Capítulo 1

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Por entre as paredes brancas daquele
hospital caminhava uma garota a passos
largos. Estava desesperada, mais um dia
onde ela estragaria as coisas, isso era
inconcebível. O fisioterapeuta Gabriel  era rude, impaciente e extremamente impetuoso. De que forma a pobre moça lhe explicaria que sua simples tarefa de encontrar o quarto vinte três falhara miseravelmente? Ou seria vinte e seis?

Priscila era péssima de memória e estava no ano de prática em fisioterapia, seu último ano, e naquele mesmo dia passara em mais de quinze quartos, porém algum estúpido derrubou café em seu jaleco, manchando o último número do quarto que ela deveria ir.

Estava exausta, só precisava de um bom
banho e de sua cama. Até não ligaria caso
Vanessa Sua melhora amiga desparafusada
e parceira de quarto na república em
que morava  estivesse ouvindo música
alta naquele dia. Estava tão exausta que
certamente apagaria assim que encostasse a cabeça no travesseiro.

Priscila tinha vinte e dois anos, era dona
de uma beleza crua, porém bela. Odiava
maquiagem para seu rosto, sempre preferiu o natural. Seus cabelos eram ruivos e ligeiramente ondulados; era alta e, apesar do perfil delicado e doce, não tinha sorte na vida amorosa, motivo este que sempre a fez ser completamente nerd.

- Tudo bem, respire. - Ela disse, ajeitando seu jaleco e retirando uma mecha de cabelo de seus olhos - Você consegue fazer isso. - Os olhos castanhos focaram no número vinte e três na porta. - Se não for este você se desculpa e ficará tudo bem.

- Caliari, tudo bem? - A voz grossa de
Gabriel lhe assustou, fazendo soltar um grito fino e levar sua mão ao peito. Droga! Droga! Droga!

- S-sim. - Ela disse gaguejando, vendo o
homem descer o óculos até a ponta do nariz e lhe fitar seriamente.

- Então por que está parada em frente a essa porta ao invés de ir ao trabalho?

- Eu.. É.. já estava indo. - Ela disse sorrindo
amarelo para ele antes de levar sua mão ao
trinco, cor prata, da porta e abri-la. Ela entrou rapidamente, fechando a porta e
respirando aliviada.

- Pois não? - A voz de uma mulher fez Priscila  tomar um susto e dar outro pulo, se virando para a dona da voz. A mulher tinha olhos castanhos escuros e sua pele era clara. Ela estava sentada em uma cadeira ao lado da cama de um paciente; seus olhos eram fundos, olheiras e totalmente sem brilho. Ela carregava consigo um kit de tricô.

- Eu.. - Priscila caminhou até a beira da cama, já sabendo que tinha cometido um erro, porque seu último paciente era um homem idoso e, ao contrário disso, na cama havia uma linda garota, bastante pálida, porém linda e jovem.

- Desculpe incomodar. É que eu sou nova
neste hospital e acabo de perceber que me
enganei quanto ao número do quarto.

A risada doce, mais ainda sim cheia de dor
preencheu o quarto antes da mulher fitá-la
meticulosamente.

- Em que ano está?

- Perdão? - Priscila perguntou confusa.

- É alguma interna ou estudante de algo da
área da saúde, aposto! Deixe-me ver.. - Ela
disse, não olhando para o jaleco, pois ali
estava a profissão e ela adorava advinhar -
Cirurgia.

- Ew! Não. - Priscila disse rindo. - Não sou
médica, estou no último ano de fisioterapia.

- Oh, linda profissão! - A mulher disse
sorrindo gentilmente. - Não se preocupe,
querida, ao longo destes quatorze anos você não foi a primeira a passar por nosso quarto. - Os olhos curiosos de Priscila se desviaram para a garota ali desacordada - Acho que já passou mil, na verdade. Este hospital é imenso.

- Desculpe, mas.. O que ela tem? - A mulher
exalou o ar dos pulmões ficou a garota ali na cama.

- Está em coma. Os médicos já sugeriram o rompimento do uso das máquinas, mas não
sou capaz de abrir mão de minha única filha. - Ela disse tristemente - E nunca serei.

Oh droga! Ela não poderia apenas ter se
desculpado e saído? Como iria arrumar
palavras que consolasse tal dor?
Impossível! Nada seria capaz de aquecer o
coração daquela pobre mãe desamparada.

- Perdão, a senhora mencionou quatorze
anos? - A mulher assentou devastada.

- Era só uma pobre e inocente criança. - A
mulher disse sentindo uma lágrima escorrer. - Naquele dia eu quebrei um braço, perdi meu marido e, bem, minha filha, após passar por quatro cirurgias no cérebro, entrou em coma.

Só uma criança.  Só uma criança. Só uma criança.

Merda.

Priscila não suportava histórias tristes, seu
coração não aguentava, ela sempre chorava
no fim do dia.

- Como ela se chama? - A senhora arregalou
os olhos surpresa pela pergunta.

- Carolyna. - Priscila assentiu.

- E a senhora?

- Fernanda.

- Bem.. - Priscila disse, se inclinando um pouco e olhando para a garota desacordada, ela aparentava estar em plena calma. - Olá Carolyna. Eu me chamo Priscila - Disse com toda doçura que havia em seu ser. - Será que você poderia acordar hoje? Sua mamãe está morrendo de saudades, anjinho. - Óbvio que não teria resposta. - Espero que acorde logo para podermos brincar, uh? Tenho uma
irmãzinha mais nova e ela adora bonecas,
posso te trazer algumas, combinado?

Os olhos castanhos de dona Fernanda
procuravam por algo, porém não encontram.

- Obrigada, criança - Ela disse comovida.

- Não fiz nada, senhora. Não me agradeça,
apenas conversei um pouco com ela. - Priscila  disse gentilmente - Mais alguém a visita?

- Uhmm, faz uns doze anos que não. -
Confessou - Desistiram dela, mas como eu
disse, não sou capaz de fazer isso. - Priscila
sentia vontade de chorar, mas deveria se
conter.

- Carol, eu preciso ir, meu chefe é um
homem muito chato... - Priscila disse rindo
baixinho. - Mas vou orar para que acorde
logo.

- Vá com Deus, querida - Fernanda disse.

- Fiquem com ele vocês duas também. -
Ela disse, vendo Fernanda começar a chorar compulsivamente. - O que houve? A senhora está bem? - Perguntou, se aproximando da mulher.

- Não ligue para esta velha - Ela disse. - É
de todas as mil pessoas que entraram por
engano, você foi a primeira a conversar com ela.

- Bem..

- Obrigada, criança. Isso significou o mundo
para mim.

- Não chore, dona Fernanda. - Priscila suplicou. - Eu preciso mesmo ir, mas..

- Oh, claro. Não quero incomodar. Vá querida.- Priscila assentiu, levando a mão ao rosto de Fernanda e se atrevendo a enxugar as lágrimas da mulher.

- Posso voltar no fim do meu turno? Está
quase acabando.

- Não precisa se incomodar com minha
pobre alma solitária, criança. - Fernanda disse sorrindo simpática.

- Eu vivo cercada de pessoas do bem, mas
minha alma também é solitária. Que tal se
nos fizermos companhia? - Um sorriso sincero nasceu nos lábios da mulher.

- Te esperarei. - Fernanda disse e Priscila abriu um lindo sorriso.

- Até mais tarde então, Senhora. - Disse se
levantando. - Até mais tarde, Carol. - Disse caminhando até a porta. Assim que abriu
se deparou com Gabriel ainda ali, de braços
cruzados.

- Eu estava esperando para ver quanto tempo você demoraria para descobrir que atendeu o paciente errado. - Merda! Sua maré de azar acabaria algum dia?

Em um piscar de olhos - CapriOnde histórias criam vida. Descubra agora