pense demais sobre o que está sentindo, seja lá sobre o que for.

– É um pouco mais complicado do que parece.

– Eu não sou cego Killian, e eu tenho os pensamentos do Roman na minha cabeça também. E olhando bem, ele até parece um pouco comigo realmente. Até nos olhos, escondendo alguma dor profunda e enraizada que ninguém realmente presta atenção. E isso deve assustar você, mas a relação que você tem com Zac não tem nada a ver com a relação que nós dois tínhamos. Eu preciso que você entenda isso, porque eu fiz aquela relação ser difícil sozinho, e não você.

Bruxos&Demônios, vol. IV - Perda&TormentaOnde histórias criam vida. Descubra agora