Capítulo XXXIII

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O cheiro de poeira impregnado no armário somado à forte adrenalina do momento impossibilitavam a normalidade de sua respiração, fazendo com que o peito de Safira subisse e descesse em movimentos frenéticos e acelerados, porém, sem emitir nenhum ruído. Safira comprimiu os lábios nervosa e segurou firmemente a mão do mordomo que estava à sua frente. Fischer estava ali por ela, e Safira não deixou de sentir pena do pobre coitado... se aquilo tudo terminasse mal, o mordomo perderia seu emprego e ela estaria fadada a carregar aquele peso em sua consciência pelo restante de seus dias.

Os homens adentraram no aposento de maneira tranquila e despreocupada, os sapatos produzindo sons ásperos sempre que tocavam a superfície de madeira. Ouviu-se um estalo indicando que as portas haviam sido fechadas.

O tom de voz do Conde elevou-se notoriamente, falando agora da maneira que lhe era habitual e confortável.

- Aqui podemos falar em segurança, com a certeza de que não seremos ouvidos.

- Ótimo – A voz de Edmund era carregada de alívio, o que fez Safira se perguntar como nunca suspeitara que havia algo de errado com seu pai.

Após alguns segundos em silêncio Edmund indagou:

- Por que Melbourne está aqui?

O semblante de Safira ao ouvir tal questionamento expunha seu desconcerto, dentre tantas formas de se iniciar um diálogo, por qual motivo seu pai escolhera justamente aquela? O que levava o jovem visconde de Melbourne a ser a pauta da conversa entre os dois? Aquilo a deixou ainda mais intrigada.

- Honora Mclark é o motivo, sua mãe e atual viscondessa – Eliott suspirou.

Edmund se manteve em silêncio aguardando por mais explicações, ambos continuavam a caminhar vagarosamente até a mesa no final da sala.

- Honora sabe de tudo, e para que se mantenha calada, por vezes lhe presenteio com alguns favores.

Edmund não se espantou com aquela declaração, afinal sabia que se encaixava no grupo de pessoas gananciosas e sem escrúpulos, assim como a viscondessa viúva Honora Mcklark.

- Mas o pobre garoto que acabou de assumir o título de seu falecido pai não suspeita de nada – esclareceu Eliott.

- Ele me pareceu bastante despretensioso, pobre criatura... Se continuar manifestando tamanha ingenuidade, qualquer um com intelecto superior ao dele poderá lhe aplicar uma grande rasteira.

- Tolo como aquele garoto aparenta ser, não me surpreenderia se em poucos anos acabasse com a pequena fortuna que lhe restara. Cornellius Mcklark possuía uma inteligência ainda menor que a do filho, me surpreende como um desafortunado viciado em jogatinas tenha se casado com uma mulher astuciosa como Honora...

- Pelo que sei, o senhor não era o único homem influente com quem o velho Cornellius possuía dívidas de jogo.

- Exato, no entanto, fui o único com coragem o suficiente para tomar o que era meu por direito.

Eliott se sentou em sua cadeira e apoiou o candelabro que carregava consigo sob a mesa. Algo reluzente lhe chamou a atenção: seu revolver.

- Estranho – balbuciou ele enquanto segurava o mesmo.

- O que há? – Perguntou Edmund curioso.

- Meu revólver... o limpei pela manhã, mas me recordo de tê-lo guardado na gaveta.

Safira e Fischer trocaram olhares apreensivos dentro do armário.

- Acha que alguém esteve aqui em sua ausência? – Edmund arrastou a cadeira à sua frente e pôs as mãos sobre a mesa encarando o objeto com uma expressão intrigada.

- Não creio. Nenhum criado tem permissão para entrar aqui sem ser solicitado... Me mantive alerta a qualquer movimentação estranha dos convidados no salão... Devo ter me esquecido de guardá-la e pensei que o havia feito, ando tão ocupado com os preparativos para casamento de Charles e Adelaide que ás vezes algumas coisas me escapam a mente – ele riu e guardou o revolver dentro da gaveta, declarando que o assunto estava encerrado.

O peso da apreensão por serem descobertos fora retirado dos ombros de Safira e do mordomo, que puderam respirar aliviados.

- Ainda não acredito que justamente Adelaide conseguira uma união tão satisfatória – Safira balançou a cabeça, detestava ouvir o pai falando sobre Adelaide daquela forma e sabia que os olhos de Edmund deveriam estar reluzindo de satisfação naquele momento.

- União esta que será proveitosa apenas para a sua família, devo acrescentar.

- Sabe que o tenho em mais alta estima por isso, querido Eliott.

O conde apenas deu de ombros.

- Charles no estado em que está não encontraria um matrimônio vantajoso. Não me custava nada retribuir o favor que você me fizera quando se livrou de Cornellius Mcklark e me ajudou a recuperar o que aquele imprestável me devia.

Os ouvidos de Safira se assemelhavam a um radar, detectando cada detalhe minuciosamente, e ela mal podia acreditar nas palavras que ouvira naquele mesmo instante, um calafrio percorreu todo seu corpo. A frase "Se livrou de Cornellius Mclark" ecoava em seus pensamentos. O que aquilo queria dizer? Que seu pai, aquele por quem ela tinha tamanha estima, tinha matado aquele homem? Safira sentia vontade de bater na própria cabeça e se xingar por pensar tal coisa a respeito de seu pai, se recusava a acreditar no que ouvia, mas as palavras dele vieram tão cortantes como a lâmina de uma faca.

A resposta que sucedeu provocara uma reação fizera seu corpo estremecer de repulsa:

- Só fiz o meu trabalho – respondeu Edmund com indiferença. Trabalho? Que trabalho? Sua vontade era abrir aquelas portas e despejar tais questionamentos sobre o pai.

- Eu tenho conhecimento disso, mas como sua lealdade se mostrou verdadeira comigo... Eu estava em dívida com você, meu caro. Só espero que Adelaide desempenhe um bom papel como condessa e que seja capaz de gerar um herdeiro homem e com saúde para suceder meu filho e dar continuidade a linhagem dos Fretcher.

- Eu não tenho dúvidas a respeito disso. Sou muito grato, pois sei que Adelaide, devido ao gênio ruim que possui, dificilmente seria eficiente no mercado casamenteiro – disse Edmund com a voz carregada de descontentamento – Mas creio que desempenhe um papel impecável como condessa e genitora de um herdeiro.

- Em compensação sua outra filha me parece bastante apta para encontrar um bom marido, não acha?

- Tenho plena convicção disso, Safira não há de me decepcionar... Ainda mais depois que sua irmã assumir o título de condessa... Quem sabe eu não consiga casá-la com um marquês ou um Duque?

- Não seria de nenhum espanto para mim que tal profecia se tornasse realidade, caro Edmund. Era exatamente sobre isso que queria falar com você, vim lhe dizer que não aceitarei os dotes de Adelaide, sei que são poucos, mas deixe os para somar aos de Safira, assim aumentamos as chances de que consiga um casamento proveitoso.

- Ora! É uma excelente ideia.

- Através de Safira poderemos expandir nossos negócios e fontes de lucro.

- Safira é um verdadeiro diamante – respondeu o pai com vigor.

- Fiquei sabendo que o Duque de Hampshire pretende encontrar uma noiva na próxima temporada – sugeriu Eliott.

Edmund estava tão entusiasmado com a possibilidade que se encontrava a ponto de bater palmas como um tolo, o debate continuou com pautas relacionadas ás burocracias do casamento e detalhes menos relevantes.

Fischer virou a cabeça para observar o rosto pálido da jovem Safira, se não estivessem em um espaço tão apertado ele certamente teria lhe checado o pulso, sua expressão era sem vida, como se tivessem lhe arrancado as esperanças.

Safira, naquele momento perdida em pensamentos, ponderava que seu coração deveria ser imortal, não fazia sentido que continuasse batendo depois de ter provado tantos sentimentos em um só dia, se fosse um mero coração comum, não teria resistido àquelas numerosas emoções.

Um Homem Incompleto - Irmãs Cadwell Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora