Alexandra não lembrava exatamente como chegara em casa. Dera as costas à Marcos e depois se vira no portão de casa.
Empurrou o portão de ferro fundido e correu pelo jardim, parando apenas para girar a chave na fechadura. Entrou em casa como se estivesse sendo perseguida.Jogou-se no sofá, arfante, a cabeça girando. Para quem não queria ver Marcos, o estava encontrando demais!
Respirou fundo, tentando recuperar o fôlego. Suas mãos tremiam e ela foi até a cozinha; precisava beber um pouco de água.
Serviu-se de água gelada e a tomou devagarinho, forçando o corpo a desacelerar. Ficou um longo tempo olhando pela janela da cozinha, buscando nas árvores do quintal a tranquilidade que precisava.
Aos poucos, sua respiração voltou ao normal e ela fechou os olhos, desejando que seus pensamentos também se aquietassem.
Estivera em pânico. Seu temperamento, normalmente fleumático, não resistiu a mais um encontro com Marcos. Tudo nele a incomodava: a voz, a aparência, aquele olhar que parecia perfurá-la. Por que ainda era tão sensível a ele?
Decidiu tomar um banho. Não queria que Fernanda chegasse e a visse daquela forma. Entrou debaixo do chuveiro e fechou os olhos, deixando a água escorrer por seu corpo.
Sophia tinha razão. Ela fugira do passado, evitara as lembranças, excluíra Marcos de seu pensamento. Mas foi tudo em vão.
Desde que pisara em Bastos fora bombardeada por lembranças. As dolorosas eram bem vindas, pois a faziam odiar Marcos.Porém as boas lembranças a abalavam...
Não desejava lembrar que Marcos fora seu primeiro namorado, não queria lembrar de como era maravilhoso estar com ele. A paisagem, as pessoas, os aromas, tudo a fazia lembrar de um tempo em que se sentia feliz apenas por saber que Marcos estava em sua vida.
Lembrava-se dos dois deitados sobre um lençol no quintal, observando o céu noturno e esperando ver uma estrela cadente para fazerem pedidos. E o pedido deles era sempre o mesmo: viverem felizes para sempre.
Lembrava-se dos momentos que ela oferecia os seus braços para ele se aconchegar e se consolar de mais um escândalo feito pela mãe.
Lembrava-se do calor no seu corpo quando ele a tocava, buscando cada vez mais uma intimidade que ambos ansiavam, um desejo quente que a fazia se tocar no escuro pensando nele.
Aquele calor... Aquele calor que sentira no momento em que ele tirara os óculos e a olhara com uma necessidade que ela conhecia bem.
Maldito! Quem era ele para querer conversar sobre o passado? Marcos não merecia nenhum pensamento dela!
Meu Deus, eu ainda te amo!
E quem era ele para lançar aquelas palavras sobre ela?
Saiu do banho e se esfregou com força. Se detestou por ter chorado na frente dele. Não queria que ele pensasse que ainda a tocava. Mas... Ficara tão furiosa com ele tentando se explicar... Marcos a traíra e não havia desculpa nenhuma para aquilo!
Enrolou a toalha nos cabelos e deitou-se na cama, nua, deixando o sol da manhã tocar sua pele.
Ele falara que estivera confuso quando a traíra. Recordou aqueles últimos meses. Marcos vinha demonstrando insatisfação por ela estar tão envolvida em São Paulo. Viram-se muito pouco, mas ela não o deixava esquecer do quanto o amava. Marcos a visitara em São Paulo e percebera seus ciúmes dos seus colegas. Ele chegara a dizer que ela merecia alguém como aqueles rapazes. Alexandra rira, entretanto aceitara ficar noiva para deixá-lo mais seguro.
Ela o amava, amava demais, mas num certo momento duvidara se deveria casar-se tão cedo. Estavam juntos há cinco anos, se desejavam muito, contudo a possibilidade de ser efetivada na empresa a enchera de orgulho pela conquista. Ela quisera experimentar por um tempo, trabalhar em São Paulo. Ele ficara satisfeito com seu desejo? Não.
