Capítulo 12

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— O que é isso no seu pescoço?
Marcos levantou os olhos para ver a detetive Patrícia o observando atentamente.
— O quê?
— No seu pescoço. São unhadas?
Ele corou e tocou o pescoço.
— São. Foi um gato.
— Um gato?
Patrícia se inclinou para mais perto e ele recuou na cadeira. Alta e forte, a detetive era um pouco mais velha que ele e estava há anos na delegacia.
— É, um gato. - ele reforçou.
Ela inclinou a cabeça e ajeitou os óculos, olhando novamente para os arranhões nos dois lados do seu pescoço. Os óculos estilosos , os cabelos bem penteados e a maquiagem pesada enganavam muitos meliantes, porém Marcos sabia que era uma excelente profissional e durona.
— Não seria uma gata?
Ele franziu os lábios.
— Está sem trabalho para fazer?
— Não. Estou investigando o caso do marido agressor.
— Pensei que estava à toa.
— Ah, sempre tenho um tempinho para dar atenção aos amigos.
— Eu estou bem, obrigado.
Ela sentou na beirada da mesa e cruzou os braços.
— É que nunca te vi com unhadas... de gato.
— Acidentes acontecem.
— Também não sabia que saiu em diligência hoje de manhã.
Marcos abriu as mãos sobre a mesa.
— Está me vigiando?
— Vi você vindo dos lados do Ribeirão hoje cedo e achei que fosse uma emergência.– deu-lhe um olhar curioso. — Mas foi só um gato.
Inspirando fundo, Marcos voltou a se concentrar no computador.
— Vai trabalhar, Patrícia.
Ela permaneceu sentada. Abaixou a voz e perguntou.
— Não receberei uma denúncia de briga doméstica, receberei?
Marcos ergueu os olhos.
— Que história é essa?
— Conheço sua ex-mulher, esqueceu?
— Não tenho ex-mulher.
— Tudo bem, a mãe do seu filho.
Patrícia presenciara uma discussão com Maria Eduarda no início do ano, uma bem feia.
— Não, ela não tem nada a ver com isso.
— Com as unhadas de gato?
Marcos lançou um olhar duro para ela e Patrícia ergueu as mãos.
— Tudo bem, tudo bem. Não está mais aqui quem falou. – ela se levantou da mesa. — Mas se precisar... Estou por aqui.
Ele espondeu com um aceno de cabeça. Sabia que Patrícia não fazia por mal; eram bons colegas.
Esperou ela sair para tocar novamente os arranhões. Alexandra estava furiosa realmente quando o feriu! Doía.
Como policial ele abordaria um cidadão que tivesse unhadas no pescoço, imaginando que uma mulher se defendendo causara aquilo. Não poderia se aborrecer se as pessoas imaginassem coisas.
Se lamentou. Alexandra sempre fora uma pessoa muito afável e somente uma emoção muito forte seria capaz de levá-la a uma agressão. Ele gostaria que a emoção fosse amor e não ódio.
As palavras duras da ex-noiva só o fizeram ter certeza de que ela o considerava um canalha, um canalha mentiroso e enganador.
Seis anos. Seis anos se completariam desde que ela rompera com ele. Seis anos desde que sua felicidade se esvaíra completamente.
Manteve a intranet da corporação aberta, confiando que teria concentração para continuar o serviço, entretanto a cada clique no sistema, uma lembrança preenchia sua mente.
Além de canalha, ele também se considerava um estúpido, um tolo completo.
Há seis anos se sentira abandonado pela mulher que amava, achara que ela valorizava muito mais a carreira do que a ele. A reprovação quase massiva na faculdade o desanimara e, junto com o último escândalo da mãe, o fizera sentir-se um derrotado. Estava louco de ciúmes, revoltado com os percalços e triste pela mãe. Contrariando tudo o que pensava sobre si mesmo, fora para um rodeio numa fazenda e fizera o que nunca pensaria que teria coragem de fazer: se embebedara. Um gole puxara outro e outro e logo  estava bêbado.
Durante a noite ficara com os amigos, rindo de nada, torcendo por colegas peões e bebendo. Tudo lhe parecia louco, leve. Já tarde encontrara com Maria Eduarda. Se estivesse sóbrio faria o que se acostumara a fazer, seria educado e se afastaria. Mas naquela noite não achara tão vantajoso assim ser um rapaz pacato e íntegro.
Conhecia Maria Eduarda desde a adolescência, pois fizera muitos serviços na fazenda do pai dela, um importante pecuarista da cidade. Descobrira que Alexandra não simpatizava com ela e decidira manter-se afastado. Fora no período da faculdade que voltara a interagir com a garota. Usavam a mesma van fretada para levá-los à faculdade. Ela o paquerara a partir da primeira viagem. Marcos evitava sentar-se com ela, porém Maria Eduarda sempre parecia dar um jeito de se aproximar dele. Seu ego masculino não deixava de sentir-se lisonjeado pelas atenções da jovem loura, linda e rica, contudo ele realmente a evitava.
Naquela fatídica semana, mais de cinco anos atrás, havia recebido os resultados da faculdade, a mãe o envergonhara mais uma vez para toda a cidade ver e Alexandra pedira o adiamento do casamento. Na noite do rodeio não se sentira ele mesmo, beberá pela primeira vez na vida.
Quando Maria Eduarda começara a assedia-lo simplesmente dera um dane-se para tudo o que o derrotava e se jogara na situação. Não se lembrava muito bem, mas quando dera por si estava no banco traseiro do seu chevette agarrando-se com a garota. Recordava-se de bloquear qualquer lembrança de Alexandra e de ouvir Maria Eduarda dizer que se prevenia. Tudo fora muito rápido e confuso. Depois, se vira ajoelhado fora do carro, vomitando.
Um momento seguinte e a enormidade do que fizera o massacrara. Havia traído o amor da sua vida! Maria Eduarda ainda tentara conversar, contudo ele estava transtornado demais para permanecer ali. Fora para casa, derrotado e desejando voltar no tempo.
Alexandra tinha razão. Ele tentara se justificar de várias maneiras, mas nada apagaria da história que ele transara com outra mulher, mesmo alegando amar a noiva acima de tudo.
Assustou-se com o som do seu celular tocando. Se distraíra novamente! Pegou o telefone e verificou que era a mãe. Inspirou profundamente antes de atender.
— Oi, mãe.
— Oi, meu filho. Desculpe te ligar na hora do trabalho, mas é importante.
Marcos balançou a cabeça. Depois de passar por uma profunda experiência religiosa, a mãe tentava recuperar o relacionamento dos dois, porém ele não conseguia sentir-se conectado com ela. Considerando-se uma criatura sem coração, esforçou-se para ouví-la.
— Tudo bem, pode falar.
Filho, não sei se você já sabe... Alexandra está na cidade.
Ele sentiu as orelhas pegarem fogo.
— Sei, sim.
Ah, eu achei que você gostaria de saber. fez uma pausa. — Já se encontrou com ela?
Marcos sentiu-se tentado à mentir, mas confessou.
— Já, sim.
Vocês conversaram?
— Mãe, estou em horário de trabalho...
Eu sei, desculpe, mas fiquei esperançosa.
— Mãe, agora não posso conversar. A gente se fala depois.
É que você nunca tem tempo...
— De noite eu ligarei pra senhora.
O silêncio do outro lado o encheu de remorsos. Ele já fizera aquela promessa outras vezes.
Tá bem, meu filho. Deus te abençoe.
— Tchau, mãe.
Desligou e passou a mão pelo rosto. O que faltava para aquele dia piorar?
Como se o universo respondesse, seu celular vibrou com uma notificação de mensagem. Abriu o aplicativo e bufou. Era uma mensagem de Maria Eduarda.
Precisamos conversar.
Definitivamente, aquele não era um bom dia! Respirou fundo e voltou para o site da Polícia civil; era melhor trabalhar.

Lembranças de uma paixão  ( concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora