Capítulo XXXIV

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Antes, uma grossa faixa de tecido negro encobria os olhos de Adelaide, impedindo o vislumbre de qualquer feixe de claridade. Agora, ela tinha a sensação de abri-los pela primeira vez.

Estava tão absorta consigo mesma e seus problemas que nem sequer lembrara da existência de um mundo fora de sua bolha particular, se esquecera de fazer o mínimo que qualquer ser humano deveria fazer, aquilo que era um item essencial para a sobrevivência da espécie: observar o que acontece à sua volta.

Surpresa parecia uma palavra rasa para exprimir o que ela sentia. Era como se houvesse encontrado uma peça de seu quebra-cabeças, uma parte de existência desconhecida até então e que era crucial para completar o jogo.

"- Muitas coisas na vida não são justas minha cara. Se está curiosa para compreender o que digo, basta olhar para além de si mesma e enxergar a profundidade nos outros."

As palavras de Lucinda a atingiram como um golpe, sua mente trabalhava em alta velocidade ao perceber que finalmente havia encontrado o significado daquela fala.

Charles a encarava com os olhos ardentes, como em hipótese nenhuma a teria olhado em uma situação normal, porém, apesar disso, eram olhos distantes. A expressão de seu rosto demonstrava um afeto singelo que ela nunca havia visto em Charles. E as palavras? Adelaide era perspicaz para compreender que jamais poderiam ser inventadas, á frente dela não estava o homem frívolo com quem acabava de firmar um noivado publicamente, estava a alma dele, justamente a qual inúmeras vezes ela julgou não existir. Ele não estava interpretando um personagem, como Adelaide suspeitou que faria.

"- Mas digo isso porque a dama que despertou em mim o desejo incessante de passar o restante de minha vida ao lado de outro alguém... Bem, ela enxergou o homem por trás de uma postura arrogante e uma perna deficiente... ninguém havia me observado com tanta atenção até então, ela me amou quando as pessoas me julgaram odiável. Seu primeiro olhar para mim fora doce como ambrósia - Sabia que Safira onde quer que estivesse, se o estivesse escutando sorriria diante de sua última fala - Ela tem o coração mais generoso de toda Inglaterra e o sorriso mais exuberante. É espirituosa e arrojada. Sua companhia é desejada por todos, é capaz de cativar até mesmo os corações endurecidos com sua pureza e simplicidade."

A semelhança entre a mulher do discurso e a personalidade de sua irmã Safira não poderia ser apenas uma mera coincidência.

"- Eu percebo que você e Charles não possuem tanta intimidade, como ele possui com Safira...." Isabel lhe dissera certa vez durante um piquenique.

Sua mente agora a bombardeava com fragmentos de conversas, detalhes que lhe passaram despercebidos... as falas de Safira com relação a Charles, as flores misteriosas no quarto da irmã na primeira semana de estadia delas na mansão, olhares trocados, sorrisos inconscientes, gestos, Charles assumindo uma postura defensiva para proteger Safira com unhas e dentes em inúmeras situações...

"- Pois saiba meu pai, que até agora a senhorita Safira não teve uma conduta menos do que exemplar, por tanto não permitirei que a insulte assim, se ela deseja usar botas ou andar descalço isso não diz absolutamente nada a respeito do seu caráter e o senhor não é um exemplo de honra para julgá-la."

"- Sabe minha senhora, quando alguém tenta ferir uma pessoa importante para mim, eu posso bem esquecer se esse alguém é homem ou mulher. Acho que a senhora não gostaria de ver isso. Ou gostaria?"

Céus, como não percebera aquilo antes? Agora tudo lhe parecia tão explícito! Quanta tolice de sua parte!

"- Cuidado ou os olhos de Charles podem se voltar para você srta. Cadwell!"

Um Homem Incompleto - Irmãs Cadwell Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora