Gastando seus cinco minutos no banheiro, Alexandra deu uma última olhada no espelho. Conferiu o batom laranja que se destacava na pele marrom. Chocolate, Rodrigo diria. O batom fora uma escolha arriscada, pois lhe dava uma aparência provocante, que não sabia se seria a melhor para aquela noite. Saiu para o saguão. A parede envidraçada mostrava o morro Pão de Açúcar e o mar que banhava a praia carioca.
Rodrigo e seus pais a aguardavam. Não era a primeira vez que se viam, mas sentia-se nervosa.
Pensou na senhora elegante e no cavalheiro distinto que jantava com eles. Ela sabia que o motivo real era conhecê-la melhor, afinal acabara de ser pedida em casamento pelo filho deles.
Dando uma profunda respiração, ajeitou os cabelos crespos e voltou para o salão.
Numa das melhores mesas, Rodrigo se destacava. Era alto, de ombros largos e, de terno, era capaz de despertar pensamentos audaciosos em nove em cada dez mulheres em qualquer recinto. As mulheres ali no restaurante não faziam diferente. O rosto, da cor do café com leite, era bastante atraente, os lábios cheios que pareciam estar sempre com um sorrisinho provocante e os olhos cor de âmbar. Seu namorado era lindo mesmo!
A mãe, uma mulher elegante, com os cabelos louros presos num coque alto, o olhava com orgulho e Alexandra sabia que não era apenas pela aparência do rapaz. Rodrigo era um advogado que vinha fazendo seu nome, se destacando numa importante firma advocatícia da cidade de São Paulo.
É um homem perfeito. – pensou, voltando para a mesa.
Rodrigo e seus pais a olharam quando se sentou. Alexandra agradeceu por ter colocado seu vestido branco e saltos altos ao se sentir sendo avaliada mais uma vez pelo casal.
— E aqui está ela! – Rodrigo exclamou, segurando sua mão.
— Demorei?
— Estou brincando.
O namorado sorriu para ela e beijou sua mão. Alexandra percebeu que a mãe seguiu o filho com os olhos. Havia algo naquela mulher que a desconcertava; parecia que estava constantemente a avaliando. Desde o primeiro encontro com os pais do agora noivo, sentia que algo incomodava aquela mulher.
O pai de Rodrigo, um homem negro e forte, pigarreou.
— Então, filho... Vocês não estão oficialmente noivos?
Rodrigo o olhou.
— Ainda não; vamos esperar uma ocasião melhor para visitar a avó de Alexandra. Quero fazer o pedido tradicional.
— É uma pena que ela não pôde vir. – a mãe perguntou. — Poderíamos ter preparado uma recepção.
Alexandra achou que devia defender a avó.
— Minha avó está com um problema cardíaco sério e a viagem seria um pouco difícil para ela.
— Mas ela vive tão distante assim?
— Bastos fica mais próximo do Mato Grosso do Sul do que da cidade de São Paulo.
— Bastante longe. – o pai comentou. — São Paulo é um estado imenso.
A mulher não se deu por satisfeita.
— Seria tão mais prático comemorar o noivado aqui. Convidar a família, alguns amigos...
Alexandra soube por Rodrigo que os amigos incluíam acadêmicos e políticos, por parte do pai e artistas de teatro por parte da mãe que até pouco tempo estava em cartaz num teatro do Rio.
— Mas estamos comemorando o meu pedido, mãe. – Rodrigo soltou a sua mão e segurou a da mãe. — Fiz questão de partilhar esse momento com vocês.
A linda senhora deu um sorriso que não chegou aos olhos. Alexandra conteve um suspiro; sua futura sogra não parecia muito feliz com o noivado.
Não consigo imaginar o porquê.
Era uma mulher bem sucedida como Rodrigo, fazia parte da equipe de editores da Casa Aberta, uma editora de renome. Formara-se em Literatura e possuía diversas pós-graduações. Era uma mulher atraente. Deveria ser a nora dos sonhos de sua sogra, porém ela parecia considera-la pouco para o filho querido.
— Sua cidade natal é bem rural, não é? – o futuro sogro perguntou. — Rodrigo disse que é terra de caubóis.
— Pai...
— Você não disse que tinha um torneio de caubóis na cidade?
— De peões. –Alexandra corrigiu
— Como?
— É uma competição de peões de boiadeiro.
— Deve ser muito interessante, Alexandra. – falou, sorrindo. — Você já foi, meu filho?
Rodrigo deu um sorriso sem graça.
— Ainda não.
