Capítulo 33

122 20 1
                                    

Marcos estava jantando, mas seu olhar não se afastava do celular. Desejava que Alexandra falasse com ele, mas não acreditava muito. Ela estava confusa e ele entendia aquilo perfeitamente. Ela tinha um relacionamento sério com aquele Rodrigo.
Coçou a cabeça. Não podia ser mais sério do que o que eles tiveram.
O celular vibrou e ele o pegou rapidamente. Ficou decepcionado. Era uma mensagem da mãe dizendo que estava orando por ele naquela noite. Fechou os olhos; nos últimos anos sua mãe fazia de tudo para se aproximar dele. Tentava construir um relacionamento de confiança e respeito. Ele queria se abrir para aquilo, porém havia muita decepção, muita mágoa em seu coração. Crescera sem cuidados, passara fome e sentira muito medo, enquanto via a mãe se destruindo cada vez mais no alcoolismo. Não conseguia ficar à vontade com ela, mesmo estando agradecido pela grande mudança que se operara nela.
Terminou de jantar e foi para a cozinha. Comprara aquela casa há poucos meses. Não tinha vergonha de dizer que pensara em Alexandra quando vira o cômodo reservado para o escritório; dava para o jardim e para o lindo flamboyant que crescia na calçada na frente da casa. Se contasse a alguém sobre o que pensava, certamente o chamariam de obcecado.
Se era obsessão que sentia por Alexandra, não se importava. Ele a amava, a queria, mesmo vivendo do outro lado do estado.
Depois que lavou a louça voltou para a sala e pegou algumas pastas que trouxera da delegacia. Usava o trabalho para pensar em algo que não fosse a ex-noiva. Trabalhou até bem tarde, sempre com atenção no celular.
Quando finalmente desistiu de esperar uma mensagem de Alexandra foi dormir, sozinho como sempre, sentindo o peso da solidão com quem convivia há quase seis anos.
       .......................................................... 
Alexandra rolou na cama mais uma vez. Há horas tentava relaxar e dormir, sem sucesso. Seus pensamentos se alternavam entre a avó, Rodrigo e Marcos.
No início da noite falara com Sophia e recebera boas notícias sobre a avó. Recebera mais mensagens de Marcos, mas nenhuma de Rodrigo. Não podia julgá-lo. Ela fora traída uma vez e a dor a fizera se afastar da sua cidade e de sua família.
Como pudera traír Rodrigo? Antes de serem namorados e amantes eram amigos. Um respeitava a vida do outro, eram parceiros, mesmo considerando a necessidade de seus próprios espaços. Rodrigo entendia suas necessidades, não forçava sua presença e a deixava livre para dirigir sua vida. Seu casamento seria pautado na união e compreensão.
Se houver casamento... - pensou, triste.
Pegou o celular e procurou a última mensagem do namorado. Ele não queria conversar. Engoliu em seco, pensando o quanto ele era equilibrado e imaginando os sentimentos dele.
Deve estar me odiando... Entretanto, Rodrigo não era dado a rompantes emocionais e isso ela admirava demais nele. Tudo com eles fora tão sereno e certo, tão fácil de entender e aceitar. A visão dela e Marcos se agarrando na estrada cortou seus pensamentos. Com Marcos não havia nada de sereno. Era tanta paixão que a impedia de pensar direito e era arrastada pelas sensações. Sempre fora assim.
Não. Não é em Marcos que tenho que pensar!
Marcos tinha um temperamento sério a maior parte do tempo, lidava com a vida com certeza e segurança; mas não com ela.
Rolou novamente na cama, a mente funcionando ferozmente. Sentiu o coração acelerar ao lembrar dos dois juntos. Quando eram namorados era difícil controlar a atração que sentiam, a necessidade de estarem sempre juntos, as saudades quando estava na faculdade...
Rodrigo! É Rodrigo que me faz bem!
Num impulso pegou o celular . Foi no seu contato mais recente e digitou uma mensagem.
Marcos, estou muito arrependida do que fiz. Não quero mais falar com você. É o melhor para mim.
