Capítulo 16

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Marcos percebeu que estava descontrolado no momento em que se viu atravessando mais uma vez a ponte sobre o ribeirão. Sua racionalidade mandava manter distância de Alexandra, pois ela não queria vê-lo, entretanto havia um sentimento que o impulsionava a voltar ao local onde seria possível encontrá-la.
Para que, seu idiota?
Ela mostrara na manhã anterior todo o desprezo por ele; não queria mesmo vê-lo. A sua vontade, porém, não diminuía. Ele passara a noite praticamente acordado, buscando no trabalho distração e saíra ao amanhecer com a viatura. Os policiais de plantão apenas o olharam sair e Marcos sabia que eles pensavam que era alguma investigação.
Mas estava ali, percorrendo a velha estrada empoeirada, apenas para encontrá-la, mesmo que fosse de longe.
Sua intenção, no entanto, não foi premiada. Estava na hora de iniciar um novo plantão e logo sua equipe estaria ali. Contornou na estrada e voltou para a delegacia.
Entrou no prédio sentindo-se inseguro. Há um ano era o principal delegado e era conhecido por ser competente e muito tranquilo. O perseguidor de ex-noiva não combinava com aquele perfil. Chegou no setor a tempo de receber sua equipe. Quando lhe perguntaram o motivo de ter cumprido aquele plantão, explicou que queria apoiar as equipes noturnas e não perguntaram mais nada.
Marcos trabalhou todo a manhã com uma dor de cabeça causada pela noite sem dormir; quando chegou o momento de buscar o filho, a dor se transformou numa britadeira contra o seu crânio.
Chegou na casa de Maria Eduarda sentindo-se infeliz; estava cansado daqueles embates com a mãe de seu filho. Tocou a campainha e esperou. Ouviu a voz de Maria Eduarda chamando o menino e, em seguida a porta se abriu. Pedro ostentava um sorriso de satisfação.
- Oi, pai!
- Pedro Luiz! - Maria Eduarda surgiu por trás do filho e segurou seus ombros. - Eu te disse para ficar no seu quarto!
- Mas eu queria abrir a porta pro papai! -- reclamou.
Marcos estendeu os braços para o filho; Pedro sacudiu os ombros e se soltou da mãe.
- Êh, campeão!
- Vai me levar de carro da polícia?
- Não deveria, mas vou.
Maria Eduarda franziu a testa.
- Não gosto que ele ande de viatura.
Marcos a olhou. Estava muito bonita, como sempre.
- Não era nem para eu estar aqui com o carro. Estou aproveitando meu horário de almoço.
Ela apertou os lábios um instante e prosseguiu.
- Precisamos conversar.
- Estou sem tempo.
- Sem tempo para falar sobre seu filho?
Ele colocou o menino no chão, incomodado pelo tom de Maria Eduarda.
- Vá pegar a mochila, filhão.
Pedro disparou pela sala e Marcos esperou que ele entrasse no corredor.
- Não precisa falar desse jeito na frente dele.
- Pelo menos ele fica sabendo que o pai não tem tempo para ele.
- Eu sempre tenho tempo para o meu filho.
- Você me ignorou ontem e precisávamos falar sobre o Pedro Luiz.
- Era isso que você estava fazendo ontem?
- Era, era, sim. - ela jogou os longos cabelos para trás e Marcos pensou em como sua beleza não o afetava.
Pedro apareceu na sala, saltitante. Ela se voltou para ele.
- Amor, sente um pouquinho. Tenho que falar com seu papai.
- Vou atrasar, mamãe!
- Pode deixar que não vai. - ela deu um passo para a frente e fechou a porta. - Marquei um horário com uma psicóloga. A primeira consulta será com nós dois.
- Psicóloga? Foi só uma briguinha na escola.
- A orientadora acha que ele está muito sentido.
- Meninos brigam, Maria Eduarda.
- Mas pelo motivo que foi?
Marcos respirou fundo. Quando cismava com um assunto, Maria Eduarda parecia um cão que não largava o osso.
- Acho que você está criando um motivo.
- Pedro Luiz se sente abandonado por você.
Ele sentiu seu rosto corar.
- Isso não é verdade. Eu estou sempre com ele quando posso.
- Acha que é o bastante? Você não teve pai para saber. - ele travou a boca e fechou os punhos, a ira tomando o seu corpo. - Pedro Luiz não sabe o que é uma família funcional.
Marcos respirou fundo. Maria Eduarda tinha o poder de fazê-lo se sentir um péssimo pai. Mostrando uma tranquilidade que não sentia, falou com ela.
- É melhor nós irmos andando, senão chegaremos atrasados.
- A psicóloga é na terça-feira que vem.
- Tudo bem. Depois me manda o endereço.
- É fora da cidade.
- Por quê?
- Não quero discutir meus problemas com alguém daqui.
- Certo. Me mande uma mensagem.
Ela franziu a testa, parecendo pensar em algo mais para dizer, mas a porta se abriu. Marcos viu a mãe de Maria Eduarda. A mulher elegante o encarou com o semblante fechado.
- Boa tarde, dona Marisa.
Ela tocou o braço da filha, sem respondê-lo.
- Pedrinho vai se atrasar.
- Eu já vou. - quando a mãe não se afastou ela repetiu. - Eu já vou, mãe.
A mulher entrou sem olhar para ele. Marcos decidiu ignorar; aquela mulher o detestava há anos e ele lhe dava toda a razão.
- Vamos, mamãezinha! - Pedro gritou, impaciente.
Marcos franziu a testa e Maria Eduarda ergueu o queixo.
- Da próxima vez venha no seu carro.
- Tudo bem.
Ela fez sinal para o filho e o menino correu para a porta; abaixou-se e o beijou carinhosamente.
- Vou ficar com saudades!
- Tá! - o menino agarrou a mão do pai. - Vamos!
Marcos fez um aceno de cabeça para a mãe do seu filho e o levou até o carro.
- Liga a sirene! - Pedro pediu, enquanto o pai o acomodava no banco traseiro.
- Não dá, filhão. Já estou todo errado em te levar pra escola.
- Por quê?
- Primeiro porque papai está trabalhando hoje e também porque não tem a sua cadeirinha.
- Cadeirinha é pra criancinha.
- Você é uma criancinha.
- Eu sou um menino!
Marcos riu da lógica do filho. Amava aquele garoto demais, mesmo que... Apertou os lábios. Pedro era fruto de um erro seu, mas nunca poderia penalizá-lo por aquilo. Maria Eduarda tinha razão. Ele não tivera pai, mas se esforçaria para ser o melhor pai para o seu filho.
- Pedro, você gosta de ir pra escola?
- Adoro!
- E o coleguinha com quem brigou?
- O João Pietro é meu amigo. Já fizemos as pazes.
- Por quê vocês brigaram?
Pedro franziu as sobrancelhas douradas.
- Ele disse que você não mora comigo.
Marcos sentiu um embrulho no estômago.
- Mas o papai não mora mesmo contigo.
O menino ficou calado um instante e depois continuou.
- O pai do João Pietro mora.
Enquanto o menino mexia no cinto de segurança, Marcos ficou em silêncio. Um dia seria capaz de se explicar para o filho, contudo agora somente podia sentir tristeza pela tristeza dele.
Pedro começou a contar sua brincadeiras com João Pietro e logo chegaram na escola.
Ali estudavam os filhos da elite da cidade e diversos carros faziam fila para entregarem as crianças. Marcos deixou a viatura um pouco antes da entrada e caminhou pela calçada com Pedro Luiz.
Alguém abriu a porta de um carro e se agachou para pegar a criança dentro dele. Marcos sentiu todo o seu corpo aquecer. Alexandra!
Parou na calçada, enquanto ela fechava a porta do automóvel. Quando se virou para pegar a criança ela o viu e para ele foi como se o tempo parasse novamente.
Ali à sua frente estava a mulher em que vinha pensando a todo momento desde que a vira correndo na rua, a mulher que gritara que o odiara um dia antes. A mulher que, Deus tenha misericórdia dele, sentia vontade de se jogar aos seus pés e implorar que o amasse.

Lembranças de uma paixão  ( concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora