- Mandou que me chamassem? – perguntou Safira parando de soslaio na porta do novo quarto de Adelaide.
A mesma se encontrava escovando os longos cabelos loiros que pareciam possuir fios de ouro à medida que a luz que transpassava a janela os tocava. Ela largou a escova sob os lençóis de seda assim que ouviu a voz da irmã.
- Onde você estava? Fui ao seu quarto e não estava lá.
- Fui conhecer melhor a casa – respondeu ela com um sorriso no rosto.
- Por que está com esse sorriso? – perguntou Adelaide com a curiosidade estampada em seus olhos.
- Nenhum motivo em especial – mentiu. Safira sabia que a conversa com o senhor Fretcher havia a deixado daquela maneira. Só não conseguia explicar bem o motivo.
A sobrancelha direita de Adelaide se levantou formando um arco.
- Apenas estou feliz, você não? - perguntou ela diante do estranho silêncio da irmã.
Adelaide apenas suspirou.
- Bem... Esta casa é realmente espetacular, fico bastante satisfeita que um dia poderá pertencer a mim, também me é muito lisonjeiro saber que um dia receberei o título de condessa de Wiltshire, Elliot também tem sido bastante prestativo, ele disse que amanhã me levará para comprar vestidos novos.
- Por que eu sinto que existe um "mas" oculto em sua frase?
Adelaide bateu os pés inquieta. Safira a conhecia mais do que qualquer outra pessoa, era simplesmente impossível esconder algo dela.
- Bem... o problema é em relação à Charles como você já sabe.
- E qual seria exatamente o problema Adelaide? A perna comprometida de Charles? Ou será sua total repugnância por este homem?
- Ele é um homem grosseiro, insensível e sem nenhum senso de cavalheirismo – Adelaide, que estava sem luvas, fechou o punho tão forte que quando voltou a abrir as mãos suas palmas haviam sido marcadas pelas unhas.
Safira tentou ignorar o que a irmã havia dito. Será que só ela enxergava? Será que só ela via que por trás daquele olhar sombrio existia um homem, de princípios e valores, inteligente e capaz até mesmo de ser engraçado? Ou era isso ou estava ficando louca. Haviam tido poucas oportunidades de conversar até então, mas bastou aquele breve dialogo para que ela percebesse algo em Charles que lhe chamou muito atenção e não eram seus olhos escuros, seu maxilar perfeitamente desenhado, sua boca larga ou os músculos que ela pode ver através de sua camisa. Não era nada disso – mesmo que tudo isso de certa maneira fizesse suas pernas bambearem a ponto de precisar de puxar uma cadeira para se sentar – era mais... Algo em sua alma... Ele era um homem bom, ela conseguia sentir isso mesmo que ele lutasse tanto para esconder. Mas então, por que ninguém além dela o via da mesma maneira?
Seus devaneios foram interrompidos por um farfalhar da irmã.
- No que estava pensando? – quis saber Adelaide.
- Em nada – rebateu secamente.
- Você está muito esquisita hoje... – franziu o cenho.
- Enfim, agora você tem argumentos concretos para afirmar todos estes adjetivos que conferiu a Charles senhorita Adelaide Cadwell?
Adelaide fez um sinal positivo com a cabeça.
- Pois bem – começou ela – Hoje de manhã eu estava a me dirigir ao seu novo aposento quando acabamos nos trombando no meio do caminho. Houve um forte impacto e eu acabei com meu traseiro batendo no chão. Como todo cavalheiro de boa índole faria ele deveria estender a mão e me pedir desculpas, não é?
Safira apenas a encarou com neutralidade.
- Quero ouvir a história toda antes de opinar – respondeu friamente.
- Pois bem... então ao invés de me ajudar a levantar ele apenas respondeu que: ao contrário dele eu poderia bem fazer isso sozinha.
Safira teve vontade de rir com a resposta de Charles. Amava Adelaide, isto era um fato, mas reconhecia que ela tinha o dom de ser inconveniente e sabia que depois do modo como agira no jantar sua irmã teve a resposta que merecia.
- E você acha mesmo que eu vou acreditar que ele esbarrou em você? Adel, você andava feito uma mula desmazelada em nossa casa, tropeçava em todos os cantos...
- UMA MULA DESMAZELADA? Como você ousa falar assim comigo? – Tentou parecer ofendida mas teve de morder o canto da boca para reprimir uma risada diante do "elogio".
- Eu ouso falar assim por que você é minha irmã.
- Pois um dia serei uma condessa e você jamais poderá se dirigir dessa forma a uma condessa – retrucou dando ênfase na palavra condessa.
- Pois você terá que mandar me prender então – Safira deu de ombros.
- Bem, voltando ao assunto, digamos que o fato da minha pessoa grande parte das vezes andar rápido demais seja apenas um mero detalhe insignificante. O que importa é que ele foi grosseiro o bastante para se retirar sem me prestar ajuda.
- Ora Adelaide! Nem mesmo eu teria lhe prestado ajuda estando no lugar dele.
- Por que você tem de estar sempre na defesa de Charles? Está apaixonada por ele?
Safira deu um passo para trás estupefata com a pergunta repentina da irmã.
- Calma! – respondeu Adelaide diante do susto que dera na irmã – Eu não estava falando sério.
- E-eu... Bem, só sai em defesa de Charles por que hoje mais cedo tivemos uma conversa na biblioteca e ele foi bastante agradável...
-Você e Charles? – a encarou incrédula – Não consigo imaginar que tipo de assunto vocês podem ter em comum!
- Assuntos do gênero filosofia, livros, entre outros que você considera como "enfadonhos".
Adelaide fez cara de tédio.
- Mas são – devolveu ela.
Safira apenas deu de ombros.
- O que quero dizer é que ele só está a recompensando pelo modo como foi tratado naquele jantar. Você teve uma postura bem hostil com ele, sabia?
- Sim – Adelaide se levantou e caminhou até a janela onde a brisa fresca acariciava sua pele – Você fez questão de me lembrar deste fato todos os dias, a semana inteira.
- Pois bem... Minhas lições de moral estão esgotadas hoje, talvez amanhã eu volte para lhe dar mais algumas.
Adelaide lançou um olhar de cumplicidade para Safira. Por mais divergentes que fossem suas opiniões e ideais... elas ainda eram as inseparáveis irmãs Cadwell e tanto para uma quanto para a outra, nada parecia ser capaz de superar aquilo.
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Um Homem Incompleto - Irmãs Cadwell Livro 1
RomanceSéculo XIX Após uma tempestade que inundou toda a Inglaterra Londrina, a vida de Charles Fretcher mudou drasticamente quando a carruagem em que se encontrava despencou numa ribanceira e uma de suas pernas fora esmagada por uma roda que se desprendeu...