Lembrava-se bem da reação de Marcos quando pedira para adiar o casamento por alguns meses. Ele ficara tão chateado que ficaram mais de uma semana sem se falar. E o que ela não soubera na época era que ele havia reprovado em várias disciplinas na faculdade... Se ele tivesse contado, ela teria voltado correndo para Bastos.
Alexandra cobriu os olhos com a mão. Aquilo não era desculpa para o que ele fizera. Não poderia ser culpada pela insegurança dele.
Recordou um telefonema da avó, quando ela contara que a mãe de Marcos havia se metido numa briga e terminara a confusão nua na rua e ameaçando se matar com uma garrafa quebrada. Ela se surpreendera por Marcos não ter-lhe contado e decidira que precisava voltar para Bastos e acabar com aquele silêncio entre eles.
Foi naquela semana... Foi naquela semana que ele me traiu.
Raiva novamente a tomou. Não seria culpada pelo erro dele! Erros, aliás.
Naquele dezembro ela voltara para casa mesmo tendo trabalho para resolver na editora. Iria apenas para passar os feriados de final de ano em cada, pois fazia parte do comitê de formatura.
Soltou um suspiro ao recordar aqueles dias. Para sua surpresa, Marcos a recebera tão feliz que sequer mencionara seu desejo de ficar mais um tempo em São Paulo. Ele ficava admirando-a por longos minutos e sorria de pura felicidade quando ela o olhava; tocava-a tanto e com tanto carinho que Alexandra se perguntara como poderia ficar mais tempo longe dele.
Alexandra sentiu lágrimas inundando seus olhos. Fora no último dia daquele ano que ela decidira se entregar a ele. Lembrava-se bem, muito bem. Foram no seu lugar preferido, a lagoa, e quando ele a acariciara com intimidade, confessara a ele que o queria. Por um segundo, ela vira dúvida no olhar dele, mas logo fora substituída pelo desejo.
Eles se amaram à beira da lagoa.
Alexandra ainda podia sentir a brisa morna sobre seus corpos suados, o cheiro da vegetação... Ouvia, como se fosse naquele momento, os pássaros cantando e os gemidos de Marcos. Ela não chorara quando ele a possuíra, pelo contrário, aceitara com prazer a dor quando ele rompera a barreira da sua virgindade. Era completamente de Marcos.
Alexandra se sentou na cama, as lágrimas banhando o seu rosto. Como fora tola!
Sua volta para São Paulo fora com a certeza que voltaria logo para os braços de seu amante. Queria se tornar a esposa de Marcos, sua companheira, aquela que viveria as lutas com ele e que se alegraria com suas vitórias.
Ela cobriu o rosto com as mãos, as lembranças causando-lhe uma grande dor.
Todo aquele amor fora destruído numa linda tarde de sol quando Maria Eduarda entrara em sua casa e lhe contara sobre a traição.
Maria Eduarda que na escola zombava de sua cor, Maria Eduarda que exibia sua beleza loura como um mérito particular, Maria Eduarda que há anos dava em cima de Marcos, mesmo na sua frente.
Marcos mostrara que seu amor era menor do que sua insegurança e sua luxúria.
Alexandra chorou abertamente. Um dia, ela amara aquele garoto, acreditara nele, acompanhara seu desenvolvimento, fizera parte de sua vida... Agora, como ele dissera, sobrara uma mágoa enorme. Raiva. Revolta.
Jogou-se de volta na cama, tentando controlar o choro.
Era uma mulher adulta, uma mulher vitoriosa e amada por um homem maravilhoso. Marcos não deveria ser importante!
Sua angústia, porém aumentou quando ela percebeu que debaixo de toda raiva e mágoa havia uma grande tristeza pelo seu amor perdido, uma tristeza que suplantava suas vitórias e a certeza do amor de Rodrigo.
Infeliz, deixou-se ficar na cama, apenas esperando a dor da tristeza passar.
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Lembranças de uma paixão ( concluída)
RomanceEle era fruto da escória da cidade, ela fora criada para ser uma princesa. Juntos, mostraram a todos que o amor sempre constrói. Até ele a trair... Mas a mágoa e o tempo seriam capazes de apagar uma paixão ardente?