O tempo parecia se estender diante de Charles, cada segundo rastejava interminavelmente até dar lugar ao outro que seguia o mesmo ritmo lento do anterior. Uma gota de suor se formou em sua testa enquanto checava pela milésima vez o relógio de pêndulo que estava em seu bolso. Com o dedo indicador afrouxou o colarinho da gravata na expectativa de conseguir respirar melhor.
Nada. Sua garganta estava tão seca que nem mesmo o copo cheio de água que Fischer lhe oferecera fora capaz de dissipar aquela sensação incomoda, não quando sua sede era de estar ao lado da sua amada esposa.
- O senhor precisa se acalmar – o mordomo limpou o suor da testa de seu patrão – Ou vai acabar enfartando.
- Só vou conseguir me acalmar quando estiver dentro daquela bendita igreja com Safira diante de mim, portanto não me peça para ter calma! – bufou ele - Tal autocontrole é inconcebível para mim neste momento.
Lorde Frederich riu no outro canto do aposento enquanto se servia de um copo de Uísque e observava a grande janela.
- Tenho que concordar com o senhor Fretcher. É inconcebível se manter sereno diante de uma ocasião como o matrimônio, uma experiência distinta e que desperta sensações que antes nos eram desconhecidas – Ele discorria sobre o assunto como um poeta apaixonado descreveria o céu e as coisas da natureza - Devo parabenizá-lo pelo enlace, querido primo, mas também alertá-lo de que a ansiedade que tanto lhe aflige neste momento não se dissipará quando seus olhos encontrarem o de sua noiva e ambos fizerem seus votos matrimoniais. Na verdade, arrisco dizer que esse sentimento incômodo se fará muito presente em seu cotidiano apartir de agora. Ainda mais quando assumir as responsabilidades do título de seu pai.
- Tenho plena consciência disto Lorde Frederich – Charles suspirou cansado. Ele jamais se imaginara tendo uma conversa como aquela e revelando seus sentimentos mais íntimos para qualquer outro indivíduo do sexo masculino, ou até mesmo do feminino. E agora tudo aquilo parecia tão simples, as palavras eram sentidas em seu coração e espontaneamente escapavam pelos lábios.
- Estive longe de minha esposa por seis longos meses – falou pausadamente.
O lorde olhava para o chão mas era incapaz de ver qualquer coisa que estivesse diante de si, sua atenção completamente voltada para dentro, estava afogado nas próprias lembranças.
– Todas as noites a angústia invadia meu peito quando me via sozinho naquela cabana, distante de tudo que me era mais precioso. E essa inquietação toda só tende a piorar quando os filhos chegam para abençoar ainda mais nosso casamento – ele sorriu ao se referir ao pequeno Thomas.
Charles se manteve calado, fascinado por tudo o que ouvia do amigo.
– Mas de maneira alguma presumo que essa ansiedade que sentes e continuarás a sentir quando estiver longe de sua esposa seja de todo ruim, ao contrário meu amigo, ela confirma que a base do seu casamento é o afeto - Tomou um gole da bebida gelada em seu copo - Quando você a encontra novamente, percebe a angústia dando lugar à alegria... Bem, isso é extremamente gratificante.
Charles notou o quanto Lorde Frederich parecia um homem plenamente satisfeito com a própria vida, no sentido afetivo e em todo o resto, aquele tipo era raro de se ver.
Ao olhar-se no espelho e observar sua imagem com atenção Charles percebeu que também havia ingressado naquele exclusivo grupo de cavalheiros afortunados. Refletiu sobre quanto tempo havia se passado desde a última vez em que diante de um espelho ele odiou seu próprio reflexo como um todo, tanto o físico quanto o íntimo. Se lembrou do quanto costumava detestar e evitava passar muito tempo diante de qualquer espelho depois do acidente. Realmente um período considerável de tempo havia transcorrido desde então, percebeu que começara a gostar realmente de tudo o que via, do homem que havia se tornado ou que, segundo sua noiva, já existia nele e apenas começara a transparecer aos seus olhos.
Vincent Mclarck bateu duas vezes antes de abrir a porta daquele aposento.
- O padre acabou de chegar, já está tudo nos conformes senhores.
Lorde Frederich sorriu ainda do outro lado do aposento, próximo à mesa de bebidas enquanto se servia de outro copo de uísque.
- Você seria um bom cerimonialista Mclarck - pontuou ele.
Vincent sorriu e corou com o elogio do amigo. Charles e Lorde Frederich trocaram um olhar zombeteiro, a juventude daquele lorde era realmente engraçada para ambos.
- Acostumei-me a ver minha mãe, sempre tomando a frente de tudo nos eventos sociais que promovia. Acabei tomando gosto por me envolver nestas coisas também.
- A viscondessa deve ser mesmo uma mulher muito aprazível - Comentou o capitão.
Charles sentiu seu rosto se contorcer em uma careta que tratou de esconder antes que terminasse de se formar. No pouco tempo em que estiveram em companhia um do outro, Charles constatou que Vincent poderia ser alguém que, apesar da ingenuidade excessiva e por vezes irritante, ele estimasse bastante com o tempo já que tudo indicava que a intenção do jovem visconde era desposar Adelaide Cadwell e assim fazer parte de sua família. Por isso sentia-se mal por ter conhecimento a respeito de toda a sujeira que existia no passado da família Mclarck, quando nem o próprio Vincent tinha noção de tal.
- Senhor Fretcher - Vincent se aproximou dele sem jeito.
- Charles – corrigiu – Somos próximos o bastante para que nos tratemos sem tantas formalidades.
- Está certo Charles - Vincent sorriu – Gostaria de me desculpar... Aquela noite no baile, onde elogiei a beleza da senhorita Safira e a tirei para dançar em sua presença... Não era minha intenção fazer nenhum tipo de afronta ao senhor.
Charles colocou a mão no ombro do jovem.
- Está tudo bem meu caro, você não tinha como saber dos meus sentimentos - apaziguou ele - Só não volte a repetir tal comportamento agora que se trata de minha esposa - Charles tentou soar ameaçador mas acabou deixando um sorriso se formar em seu rosto.
Vincent e Lorde Frederich também sorriram.
- Senhor... Charles, eu... - Vincent se enrolava nas palavras enquanto seu rosto corava - Gostaria de pedir a sua bênção para cortejar a senhorita Adelaide.
Charles sentiu um alívio indescritível ao ouvir aquilo, todos os seus problemas pareciam prestes a ser solucionados.
- Eu fico muito honrado em concedê-la, faço muito gosto dessa união.
Os olhos de Vincent reluziram com a aprovação do novo amigo e futuro cunhado.
- O senhor acha que a senhorita Adelaide aceitaria o meu pedido? – Vincent era um jovem muito inseguro.
- Tenho certeza de que ela se sentirá lisonjeada – a possibilidade de rejeição do pedido era praticamente nula, agora que Adelaide não tinha opção a não ser aceitá-lo. Charles não sentiu necessidade de relatar isso ao amigo.
Vincent assentiu e saiu praticamente saltitando como uma criança feliz que acaba de ganhar seu doce favorito.
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Um Homem Incompleto - Irmãs Cadwell Livro 1
RomanceSéculo XIX Após uma tempestade que inundou toda a Inglaterra Londrina, a vida de Charles Fretcher mudou drasticamente quando a carruagem em que se encontrava despencou numa ribanceira e uma de suas pernas fora esmagada por uma roda que se desprendeu...