Alexandra se controlara o máximo que pudera enquanto estava no hospital. Mal ouvira sua tia vociferando contra Marcos, porque todo seu esforço estava concentrado em não chorar em público.
Sempre soubera que seria doloroso reencontrar o ex-noivo e o susto daquela manhã levara um tanto do seu auto controle, porém vê-lo tão de perto, sentir o seu cheiro, falar com ele... Aquilo fora demais!
Depois que Sophia levara a mãe em casa, prometera encontrá-la na casa da avó. E a encontrara trêmula e aos prantos.
Agora Sophia esfregava suas costas, enquanto seu corpo tremia e se sacudia de tanto chorar. Alexandra queria parar, mas não conseguia.
— Calma, Alexandra, calma...
— Por que ele foi no hospital? Por que veio atrás de mim?
— Ele queria falar contigo...
— Ele não tinha que querer! – enxugou o nariz com o lenço de papel. — Não tinha que ter aparecido!
Sophia mordeu os lábios, solidária com o sofrimento da prima.
— Já passou...
Alexandra a olhou, segurando o lencinho.
— Você sabia que ele vinha?
— Não, eu não! Nem sabia que vocês tinham se encontrado hoje de manhã.
— Queria não ter encontrado com ele...
— Amor, a cidade é pequena, você sabia que o veria em algum momento.
Cobrindo os olhos, Alexandra respirou fundo, procurando mais uma vez conter o choro, inconformada com sua reação à ele.
Sophia continuou.
— O que vocês conversaram?
— Ele queria pedir perdão.
— Viu? Foi algo bacana, afinal.
Alexandra secou os olhos, respirando um pouco melhor.
— Eu preferia que ele ficasse longe.
- O término de vocês foi feio. Ele sabe que te magoou muito. Pedir perdão seria o óbvio.
— Não quero os pedidos de perdão dele.
— Eu sei que você não o perdoou ainda.
— Eu deveria?
— Você mesma falou que o tempo tinha passado.
Reclinando-se no sofá, Alexandra percebeu o quanto estava cansada.
— Ele não se casou.
— Não. Eu teria te dito se você tivesse me deixado.
— Eu não queria saber.
— Mas agora sabe.
Alexandra respirou fundo.
— Ele assumiu o filho?
— Assumiu. Pensou que ele faria diferente?
Balançando a cabeça, ela se lembrou do desespero dele ao tentar explicar a gravidez de Maria Eduarda.
— Não sei.
— Marcos sempre foi muito correto. – Sophia apertou os lábios diante da expressão de espanto da prima. — Tá menos sobre essa criança.
— Você conhece o menino?
— Ele estuda na mesma escola que Letícia. Está numa série à frente.
Alexandra estava curiosa sobre o filho de Marcos, mas não perguntaria mais.
A prima segurou sua mão.
— Eu não pensei que você se abalaria tanto ao rever o Marcos.
— Nem eu...
— Sabe, eu acho que é porque você tentou apagar o que aconteceu.
— E você acha que eu deveria ficar relembrando? Por favor!
Sophia franziu as sobrancelhas.
— Quem sou eu para dizer o que você deveria ter feito.
— Exato.
— Mas você fugiu do problema.
— O que você queria que eu fizesse? Ignorasse que ele me traiu?
— Claro que não. – segurou a mão da prima. — Eu gostaria que você não tivesse ido embora, deixar o tempo curar as feridas... – Alexandra lhe deu um olhar pesado e Sophia ergueu as mãos. — Espere aí, não estou desmerecendo o que você sofreu...
— Espero que não.
— Mas deveria ter passado por cima de tudo. Mostrado que era superior.
— Como?
— Olha, a vovó queria que você voltasse para casa.
— E andar pela cidade fazendo papel de palhaça? Todo mundo ia saber que o Marcos engravidou aquela garota e eu seria a pobre otária!
— Eu sei, eu sei, mas todo mundo viu que ele se arrependeu muito. Ele parecia um louco.
— Você está do lado dele?
— Vocês dois sofreram.
— Ele. Me. Traiu! – Alexandra se levantou. —Marcos transou com aquela garota que me detestava!
— Foi só uma vez e ele estava bêbado.
— O quê? Ele te contou isso?
— Contou.
— Você nem deveria ter ouvido! É claro que ele mentiu!
— Ele te contou tudo?
— Que foi enganado pela garota? Marcos não era nenhum inocente!
Sophia respirou fundo, notando que a prima fazia o mesmo.
— Só acho que a história de vocês era grande demais para acabar assim.