Colocou o aparelho na cabeceira e ele apitou ligo em seguida. Leu a mensagem.
Não, por favor. O que aconteceu não foi um acidente.
Ela respondeu.
Foi um erro. Rodrigo não merecia isso.
Alexandra acompanhou os pontinhos de escrevendo se moverem.
Eu concordo com você, mas o que aconteceu foi nossa vontade. Não entende que era o que queríamos?
Ela apertou os lábios, irritada com a arrogância dele.
Eu não quero você!
Houve uma pausa longa e ela pensou se ele desistira das mensagens. Porém os pontinhos voltaram a aparecer.
Nós fizemos amor. Você gozou em mim e foi muito, muito bom. Não diga que não me quer.
O rosto dela pegou fogo, envergonhada. Ele estava certo. O orgulho, porém a fez continuar.
Eu amo o Rodrigo!
A resposta veio rápido.
Ama uma ova!
Alexandra sentiu a raiva surgir. Sentou-se na cama.
Quem é você para dizer isso?
Ela sentia que deveria parar a conversa, mas estava com raiva. Com raiva e envergonhada.
Eu sou o cara que te ama. Que feriu você e que tudo o que espera é seu perdão.
Furiosa, ela continuou a escrever.
Você amava a Maria Eduarda? Porque transou com ela e aposto que também foi bom, muito bom.
Ela esperou outra mensagem, mas o telefone tocou, assustando-a. Ficou olhando a tela com o nome dele aparecendo. Respirou fundo e, ao invés de desligar a chamada, atendeu. A voz dele quebrou o silêncio do quarto.
- Não faça comparações! Eu estava bêbado, mal lembro o que aconteceu!
- Mas foi tão bom que você fez um filho!
- Eu. Estava. Bêbado!
- É a sua desculpa, não é? Isso faz você dormir sossegado?
- Não, não faz. - ele fez uma pausa. - Amor, eu nunca mais tive paz. Eu me odeio tanto por isso, que me sinto culpado quando estou com meu filho. Por favor, não diga que fazer amor comigo foi igual .
- Traição é traição, Marcos.
- Não. Você não quis ofender o Rodrigo, foi uma coisa nossa.
- Traição. - ela falou sentindo um aperto na garganta. - Eu nunca vou me perdoar.
- Assim como eu nunca me perdoei. Mas o que aconteceu com a gente não foi um ato degradante. Foi amor. - Alexandra soluçou e seus olhos encheram-se de lágrimas. - Quando te traí estava cheio de raiva, de insegurança. Tinha a certeza que você iria me deixar... O que nos aconteceu foi por amor. Eu te amo, você me ama.
- Eu não quis que acontecesse...
- Mas aconteceu, meu amor. Tinha que acontecer... Pense nisso.
Ela abaixou a cabeça e as lágrimas escorreram por seu rosto. Sentia-se esgotada, dividida.
- Estou muito confusa.
- Eu entendo... Mas precisa pensar.
- Eu pensei. E sei que devo ficar com o Rodrigo. - a ligação ficou em silêncio. Alexandra esperou, confusa ao perceber que queria que ele continuasse a falar. - Marcos?
Ela ouviu um suspiro.
- É tarde. Descanse, querida.
- Estou dizendo que já pensei, Marcos.
- E tudo o que posso dizer é que eu te amo. Estou aqui pra você.
- Marcos...
- Boa noite, meu amor.
Ela piscou, surpresa ao ouvir o término da ligação. Ficou um longo tempo olhando para o celular e, por fim, se deitou, ainda sentindo as lágrimas correrem por seu rosto.
     ........................................................
Marcos permaneceu deitado no escuro, encarando a nova realidade em que vivia. Agora que Alexandra reaparecera em sua vida, não tinha certeza se conseguiria continuar sem ela. Nem sabia como conseguira existir naqueles anos.
Pensou no seu trabalho, na grande responsabilidade que carregava. Pensou em seu lindo e inocente filho que merecia tanto o seu amor. Mas, principalmente, pensou nos anos que tivera ao lado de Alexandra. Como ele fora feliz, como conquistara uma nova vida ao lado dela! Apertou os lábios, inseguro se voltaria a ser feliz.
Fechou os olhos de puro cansaço se se entregou ao sono.

Lembranças de uma paixão  ( concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora