Capítulo 31

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Marcos sonhou com Alexandra naquela noite. No sonho, estavam no lago, se amando ao sol e ele acordou com a sensação em sua pele. Em uma semana vivera mais intensamente do que nos últimos anos.
Definitivamente, ainda amava Alexandra. Não era um sentimento nostálgico, mas algo vivo, ardendo dentro do seu peito. Levantou-se e foi trabalhar ainda sentindo no corpo a presença da mulher que amava.
Passou o dia concentrado no trabalho, se policiando para não viajar nos seus pensamentos, mas esperando que Alexandra mandasse uma mensagem. No final do dia, se pegou admirando o pôr do sol através da janela e pensando nela.
Voltou para casa se sentindo muito sozinho, desejando que Alexandra estivesse ali.
No momento que chegava em casa franziu a testa ao ver o carro parado em frente à sua casa. Era o carro de Maria Eduarda. Respirou fundo. Não havia nada que se arrependesse mais do que ter traído sua noiva com Maria Eduarda. Não fora apenas o rompimento com Alexandra e o nascimento de Pedro que ficaram como consequência.
Quando a gravidez se tornara pública ela tentara se aproximar dele de todas as maneiras. Seu pai insistira que ele assumisse uma relação. Mas Marcos não tinha o que oferecer a ela. Não havia amor, não havia amizade, apenas a sensação de erro. Ele sabia que não tinha o direito, mas não conseguia deixar de pensar que Maria Eduarda sabia o que estava fazendo quando aceitara transar com ele bêbado naquela noite.
Mais tarde, achara difícil seu envolvimento com Pedro. No princípio, pegava o bebezinho no colo e se perguntava como seria pai do filho que não era de Alexandra. Depois, com o tempo, sentira o afeto surgir em seu peito, ao ponto de sofrer quando estava longe do menino.
Desde então seu relacionamento com a mãe de seu filho era, no mínimo, complicado. Ela cobrava a presença dele e, por mais que Marcos tentasse explicar que o que os unia era a criança, Maria Eduarda se ressentia e sempre procurava forjar uma união que não existia.Ela tivera alguns relacionamentos nos últimos anos e fizera questão que ele soubesse, porém Marcos se importava apenas com o bem-estar do filho. Se Maria Eduarda encontrasse alguém, seria uma culpa a menos que carregaria.
Entretanto, ela não se poupava de dificultar a relação entre os dois. Ligava para ele constantemente, sempre com a desculpa de resolverem algo sobre Pedro. Quando ele não atendia mandava mensagens e se não respondesse ligava para a delegacia.
E Marcos ainda tinha que conviver com a cobrança dos pais dela. Há alguns anos tivera uma conversa muito séria com seu pai, tentara se explicar, mas o homem não conseguira aceitar que a filha tivera tanta responsabilidade no que acontecera quanto Marcos.
Agora Maria Eduarda tentava implicar que Pedro sofria por seus pais não estarem juntos. Ele não entendia de psicologia, mas achava que o filho estava bem.
Portanto, não tinha esperança nenhuma que a presença dela ali fosse por um motivo pacífico.
Estacionou o carro e saiu. Maria Eduarda saiu do seu carro logo depois. Ele esperou, enquanto ela caminhava até ele. Estava uma noite quente e ela usava uma camiseta decotada e uma saia muito curta.
Ele estremeceu, lembrando que um dia, há muitos anos a achara atraente. Não que sua aparência houvesse mudado. Tal como ele, a beleza loira dela se destacava numa terra de pessoas morenas e negras. Maria Eduarda era descendente dos ricos fazendeiros daquela região. Ele não conhecia os pais de sua mãe, nem o seu pai, mas imaginava que eles descendiam daquela elite branca.
- Boa noite, Marcos.
- Boa noite.
- Eu estou tentando falar com você há dias.- Marcos não comentou; girou as chaves no dedo, esperando que ela continuasse. - Eu disse que precisávamos conversar sobre o Pedro Luiz.
- Pedro está bem.
- Acho que não tem convivido muito com seu filho. - Marcos suspirou. - Podemos entrar, Marcos?
- Aqui está bom.
- É bom ficar exposto para os vizinhos?
- Acho que já me expus demais, então não tem problema.
Ela cruzou os braços e o gesto fez seus seios se elevarem no decote.
- Nós vamos conversar sobre seu filho... Mas se não é importante para você.
- Maria Eduarda, estou cansado. Fale logo o que quer.
Ela deu um passo em sua direção.
- Não é o que eu quero, mas do que nosso filho precisa. Você não se importou com a conversa com a professora.
- Ela disse que ele está bem.
- Pedro Luiz está sofrendo por nossa causa. Os coleguinhas zombam dele.
- O coleguinha comentou uma verdade. Ele vai ouvir isso a vida toda.
- E não te incomoda? - ela soltou os braços e lançou os cabelos para trás.
- É como as coisas são.
- Marcos, nosso filho mal nos vê juntos. Nunca saímos com ele, você nunca passa um tempo com ele lá em casa. Sequer senta perto de mim nas apresentações da escola.
- Dou toda atenção que posso pra ele.
- Você não se importa que seu filho sofra?
- Ele não tem que sofrer. Pedro logo entenderá que não vivemos juntos. Ele vai se acostumar.
Maria Eduarda deu mais um passo em sua direção e ele se esforçou para não recuar.
- Eu nunca quis que fôssemos tão distantes...- ela falou. Marcos enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans. - Você... Desde o início foi você que se afastou.
- Eu não me afastei...
- Não?
- ... porque nunca fomos próximos.
- Você já foi bastante próximo.
- Não, Maria Eduarda, não vamos entrar por esse caminho de novo.
- De novo? Você nunca conversa sobre nós... Age como eu tivesse feito Pedro Luiz sozinha.
Ele abaixou a cabeça. Tentou manter a tranquilidade. Já tivera aquela conversa com ela outras vezes nos últimos anos.
- Eu fui leviano com você. Nunca deveria ter deixado as coisas chegarem onde chegaram.
- Você me queria.
- Já disse, fui leviano. Eu... eu gostava das atenções, mas nunca pretendi trair a Alexandra.
À menção do nome, ela estremeceu.
- Você me queria. - ela repetiu, os lábios tensos.
- Por favor, Maria Eduarda...
- Você quis fazer amor comigo...
- Não quero te ofender, meu Deus... Naquela noite eu estava bêbado porque estava me sentindo um fracasso e tinha enfiado na cabeça que Alexandra iria me abandonar... Mas eu já te falei isso antes.
- Você me usou! - ela acusou, com a voz aguda.
- É. Eu fui um canalha. Fui um canalha com você e com Alexandra. Muito mais com ela.
- Você só pensa nela! Nós poderíamos ter sido uma família, mas você nunca  para de pensar nela!
Marcos olhou ao redor. Se Maria Eduarda continuasse a falar alto, logo seus vizinhos estariam às janelas.
Ele estendeu as mãos para ela.
- Olha, é melhor você ir.
- Por quê? Você não aguenta ouvir a verdade?
Ele se forçou a falar baixo, tentando fazê-la imitá-lo.
- Eu não aguento é falar de um assunto sem solução. Eu não estou com você, porque eu nunca quis. Eu errei, errei feio, mas você sabia da verdade.
- Quer que eu me sinta culpada?
- Quero que vivamos em paz por amor ao nosso filho.
- Você me usou!
- Eu fiz o que fiz. Não tenho como consertar.
- Você nunca me deu uma chance de verdade! - Marcos fechou os olhos e beliscou a ponte do nariz. - Você acha que o Pedro Luiz não saberá que o pai não quis a gente?
Marcos ergueu a cabeça rapidamente.
- Eu quero o meu filho. Eu amo o meu filho.
- Você não quer a felicidade dele!
- Maria Eduarda, chega, por favor.
Ela respirou várias vezes como se tentasse se controlar, as mãos apertadas em punho.
- Quer saber, Marcos? Você nunca será feliz! Vai passar a vida desejando uma mulher que te despreza! - ela levantou um punho. - Você vai perder o que tem! Vai perder o seu filho quando ele souber o canalha que você foi... Que você é!
Ele ficou em silêncio. Não queria piorar a situação ao dizer que queria o filho, não ela. Maria Eduarda bateu o pé no chão, abaixou o punho e se virou; entrou no carro e saiu sem cuidado, fazendo Marcos se preocupar com a segurança dela.
Viu o carro disparar pela rua, os pneus cantando. Várias janelas estavam abertas e ele sabia que seus vizinhos ouviram parte da fúria de Maria Eduarda.
Suspirando, abriu o portão da garagem e entrou no quintal.
Daquele jeito ele nunca deixaria de ser um lixo branco da cidade...

Lembranças de uma paixão  ( concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora