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Nada mais me surpreende

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Nada mais me surpreende.
Pelo menos era isso que eu pensava antes de ver Valentina rompendo porta adentro pelo quarto de Isabella com o vestido rasgado, pés descalços e cabelo desgrenhado.
Sua aparência causava espanto, mas seu semblante, esse sim foi o que mais chamou minha atenção. Seus olhos eram ferozes, prontos para atacar. Já havia visto algo parecido antes, em meus inimigos, mas essa era minha esposa, a mulher que deixei trancada minutos atrás e que agora vem a passos furiosos em minha direção.

- Bella é minha sim. Sou a única mãe que ela conhece. E não irei deixá-la, você gostando ou não.

Impressionante como o castanho dos olhos dela dobrou de tamanho enquanto cuspia suas palavras cheias de ódio. Notei o tremor em todo seu corpo mas com certeza não era medo. Valentina tem a audácia de me enfrentar a cada oportunidade e está ficando mais corajosa com o passar do tempo.
Como se tivesse um botão de volume o choro incessante de Isabella triplicou a potência, sendo quase ensurdecedor.
Valentina simplesmente arrancou a criança do meu colo e a segurou com muita delicadeza em seus braços.
No mesmo instante, como se por mágica, minha filha foi se acalmando até que seu lamento não passou de alguns suspiros.

Novamente o choque me atingiu. Como a criança que cuidei e amei desde o primeiro minuto de vida, foi capaz de cometer tal traição? Fiquei parado no meio do quarto com os braços caídos ao lado do corpo enquanto escutava as ordens que Valentina dava a Francesca e Marco: "encha a banheira com água morna" "que horas ela tomou o remédio?" "vamos intercalar com o outro"...

Só despertei do meu estado quando o silêncio tomou conta do lugar. Segui um barulho de água até o banheiro onde Valentina segurava minha filha sobre a banheira. Uma música suave tocava em uma caixinha de som que não estava ali a última vez que chequei.
Minha esposa sussurrava palavras doces e sorria para Isabella que demonstrava em seu rosto sereno o quanto estava sendo bom aquele momento.

- Pronto. Vamos secar esse corpinho e vestir um pijama bem confortável para dormir meu anjo.

Valentina se movia com agilidade, não foi preciso minha intervenção em nenhum momento. Aliás era como se eu não estivesse ali. Fui ignorado propositalmente durante todo processo.
Ao fim, as duas sairam pelo corredor e entraram no quarto de Valentina. Minha filha está em boas mãos. Fiz a escolha certa, pelo menos para ela.

Andei até o escritório, que tem sido meu refúgio nos últimos meses. Deixei o corpo cair pesadamente na cadeira. Me sentia exausto além do limite... Carregar tantos problemas e tantos segredos tem me esgotado ao máximo. Fecho os olhos lembrando que nem sempre foi assim... Houve uma época em minha vida que planejar o futuro e desfrutar o presente eram minhas únicas preocupações. Mas agora...

                                    ~~~
- Não!

Acordei gritando e dei um pulo da cadeira. Pesadelos tem sido uma constante, praticamente a única companhia que tenho a noite a um bom tempo.
Quase sempre recorrentes, sobre Giulia, meu pai, Giovanna, ou algum inimigo oculto pelas sombras... Mas o de hoje foi diferente. Pela primeira vez sonhei com Valentina.
Ela arrumava as malas e saía porta a fora deixando Isabella e eu sozinhos. Nem mesmo o choro da minha filha ou meus gritos chamando seu nome a impediam de ir... Ela sequer olhava para trás e conforme se afastava a escuridão tomava conta da casa, deixando-a fria e sem vida.

Sequei o suor que brotou em meu rosto, retirei o paletó e a gravata e subi as escadas abrindo os botões da camisa. Já é madrugada, tudo está em completo silêncio, tomarei um banho e tentarei dormir um pouco, mas antes preciso ver Isabella.
Vou até o quarto de Valentina e o que vejo enche meu peito de calor. As duas vestidas com pijamas idênticos, calça e blusa de mangas compridas na cor rosa cheias de pequenos corações coloridos. Me pergunto quando isso foi comprado pois quem o fez está bem claro, é a cara da minha esposa.
Elas repousam serenamente. Valentina fez uma barreira de travesseiros de um lado da cama, enquanto seu corpo enlaça Isabella do outro lado. As duas se encaixam perfeitamente em uma cena digna de ser retratada.
Fico tempo demais ali observando-as, como tenho feito todas as noites, só que hoje é diferente, ambas estão na mesma cama.
No fundo da minha mente nasce a ideia de que seria bom juntar-me a elas, dormir e acordar abraçados como uma família, mas rapidamente deleto tal loucura.
Houve um tempo em que vontades bobas faziam parte da minha vida. Mas não hoje, nem nunca mais.

                                  ~~~

- ... e então eu pulei da sacada e cai sobre os canteiros de flores.

- Vou ordenar que coloquem grades na sua janela.

Valentina levou um susto tão grande quando ouviu minha voz seguida de minha presença na cozinha, que derramou todo seu suco com o pulo que deu na cadeira.

- Enrico! O que faz aqui?

- Eu moro aqui.

- Sim... Mas... Eu nunca o vejo em casa...

- Já eu sempre estou de olho em você.

Valentina franziu a testa, tentando entender minhas palavras, então apontei com o queixo para uma pequena câmera que havia no teto da cozinha.

Precisei engolir uma risada, pois vê-la pálida, de boca aberta e olhos arregalados, era mesmo engraçado. Imaginei que nada abalasse minha esposa e sua postura sempre dona de si, mas me enganei.

- Se Isabella estiver bem, amanhã iremos à Turquia. Minha sobrinha Ária, filha de Anna faz aniversário.

Virei as costas antes que ela me fizesse alguma pergunta. Já chega o incomodo de fazer essa viagem, mas enquanto não confirmei presença não tive um minuto de paz com minhas duas irmãs ligando e mandando mensagens.
Será um desafio ter que passar horas na companhia de minha esposa... Mulher da qual tenho fugido com todas as minhas forças... Ainda sinto seu gosto em minha boca... Meu corpo reage com cada lembrança dela... Mas serei mais forte. Já não há lugar para sentimentos dentro de mim.

Paixão MafiosaOnde histórias criam vida. Descubra agora