Capítulo 9

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Alexandra acordara muito cedo aquela manhã. O ar fresco e o canto das cigarras a atraíram para fora. Vestiu shorts e camiseta e saiu para correr. Sentira-se tão revigorada que ficara pensando como conseguira ficar longe de sua cidade tanto tempo.
As ruas estavam vazias e desejara não ter surpresas como tivera na manhã anterior. Encontrar Marcos não estava nos seus planos. Não queria vê-lo, queria manter distância dele até ir embora.
A linda manhã a enchera de esperança quanto a avó; tinha fé que ela acordaria naquele dia! Assim logo poderia voltar para sua  vida em São Paulo e para Rodrigo.
Sentira um incômodo ao pensar no namorado. Ele ligara à noite e ela contara sobre tudo, menos sobre Marcos. Nunca falara dele e não seria agora que começaria.
Correndo à beira do rio, olhara para a ponte e desejara atravessá-la para correr pela zona rural da cidade. Uma lembrança surgiu em sua mente: ela e Marcos abraçados dentro da lagoa, os corpos pegando fogo, mesmo cercados pela água. Balançara a cabeça, afastando a lembrança. Passado! Aquilo estava enterrado no passado!
Corria vigorosamente, tentando controlar seus pensamentos quando vira o carro. Mesmo à distância reconhecera a viatura da polícia. Seu coração sofrera um baque e ela precisara se concentrar para não cair.
Não queria ver Marcos, mas quando ele saíra do carro, vestido com o uniforme preto da Polícia Civil e com um coldre preso na cintura e na coxa, não conseguira segurar uma pontada no coração. Agora estava ali diante dele, aborrecida por admirar os olhos brilhantes. A presença dele a incomodava demais!
— Não tenho medo de você.
— E não deve ter mesmo. Eu só desejo o seu bem.
— Não querer conversar com você não significa que eu tenha medo.
— Sente receio?
— Do quê? – perguntou irritada.
— Me diga você.
Alexandra se sentiu constrangida pela forma como ele a olhava; parecia querer entrar em sua mente.
— Olha, eu vou continuar a minha corrida.
— É nojo, então?
— O quê? – ela ficou chocada com a escolha da palavra.
— Nojo. Você sente nojo de falar comigo?
— Eu... Não.
— Se não é medo, não é nojo, é o quê?
Ela balançou a cabeça.
— Não tenho que me explicar para você.
— Eu sempre me expliquei pra você .
— Isso é passado.
— Você já disse isso várias vezes.
— Porque é o que eu penso.
Marcos estreitou os olhos.
— Ódio. É ódio.
Alexandra respirou fundo.
— Eu sei que eu disse isso ontem, mas... Eu não sinto nada por você. É indiferente para mim.
Ele deu um passo em sua direção e ela ergueu o queixo. Não seria atemorizada por ele.
— Indiferença? Sua reação desde que te reencontrei pode ser tudo, menos indiferença.
— É mesmo? E o que acha que é? – perguntou, se arrependendo em seguida. Não deveria se interessar pelas opiniões dele.
Marcos enfiou às mãos nos bolsos das calças e seu corpo oscilou.
— Acho que eu te magoei tanto que você não consegue nem me olhar sem relembrar de tudo.
Alexandra abriu os lábios, sem palavras, surpresa com a clareza dele. Não queria se dar por convencida, porém aquilo era exatamente o que sentia.
— Não importa o que eu sinto. – recuperou a voz, mas a sentiu trêmula. —  Anos passaram e isso tudo ficou no passado.
— Cinco anos, dez meses e alguns dias desde que você foi embora.
— Eu não estou contando. – replicou petulantemente, porém ficou impressionada . — Para mim não é importante.
— Não? – ele tirou as mãos dos bolsos. — Tudo que aconteceu não importa?
— Tudo bem. Você quer conversar? – Alexandra respirou fundo. —Vamos conversar! O que quer  me dizer?
Surpreso, ele pareceu inseguro por um momento. Passou a mão na barba rala e depois pousou-a sobre a arma.
— Quero te pedir perdão.
— Você já pediu.
— Mas você não me perdoou.
Ela deu um sorriso falso.
— Eu não tenho que te perdoar.
Arqueando uma sobrancelha, Marcos se aproximou mais um pouco. Dessa vez ela recuou.
— Então, está muito magoada ainda. Isso não é indiferença.
Alexandra sentiu sua boca abrindo novamente. Caira numa armadilha semântica.
— Não importa.
— Para mim importa. Importa que eu tenha te magoado tanto quando você só merecia ser amada. – ela sentiu seus lábios tremerem. — Eu... eu gostaria do seu perdão. Nunca me refiz de ter te magoado.
— Nunca se refez? Você? – Alexandra sentiu a raiva preencher sua mente. — Quer conversar, não quer? Então, tá!  – deu um passo para ele.— Você não me magoou apenas. Você me humilhou diante da cidade inteira! – cuspiu as palavras em seu rosto.
— Eu não queria...
— Claro que não! Estava bêbado, não é? E trepou com a garota que tinha o descaramento de se oferecer para você na minha frente!
— Naquele dia eu estava confuso! Bebi muito...
— Bebeu? Você nunca colocou uma gota de álcool na boca! Você queria fazer besteira!
— Não! Eu estava com raiva, confuso com a sua decisão.
— Ah, a culpa é minha?
— Não, eu não disse isso! – Marcos segurou os braços dela. —  Caramba! Eu estava me sentindo um lixo... A reprovação na faculdade... Seu emprego... Eu só... só bebi.
— É. Fez o que sua mãe te ensinou. Bebeu para esquecer as mágoas e ferrou tudo ao seu redor!
Alexandra colocou as mãos no peito dele e tentou empurrá-lo, mas ele não recuou.
— Foi... Foi o que eu fiz. Estava com tanta raiva, me sentindo... – balançou a cabeça, os cantos dos lábios repuxados para baixo. — ... o filho da minha mãe.
Ela se sentiu sufocada com a raiva
— E foi para a cama com a Maria Eduarda e fez um filho nela! – ele a olhou com tanto desespero que Alexandra hesitou um instante. Piscou os olhos e continuou. — Você nem ia me contar, Marcos... Deixou eu me sentir culpada por te deixar sozinho... Você aceitou o que eu te ofereci sem demonstrar nenhuma culpa! – lágrimas encheram os seus olhos ao lembrar-se de quando se entregara o seu corpo para ele.
Marcos respirou fundo uma, duas vezes e voltou a falar.
— Fui um canalha e não queria te perder... Eu sabia que você iria me largar se soubesse... O que aconteceu depois... Eu sei que fui egoísta. Fiz amor com você, porque queria te sentir mais minha... Eu estava com tanto medo...
— Me solte, Marcos. - ela pediu, com a voz estrangulada.
— Olha, eu me arrependi na hora que te traí. Eu queria voltar no tempo...
— Não quero saber.
— Não quero me justificar, mas... Eu estava tão louco que transei sem proteção e...
Cobrindo os ouvidos com as mãos, Alexandra fechou os olhos. Aquela conversa lhe trazia muita dor.
— Pare.
— Eu fui um canalha completo. Eu só queria me sentir importante e forte, não o derrotado que...
— Não! – ela o empurrou com tanta força que ele a  soltou — Não tente se justificar! – gritou, se afastando.
— Não tento! Eu errei, errei demais, mas não podia te perder!
Alexandra não conseguiu mais controlar as lágrimas, que deslizaram por seu rosto.
— Você foi um monstro!
— Eu fui.
— Eu esperei o melhor de você a minha vida toda!
— Eu sei!
Os olhos dele se encheram de lágrimas, porém ela não sentiu nenhuma compaixão.
— Eu nunca pensei que você seria capaz de me enganar... Você foi pior do que a sua mãe. Pelo menos, ela não fingiu ser mais do que era.
Marcos piscou os olhos rapidamente e ergueu as mãos para ela, como se tentasse acalmar um animalzinho assustado.
— Eu sempre quis ser um homem melhor. Você me ajudou nisso. Acreditou em mim.
— E olha só como você me recompensou.
Ele deu um passo em sua direção, devagar.
— Eu não posso apagar nada do que fiz... Não posso, mas... Meu Deus, eu ainda te amo!
Alexandra rilhou os dentes e se virou para fugir. Não suportava mais ouvi-lo. Começou a correr, no entanto Marcos se lançou sobre ela e a agarrou.
— Não! – seu corpo queimou ao sentir as mãos em sua pele.
— Eu quero consertar isso tudo! Quero seu perdão!
Ele a abraçou e Alexandra esmurrou seu peito, com raiva. Como ele ousava tentar se desculpar, como ousava tocá-la?
— Calma... – ele sussurrou, pousando os lábios na testa dela. — Calma, meu amor...
Ela não era o amor dele! Ela era de Rodrigo! A lembrança a fez sentir mais raiva ainda e cravou as unhas no pescoço dele.
Ela o odiava!

Lembranças de uma paixão  ( concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora