Capítulo 14

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Marcos saiu em diligência com a detetive Patrícia, agradecido por um pouco de movimento num dia cheio de trabalho burocrático. Não que investigar um marido agressor fosse o que imaginara enquanto se formava na Escola Superior da Polícia Civil, mas ficaria feliz em ver aquele imbecil ser preso por seus crimes.
Passou o restante do dia fora da delegacia e quando voltou já estava escuro.
— Recebeu vários telefonemas, Marcos. - o escrivão o abordou. - Está sem o celular?
— Estou com ele.
O escrivão ergueu as sobrancelhas.
— Bom, anotei os recados. Tá na sua mesa.
Marcos foi até a mesa, porém já imaginava de quem seria a maioria dos telefonemas. Maria Eduarda ligara várias vezes para o seu telefone celular, mas ele optara por não atender. Não se sentira calmo o bastante para entrar em mais uma discussão fabricada pela mãe de seu filho.
Agora, entretanto, se revestiria de toda paciência e ligaria para ela. Fechou a porta de sua sala e ligou para Maria Eduarda. Ela atendeu no primeiro toque.
—  Finalmente eu consigo falar com você!
Eu estava trabalhando.
E se fosse algo urgente sobre o Pedro Luiz?
— É algo urgente?
Tudo sobre o meu filho é urgente.
Marcos beliscou a ponte do nariz, sentindo-se muito cansado.
— Tudo bem. Pedro precisa de alguma coisa?
Ele precisa do pai.
— Estive com ele ontem.
E você acha que vê-lo um dia ou outro é o bastante?
— Maria Eduarda, me diga sobre o que se trata.
Ela fez um ruído impaciente.
Você conversou com a orientadora. Sabe sobre o comportamento do seu filho.
Eu conversei com ele. Pedro disse que o coleguinha de turma implica com ele.
Ele bateu no coleguinha, porque ele disse que não mora com o pai.– Marcos fechou os olhos e lançou a cabeça para trás, esgotado. — Seu filho está triste com isso.
— O que você quer que eu faça?
Você poderia ser mais presente.
— Quer que eu traga o menino para morar comigo? – abriu os olhos e verificou as horas. Faltava pouco para o fim do seu plantão.
Ele tem casa e uma mãe presente!
Marcos bufou. Em breve aquela conversa se tornaria uma discussão desagradável. Amansou a voz.
— Eu tentarei vê-lo mais vezes.
Você nunca valorizou o Pedro.
— Não comece com isso, Maria Eduarda.
Você nunca o quis...
— Eu amo o meu filho e você sabe disso.
Você ficaria mais feliz se eu tivesse abortado.
E pronto! A conversa desgovernaria dali em diante.
— Olha, Maria Eduarda, amanhã eu levarei e trarei Pedro da escola. Ele pode passar a noite comigo.
Como você acha que ele vai se sentir quando souber que você me rejeitou a gravidez toda?
— Chega. Se quer falar do Pedro, tudo bem. Nossa relação é outra conversa.
Qual relação? Você mal fala comigo!
— Eu falo o necessário.
Ele ouviu o som de um soluço.
Você me culpa, não é? Porque perdeu a sua queridinha. Mas não se esqueça que eu não te forcei! Você quis...
— Maria Eduarda, é melhor encerrar por aqui. Amanhã eu pegarei o Pedro.
Você mereceu que ela tenha te largado! Você é um canalh...
Ele encerrou a ligação e silenciou o aparelho. Era sempre daquela forma. Maria Eduarda insistia em trazer assuntos do passado para a discussão.
Esfregou os olhos, tenso pelos acontecimentos do dia.  A mãe de seu filho seria sempre um motivo de aborrecimento; ela nunca o perdoará por não ter ficado com ela depois de transarem. Amaldiçoou o momento de bebedeira e luxúria que o levara a praticar sexo com outra mulher. Ele era o culpado pela partida de Alexandra.
Momentos depois bateram à porta e o escrivão enfiou a cabeça por uma fresta.
—  Telefone pra você. Maria Eduarda.
Marcos se encolheu na cadeira. Todos da delegacia já haviam atendido telefonemas de Maria Eduarda.
— Diga que estou muito ocupado e que não atenderei o telefone.
— Tudo bem.
Era uma situação difícil. De tempos em tempos ela cismava com algum assunto e insistia até ele ir à sua casa e conversar pessoalmente. Marcos sabia que ela era profundamente magoada com ele, entretanto não tinha muito o que fazer.
Naquela noite, anos atrás, depois que fizeram sexo Marcos pedira perdão e voltara para casa perseguido pela culpa. A mãe ficara chocada por vê-lo no mesmo estado que ela costumava ficar.
Maria Eduarda o procurara no dia seguinte, dizendo que era apaixonada por ele há muito tempo e que não se arrependia do que fizeram. Marcos, sentindo-se um canalha, tentara explicar porque se descontrolara e que estava muito arrependido . Ela se fora em lágrimas.
Na semana seguinte ele cometera a segunda maior besteira de sua vida. Fizera amor com Alexandra sem contar que a traíra; aceitara sua virgindade mesmo sabendo que não era mais digno de recebe-la.
Mordeu o lábio inferior com força, com raiva de si mesmo, de como estragara sua vida em uma semana. As lembranças daqueles dias o assombrariam para sempre! Alexandra voltara para Bastos trazendo todo amor que ele precisava. Ela o consolara da reprovação na faculdade, da dor e vergonha causadas pela mãe e prometera que não voltaria para São Paulo. Marcos não pensara em contar para ela sua traição, tamanho era o medo que tinha de perdê-la. Engolira o remorso e aceitara todo o amor que ela tinha a oferecer.
Muitas vezes naqueles dias se agarrava nela, consciente do que fizera, mas querendo de todo o coração que seu amor bastasse para apagar aquela mancha no seu relacionamento.
Numa tarde foram à lagoa e Alexandra oferecera sua virgindade a ele. Amá-la fora uma maneira de firmar o seu amor; nada os poderia separar. Ela fora tão doce, tão confiante nele...
Ao recordações provocaram uma dor em seu coração. Tinham tudo para ser felizes!
Alexandra se dedicara aos preparativos do casamento com tanta alegria que ele acreditara que, de fato, seriam felizes para sempre.
Maria Eduarda o procurara algumas vezes. Ela chorava, dizia que ninguém o amava tanto quanto ela, mas ele somente podia pedir-lhe perdão. Sentia uma imensa culpa, entretanto amava Alexandra acima de qualquer coisa. Então, no mês seguinte, a garoto a procurara com um teste de gravidez. Marcos vira sua vida despencar num abismo. Hoje se arrependia muito, porém na épica chegara a desejar que ela optasse por interromper a gravidez. Implorara a Maria Eduarda que não contasse à Alexandra, como se aquilo impedisse o que viria a acontecer.
Passava as noites acordado, perdido, desesperado por encontrar uma saída. Pensara até em se mudar para São Paulo com Alexandra.
Eduarda o pressionara por dias, chorara para ele assumir ela e o filho, mas Marcos só pensava em Alexandra. O desespero não o permitia ver que não havia saída.
Então, numa manhã, dona Lídice ligara pedindo que ele fosse com urgência até sua casa. Ele fora com o coração na mão. E, realmente acontecera o que tanto temia. Alexandra estava sentada no sofá, abraçada ao próprio corpo e na mão uma pedaço de papel. Um papel que ele vira dias antes, um teste de gravidez. E aquele fora o fim.
Não havia como negar, não havia como se justificar. Ele a traíra!
Aquela manhã fora a última vez que a vira até reencontrá-la no meio da rua, dois dias atrás.
Conseguia lembrar das suas lágrimas, da voz desesperada de dor. A história de amor que mexia com a cidade chegara ao fim. E por culpa dele, somente dele.
Cobriu o rosto com as mãos. Suportara o julgamento de Bastos porque se achara merecedor; aguentara a fúria da família de Maria Eduarda e a decepção da família de Alexandra. Por diversas vezes ouvira que não era uma surpresa que alguém como ele fizesse algo assim.
Podia ser o delegado da cidade agora, um cidadão ilibado, contudo sempre carregaria aquela vergonha com ele.
O péssimo relacionamento com a mãe de seu filho era apenas mais um ônus a pagar pela sua fraqueza.
Sentindo-se um derrotado, ligou o computador e decidiu dobrar o plantão. Não conseguiria dormir mesmo.

Lembranças de uma paixão  ( concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora