Kara enfia as mãos no fundo dos bolsos do antigo casaco na vã tentativa de aquecer os dedos frios. Encolhida no cachecol, ela atravessa a garoa gelada de inverno em direção ao prédio residencial no Chelsea Embankment. É quarta-feira, seu segundo dia lá sem Ania, e ela está voltando ao apartamento grande com o piano.
Apesar do clima,sente-se vitoriosa, porque sobreviveu ao trajeto no trem lotado e apertado sem a ansiedade de sempre. Está começando a entender que Londres é assim mesmo. Gente demais, barulho demais e engarrafamento demais. Porém, o pior de tudo é o fato de ninguém se falar a não ser para dizer " com licença " quando esbarra em você ou " vá para o fundo do vagão, por favor ". Todos se escondem atrás dos jornais gratuitos, ouvem música nos fones de ouvido ou olham fixo para os celulares ou livros eletrônicos, evitando qualquer contato visual.
Naquela manhã, Kara tiveram a sorte de encontrar um assento no trem,mas a mulher ao seu lado passara a maior parte do trajeto gritando no celular sobre seu encontro mal-sucedido da noite anterior. Kara tentou ignorar e ler o jornal gratuito para melhorar seu inglês, mas queria mesmo era escutar música, não a reclamação barulhenta daquela mulher. Terminada a leitura, ela fechou os olhos e imaginou montanhas majestosas salpicadas de neve, pastagens onde o ar tinha aroma de tomilho e era dominado pelo zumbido das abelhas. Kara sente saudade de casa. Saudade da paz e do silêncio. Saudade da mãe e do piano.
Flexiona os dedos dentro dos bolsos enquanto relembra sua música de aquecimento, ouvindo as notas em alto e bom som,vendo-as em cores vivas. Quanto tempo faz desde a última vez que tocou ? Sua empolgação cresce ao pensar no piano à sua espera no apartamento.
Atravessa a entrada do prédio antigo em direção ao elevador, quase sem conseguir conter o entusiasmo, e segue até a cobertura. Durante algumas horas, todas as segundas, quartas e sextas, aquele lugar maravilhoso com cômodos grandes e arejado, chão de madeira escura e piano de cauda é todo dela. Kara abre a porta, preparada para desativar o alarme, mas para sua surpresa, o sistema não emite um bipe. Talvez esteja quebrado ou desativado. Ou... Não. Ela se dá conta,horrorizada, de que a dona deve estar em casa. Ouvindo com atenção, tentando detectar qualquer sinal de vida,ela para no corredor amplo com paredes decoradas com fotos de paisagens em preto e branco. Não ouve nada.
Mirë.
Não. "Que bom." Inglês. Pense em inglês.Quem quer que more ali deve ter ido trabalhar e se esquecido de ativar o alarme. Ela nunca viu a sujeita,mas sabe que tem um trabalho bom, porque o apartamento é imenso. De que outra forma poderia bancar aquilo? Ela suspira. Ela pode até ser rica,mas é uma porca. Kara já esteve ali três vezes, duas delas com Ania,e o apartamento está sempre uma bagunça, demandando horas de arrumação e faxina.
O dia cinzento se infiltra pela claraboia ao final do corredor, então Kara liga o interruptor, e o lustre de cristal acima dela ganha vida, iluminando a passagem. Ela tira o cachecol de lã e o pendura com o casaco no armário ao lado da entrada.
Pega na sacola plásticas os tênis velhos que Nia Nal lhe deu e substitui as botas e meias molhadas por eles,satisfeita por estarem seco e aquecerem seus pés. Sua camiseta é o casaquinho finos não são páreo para o frio. Ela esfrega os braços com força para reanimá-los um pouco enquanto atravessa a cozinha e entra na lavanderia. Ali, larga a sacola de compras na bancada. Tira de dentro o uniforme de Barry grande demais que Ania lhe deu e o veste por cima da roupa,então amarra um lenço azul-claro na cabeça, tentando manter o cabelo trançado sob controle. No armário debaixo da pia,pega o kit de limpeza e, do alto da máquina de lavar, tira um cesto de roupa, seguindo para o quarto dela. Se ela se apressar, pode terminar a faxina antes da hora e ter o piano para si por um tempinho.
Ela abre a porta, mas fica paralisada na estrada no quarto.
Ela está aqui.
A mulher!Dormindo sem roupa, de barriga para baixo e esparramada na cama enorme.
Ela fica ali, ao mesmo tempo em choque e fascinada, com os pés enraizados no piso de madeira enquanto observa a linda mulher. Seu rosto está virado para ela, mas coberto por cabelos negros desgrenhados. Um dos braços está sob o travesseiro, e o outro, estendido na direção de kara. Ela tem uma tatuagem no ombro esquerdo. O bronzeado das costas some à medida que os quadris se estreitam e dão lugar a covinhas e uma bunda pálida mas que dá inveja.Bunda.
Ela está pelada!
Laruriq!
Zot!As pernas de longas e musculosas desaparecem sob um nó de edredom cinza e lençol de seda prateada, embora o pé fique visível na beirada do colchão. Ela se remexe, os músculos das costas se contraem e suas pálpebras se abrem, revelando olhos verdes desfocados, porém luminosos. Kara prende a respiração, convencida de que ela ficará zangada por ter sido acordada. Os olhares das duas se encontram, mas ela muda de posição e vira o rosto para o outro lado. Então se acalma e volta a dormir. Aliviada, ela solta o ar.
SHYQYR ZOTIT!
Corada de constrangimento, ela sai do quarto na ponta dos pés e corre pelo corredor comprido até a sala,onde larga o kit de limpeza no chão e começa a recolher as roupas espalhadas e o sapato pela sala.
Ela está aqui? Como pode estar na cama? A essa hora?
Com certeza está atrasada para o trabalho.Ela olha para o piano,sentindo-se traída. Hoje ela ia tocar. Não teve coragem na segunda-feira e estava ansiando por isso. Hoje seria a primeira vez! Ela ouve em sua mente o " Prelúdio em Dó Menor", de Bach. Seus dedos tocam as notas com raiva, e a melodia ecoa em sua cabeça em vermelhos, amarelos e laranjas vivos,um acompanhamento perfeito para o ressentimento. A obra atinge o ápice e então desacelera até terminar, enquanto ela joga uma blusa no cesto de roupa suja.
POR QUE ELA TEM QUE ESTAR AQUI?
Ela sabe que sua decepção é irracional. A casa é dela. Mas insistir nisso a distrai de pensar nela. É a primeira mulher nua que Kara já viu,uma mulher nua com olhos verdes cheios de vida,da cor das águas profundas e calmas do rio Drin em um dia de verão. Ela franze a testa,sem querer pensar no seu país. Ela olhou direto para ela. Ainda bem que não acordou. Pegando o cesto de roupas, ela volta na ponta dos pés até a porta entreaberta do quarto e espia para descobrir se ainda está dormindo. Ouve o barulho do chuveiro.
ELA ESTÁ ACORDADA!
Ela cogita sair do apartamento, mas descarta a ideia. Precisa do trabalho, e se fosse embora ela poderia demiti-la .
Com cuidado, abre um pouco mais a porta e ouve a cantoria desafinada ecoando no banheiro da suíte. Com o coração a mil, corre para dentro do quarto para recolher as roupas espalhadas pelo chão, então volta apressada à segurança da lavanderia, perguntando-se por que seu coração está acelerado,apenas por vê uma simples mulher pelada. Qual é Kara você é hetera, ou pensa que é.
Inspira fundo para se acalmar. Foi uma surpresa encontrá-la ali,dormindo.
Sim. É isso. Só isso. Não tem nada de mais tê-la visto nua. Não tem a ver com o rosto bonito, o nariz reto,os lábios carnudos, os ombros largos... Os braços musculosos. Nada. Foi só um choque. Ela não esperava encontrar a dona do apartamento naquela manhã, e vê-la daquela forma foi perturbadora.Sim ela é bonita.
Ela toda. O cabelo, as mãos, as pernas, as costas...
Muito bonita. E olhou bem para ela com aqueles olhos verdes e límpidos.
Uma lembrança mais sombria surgiu em sua mente. Uma lembrança de casa. Olhos azuis e frios, severos de raiva, a fúria recaindo sobre ela.Não. Não pense nele!
Kara leva as mãos ao rosto e esfrega a testa.
Não. Não. Não
Ela fugiu. Está ali. Está em Londres. A salvo. Nunca mais vai ver aquele homem.Ajoelhando-se, ela coloca as roupas na máquina de lavar,como Ania lhe mostrou. Verificando os bolsos das calças, cai da camisola um papel com um número de telefone e o nome Katlen anotado. Enfio o bilhete no meu bolso, jogo uma cápsula de sabão na máquina e liga.
Em seguida, esvazia a secadora e liga o ferro de passar. Hoje vai começar passando roupa e ficar escondida na lavanderia até que ela vá embora.
E SE ELA NÃO FOR ?
E POR QUE ELA ESTA SE ESCONDENDO DELA? Sua patroa. Talvez ela devesse se apresentar. Conheceu todos os outros empregados, o que não foi um problema, com exceção da Sra.Grant, que a segue por todo canto criticando seus métodos de limpeza. Ela suspira. A verdade é que todas as pessoas para quem trabalha são mulheres. Por que desconfia dos homens.- Tchau, Ania! - Diz ela, afastando-a dos pensamentos e da blusa de cetim que está passando.
A porta da frente se fecha com um ruído abafado, e tudo fica em silêncio. Ela foi embora. Ela está sozinha e murcha de alívio diante da tábua de passar.
Ania? Ela não sabe que ela substituiu Ania? Kelly, a amiga de Nia-Nal que arranjou aquele trabalho, não a avisou sobre a mudança de funcionária? Kara decide que mais tarde, à noite, vai checar se a dona do apartamento foi informada. Termina de passar outra blusa, pendura-a num cabide, então vai até a mesinha no hall e vê que ela deixou dinheiro. Isso com certeza significa que não vai voltar.
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LADY-LUTHOR -KARLENA
FanfictionKara não é o que Lena esperava, mas agora é tudo que ela mais deseja. Prepare-se para uma nova história de amor! Uma trama repleta de romance, ação e suspense. . . Uma jornada que vai do coração de Londres até a sombria e ameaçadora beleza dos Balc...