— Foi ele quem acabou com tudo no dia que me traiu.
— Não estou aqui para defender o Marcos. Você é quem sabe a dor que ele causou... – Sophia se levantou também. — Mas acho que deveria ter conversado com ele hoje.
— Não. Para mim Marcos morreu.
— E por isso está tão abalada por reencontrá-lo?
Alexandra cruzou os braços.
— Foi um momento de fraqueza. Já estou bem.
Sophia segurou seus ombros.
— Por que não encerra isso com ele? Podem conversar com calma...
Alexandra não se afastou da prima, mas insistiu.
— Já está encerrado. Mesmo que não estivesse, hoje foi a prova de que Marcos é só uma lembrança ruim do passado.
— Alexandra...
— Não, Soph. Te agradeço por ter vindo, mas... Foi só um momento. Foi... foi ruim rever o Marcos, mas já passou.
Sophia abriu a boca para falar, entretanto Fernanda apareceu à porta da sala.
— Dá licença. Fiz o café pra vocês duas.
— Obrigada, Fernanda. – agradeceu Alexandra, escapando do abraço da prima.
Tomaram o café da tarde conversando sobre a avó e quando Sophia disse que teria que buscar a filha na escola, Alexandra não a impediu.
Depois que prima saiu, sentou na varanda, curtindo a tarde amena. Amava aquela casa, amava Bastos, amava seus dias e noites perfumados, amava o ritmo lento da cidade. Aquela cidade estava no seu sangue e tinha muita saudade.
Contava-se uma histórias sobre sua família que um ancestral seu, recém liberto da escravidão, ganhara de seu antigo senhor um pequeno sítio, uma vaca e algumas galinhas. O homem prosperara e adquirira outra vaca, e mais outra até conseguir que um vizinho emprestasse um touro. Assim começara um pequeno rebanho e depois comprara mais terras. Duas gerações depois, o primeiro neto dele estudara o máximo que pudera em Bastos e depois fora para a cidade grande. Na sua volta para a cidade trouxera uma esposa e os dois abriram uma escola para os mais pobres. Desde então, seus ancestrais se tornaram parte do desenvolvimento da cidade. Havia professores e advogados, pecuaristas, comerciantes e nas últimas décadas, dois haviam sido vereadores e seu avô fora o primeiro prefeito negro da cidade.
Alexandra sabia que sua família era bem considerada, admirada pela dignidade, mas também reconhecia que aquilo incomodava muitas pessoas.
Sua avó dirigia a caridade da cidade e mesmo a assistência social municipal se voltava para ela quando precisavam de ajuda.
Marcos tinha sido apenas mais uma das crianças de dona Lídice. Sua avó fizera tudo por ele; do uniforme escolar, passando por alimentos e remédios até conseguir o primeiro emprego para ele. Marcos representava a crença de sua família de que todos tinham o direito de ter uma vida digna.
Alexandra fechou os olhos, deixando o sol da tarde aquecer seu rosto e espantar as lágrimas que se formaram nos olhos. Ela e Marcos formaram um casal interessante. Ela, uma jovem negra criada nas melhores escolas e com todo cuidado por sua família, nunca passara nenhuma necessidade e sorria para a vida com satisfação. Ele, um jovem branco que tinha tudo para tornar- se um marginal ou um vadio bêbado, mas que se esforçara para ser um cidadão de respeito. Sua união representaria uma vitória dupla contra o preconceito... Entretanto, o casal dos sonhos fora desmanchado pela luxúria de um jovem homem. Marcos trocara seu amor por sexo.
Alexandra abaixou a cabeça. Há quase seis anos se esforçava para esquecer aquela parte de sua vida... Sophia tinha razão, ela fugira. Mas como fazer sua prima entender que fugira, porque naquela época, tinha medo que o amor que sentira por Marcos a fizesse perdoá-lo apenas para não ficar sem ele?
As lágrimas finalmente caíram e ela passou as mãos pelo rosto. Aquilo era passado. Seu amor agora era Rodrigo, somente por ele deveria verter lágrimas e lágrimas de alegria!
Ergueu novamente o rosto para o sol, direcionando suas orações pela recuperação da avó. Em breve dona Lídice estaria de volta em casa e ela poderia voltar para Rodrigo e sua paz de espírito.
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Lembranças de uma paixão ( concluída)
RomanceEle era fruto da escória da cidade, ela fora criada para ser uma princesa. Juntos, mostraram a todos que o amor sempre constrói. Até ele a trair... Mas a mágoa e o tempo seriam capazes de apagar uma paixão ardente?