Alexandra não diria a eles que Rodrigo nunca fora em sua cidade, porque ela mesma não ia há quase seis anos.
A conversa sobre peões continuou e Alexandra deixou a mente divagar. Estava tão longe espiritualmente de Bastos como estava em distância. Não era mais a mocinha encantada que saíra da cidade do interior. Faria vinte e oito anos no próximo mês. Tinha sua carreira, seus hobbies e casar entrara nos seus planos apenas no último ano. Amava Rodrigo e o queria na sua vida para sempre, mas não se via realmente como uma esposa e mãe. Ficava feliz em saber que seu namorado a admirava pessoal e profissionalmente e respeitaria suas escolhas. Rodrigo era tudo o que poderia pedir à vida.
— ... seu, Alexandra? – Rodrigo falava com ela.
— Desculpe, não ouvi.
— Seu telefone está tocando, meu amor.
Alexandra pegou o telefone torcendo para não ser Ivana, sua assistente. Deixara bem claro para a moça que não queria saber de trabalho aquela noite.
Olhou o visor e não reconheceu o número, era de um telefone fixo, porém notou que era o código telefônico de Bastos. Franziu as sobrancelhas e se levantou.
— Vocês me dão licença? Já volto.
Atendeu a ligação, enquanto caminhava na direção do banheiro.
— Alô?
— Alô, Alexandra. É a Fernanda.
Ela reconheceu a voz da auxiliar doméstica da avó. Sentiu o estômago gelar.
— Fernanda, aconteceu alguma coisa?
Ouviu um suspiro.
— Sua avó passou mal. Eu estou aqui na Santa Casa.
— O que houve? – perguntou, assustada.
— Ela sofreu uma parada cardíaca!
Alexandra sentiu seu coração dar um pulo.
— Meu Deus!
— Sua tia está aqui, mas está muito nervosa. Sophia já está vindo.
O coração de Alexandra parecia que saltaria do peito. Sentiu uma dor de cabeça começando.
— Como ela está?
— Está na UTI. – ouviu o som de choro da mulher. — Dona Leandra me pediu para ligar.
Alexandra procurou respirar com calma. A avó a criara desde os quatro anos de idade e, de repente, morar tão longe dela lhe pareceu absurdo. Vira a avó há quase três meses, quando ela viera com Sophia. Sentiu-se mal. Precisava ver a avó, precisava!
— Fernanda, eu vou para aí!
— Vem, sim! – choramingou.
— Avise à minha tia!
— Pode deixar.
Alexandra desligou e ficou um instante sem saber o que fazer, porém se decidiu. Iria para Bastos.
Meu Deus, iria para Bastos!
O motivo da sua família precisar viajar para vê-la a paralisou. Há mais de cinco anos pisara na cidadezinha pela última vez, sem pretender voltar. Uma voz surgiu do seu passado.
Não faça isso comigo, Alexandra! Pelo amor de Deus, não faça isso!
O restaurante desapareceu, Rodrigo desapareceu. Só conseguia ver o rosto muito vermelho à sua frente, coberto de lágrimas. Ela o achou feio como achara anos atrás. Apertou as mãos com tanta força que sentiu as unhas causarem dor .
— Amor? – piscou, encarando Rodrigo à sua frente. — Tudo bem?
Quando se esquecera dele? Estendeu os braços e o segurou. Firme, Rodrigo era firme.
— Preciso viajar.
— O quê?
— Minha avó... ela teve um infarto.
— Sério?
— Tenho que ir para casa.
O namorado a abraçou, balançando-a em seus braços.
— Tudo bem. Vai ficar tudo bem.
Ela se deixou abraçar, encostando a bochecha no peito largo. Sentiu-se tão fraca naquele momento...
Deixou que Rodrigo a levasse de volta à mesa. Tinha muito o que resolver para poder viajar.
Já no táxi, mal via as ruas passando pela noite. Pensava na avó, orando com todas as forças para que ela sobrevivesse. Não lhe passou despercebido que, a cada vez que pensava na sua volta para casa, um par de olhos verdes cruzava a sua mente, olhos que prometera a si mesma que nunca mais veria.
Fechou os seus olhos, enjoada. Aquela seria uma difícil jornada.
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Lembranças de uma paixão ( concluída)
RomanceEle era fruto da escória da cidade, ela fora criada para ser uma princesa. Juntos, mostraram a todos que o amor sempre constrói. Até ele a trair... Mas a mágoa e o tempo seriam capazes de apagar uma paixão ardente?