Capítulo 45

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Sentada na cama de seu filho, Maria Eduarda via sua mãe terminar de arrumar o menino. Permitira, depois de muita discussão, que sua mãe preparasse a criança para aquela manhã; era o casamento de Marcos.
Depois que entendera a natureza da sua relação com Marcos, sua mãe nunca mais apoiara sua intenção de formar uma família com ele. Após muita conversa e muitas lágrimas, Maria Eduarda confessara que Marcos estava bêbado quando transaram e que ela não se prevenira de maneira nenhuma quando o encontro acontecera. Desde aquele dia, a mãe a aconselhava a deixar para trás a noite de loucura com Marcos e construir uma vida para ela e para o filho.
Mas não era fácil para Maria Eduarda. Ela se apaixonara por Marcos num dia que acompanhara o pai até seu advogado. Enquanto o pai tratava de seus assuntos, ela ficara na sala de espera, vendo Marcos trabalhar. Ele se vestia modestamente e era tímido, mas o olhar profundo era tão intenso que ela não conseguira desviar o olhar do dele. Daquele dia em diante, passara a vir mais para a cidade. Encontrava-se com as amigas na praça, no final da tarde, só para vê-lo através da janela do escritório. Quando descobrira que o rapaz sério e lindo namorava uma Duarte, simplesmente ficara revoltada. Aquele louro namorava uma negra? E justamente Alexandra, a quem não suportava! Achava a garota pedante, sempre querendo ser a certinha.
Decidira que valia a pena investir em Marcos.
Fizera de tudo para fazer amizade com Marcos, mas ele, apesar de tratá-la com gentileza, não lhe dava a atenção que ela queria. Então, descobrira que ele estudaria na mesma universidade que ela e o melhor, Alexandra estudaria em São Paulo. Abrira mão de que um motorista particular a levasse para a cidade vizinha, preferira ir no transporte fretado para levar os estudantes de Bastos. Diariamente mostrava a Marcos seu interesse. Ela o elogiava, falava sobre os interesses dele e, principalmente, se oferecia. Marcos reagia às suas tentativas apenas com um sorriso e isso a enlouquecia. Se apaixonava cada vez mais por ele, chorava à noite desejando-o e não saía com nenhum outro rapaz.
Na noite em que o encontrara numa festa, ignorara que ele estava bêbado, e claramente confuso, e novamente se oferecera a ele. Mas dessa vez ele aceitara.
Mentira sobre estar prevenida contra uma gravidez e transara com ele no banco traseiro do seu carro. Realizara o seu sonho! Mas a felicidade durara pouco; logo em seguida Marcos passara mal e se desculpara pelo que fizera. Ela se sentiu usada, mas seu desejo não diminuíra.
Esperou que ele a procurasse e quando ele não aparecera, fora atrás dele. Marcos se mostrara horrorizado com o que acontecera, pedira desculpas sinceras e o seu silêncio. Ela ficara muito magoada. Ele não conseguia entender que o amava? Dias depois vira Marcos e Alexandra caminhando pela cidade e pareciam estar felizes. Maria Eduarda sentira muita raiva e ligara várias vezes para ele sem ser atendida e parara apenas quando o anúncio do noivado dele chegara até ela.
Revoltada, passara dias mal-humorada, magoada e com raiva sabendo que Marcos não a queria ver e nunca a quisera de verdade.
Então, seu período menstrual chegara e passara sem que nada acontecesse. Sentindo-se preocupada, fora a um médico na cidade vizinha e o resultado fora que estava grávida. Seu primeiro pensamento fora para a reação do pai e a decepção da mãe e seu segundo pensamento que Marcos não poderia evitar aquilo.
Para sua grande decepção, Marcos não apenas mostrara que era uma surpresa extremamente desagradável, como pedira, apavorado, que ela não dissesse a ninguém que ele era o pai; não queria a criança. Rejeitada e magoada, Maria Eduarda procurara por Alexandra e contara a verdade.
O momento do confronto fora humilhante para ela. Segurando o resultado do teste de gravidez na mão, Alexandra chamara Marcos e quando ele chegara e percebera que sua traição fora descoberta, desmoronara. Maria Eduarda ficara ali vendo Marcos implorar o perdão de Alexandra, ajoelhar-se aos pés da noiva e não a olhara por mais de um minuto. Quando Marcos partira, completamente transtornado, só lhe restara sair da casa de Alexandra com a vitória inglória de ter conseguido separar os dois.
Durante dias tentara falar com ele, porém se negara a atendê-la.
Sem saída, contara aos pais sobre a gravidez e o pai fora logo cobrar providências de Marcos. Mas nem o dinheiro e poder do seu pai serviram para trazer Marcos para ela.
Seu pai chegara a sugerir uma interrupção da gravidez, mas ela acreditava que era a única forma de Marcos aceitá-la.
Logo, a notícia de sua gravidez se espalhara pela cidade e a paternidade do bebê caira como uma bomba na modorrenta Bastos. Ela soubera por amigos que Marcos parecia arrasado e lhe causava amargura saber que era por causa de Alexandra.
Ele nunca a procurara, mas entrara em contato com sua mãe para oferecer cobrir os custos da gravidez. Maria Eduarda vira os meses chegando e passando, a gravidez chegando à termo e Marcos sequer vira sua barriga.
Mas ela nutrira grandes esperanças. Esperara que ao ver a criança Marcos resolvesse aceitar a ela e ao filho.
Quando Pedro Luiz nascera,  esperara por dois dias até que ele fora conhecer o filho. Marcos não a olhara nos olhos quando perguntara se estava bem. Duas vezes por semana ele visitava o filho. Tocava e falava com a criança, mas interagia pouquíssimo com ela.
Maria Eduarda entrara para uma academia e se dedicara a recuperar o corpo e a beleza de outrora, entretanto nada daquilo tocara Marcos. Os anos foram passando e ela forçava sua presença a ele, porém Marcos mal conseguia disfarçar que não a suportava, mesmo ela sempre o procurando. E ficava ainda mais ofendida ao ser rejeitada por um homem que, até onde se sabia, não tinha mulher nenhuma em sua vida.
Naquele quinto ano de Pedro Luiz fora pega de surpresa com a volta de Alexandra. Pega de surpresa à reação apaixonada de Marcos e pega de surpresa por eles voltarem a ficar juntos.
Todos os anos de espera caíram em suas costas como uma avalanche. Sentiu-se roubada, pois Marcos deveria ser seu, ela era a mãe do seu filho, afinal.
Numa última tentativa se oferecera a ele. Sabia que era bonita, sensual e usara sua atração para conseguir conquistá-lo, entretanto viu apenas indiferença e pena no olhar dele.
Dia a dia via Marcos radiante, andando pela cidade como se houvesse ganho um prêmio milionário. E, finalmente, descobrira que ele iria se casar com Alexandra. A primeira coisa que fizera fora tentar afastar Marcos do filho, mas depois que recebera uma ligação do advogado dele, percebera que não alcançaria Marcos daquele jeito. Ele buscaria a guarda total do filho. O advogado do seu pai a convencera a não impedir Marcos de ver o filho e ela recuara.
Depois, dissera ao filho que o pai se casaria e teria outros filhos que amaria mais do que a ele. Só conseguira que Marcos a procurasse e mostrasse o desprezo pela atitude dela.
Agora estava ali, vendo sua mãe amarrar a gravatinha de Pedro Luiz. Seu filho estava animado, pois o pai dissera que seria o convidado mais importante do casamento.
Maria Eduarda se negara a permitir que o filho fosse ao casamento, mas sua mãe mediara a situação e a  convencera ao mexer com seu orgulho. A mãe dissera que todos saberiam que ela se sentia rejeitada e diminuída se não permitisse que Pedro Luiz fosse ao casamento do pai.
- Tô bonito? - o menininho perguntou ao se ver com a gravata.
Maria Eduarda admirou o filho de colete e gravata. Não se parecia com Marcos e ela considerava aquilo mais uma derrota sua.
- Está lindo, filho.
- Papai disse que eu posso ficar na frente da igreja com ele!
- É? - sentiu a revolta apertando sua garganta.- Seu pai não sabe o que diz.
- Maria Eduarda...- chamou a mãe, fitando-a.
- Não disse nada demais. - levantou-se. - Ele tem que ficar feliz de eu deixar meu filho ir nessa palhaçada.
- Chega. - a mãe pegou sua bolsinha. - Vamos, Pedrinho.
Maria Eduarda franziu os lábios, magoada pela mãe ter concordado em levar Pedro Luiz ao casamento.
- Tchau, mãe! - gritou o menino, enquanto a avó o levava até a porta.
- Espera!- ela se agachou na frente do filho. - Você não quer ficar com a mamãe?
- Mas o papai tá me esperando.
-Maria Eduarda, não faça isso. - pediu a mãe.
- A senhora está do lado dele?
- Não tem lado nenhum. Você tem a sua vida e Marcos a dele.
- E a senhora acha certo ele se casar com outra?
- Outra?- ela cutucou o neto. - Espere a vovó na sala. - sentindo o ambiente pesado, Pedro correu para a sala. Voltou-se para a filha. - Você esqueceu quem foi a outra nessa história? Alexandra era a noiva de Marcos. Você se meteu no meio deles.
- A senhora gosta de lembrar disso, não é?
- Eu lembro você disso, porque eu te amo. - balançou a cabeça. - Marcos está retomando a vida dele. É a hora de você retomar a sua!
Maria Eduarda apertou os lábios, aborrecida. A mãe balançou a cabeça para ela e saiu do quarto.
Parada no meio do cômodo, ela deixou as lágrimas de raiva caírem. Ela tentara, tentara de tudo para ficar com Marcos e nada adiantara. Sentou-se na cama do filho e segurou a cabeça com as mãos. Talvez sua mãe tivesse razão. Ela tinha o filho, ainda era jovem, era rica e podia fazer da sua vida o que quisesse.
Deitou-se na cama e abraçou o travesseiro do filho. Era tempo de recomeçar, mas a dor da rejeição era muito forte.
Prometeu a si mesma que recomeçaria a sua vida, buscaria um outro amor, mas jamais deixaria Marcos esquecer que traíra Alexandra com ela. O prazer da vergonha dele jamais a deixaria.

Lembranças de uma paixão  ( concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora