Capítulo 27

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Estacionado em frente à casa de Lídice Duarte, Marcos pensava se aquela era uma hora inconveniente para bater à porta. Já eram quase nove horas da noite, ele ficara até mais tarde na delegacia, mas queria ver Alexandra.
O ato de amor pela manhã o deixara abalado e só conseguia imaginar como ela estava se sentindo. Respirou fundo e decidiu sair do carro.
O portãozinho da entrada para o quintal estava trancado, algo incomum em Bastos. Alexandra já devia estar adaptada aos hábitos da capital.
A luz da sala estava acesa e ele resolveu tocar a velha campainha. Ficou olhando por cima do portão, esperando ver algum movimento. Logo a porta foi aberta e Alexandra saiu da casa. Ela estava de short e chinelo e parecia ter voltado a ser uma garota de cidade do interior. Alexandra olhou através das frestas do portão e arregalou os olhos ao vê-lo.
- Marcos?
- Boa noite, Alexandra.
- O que está fazendo aqui?
- Vim te ver.
Ela se encostou no portão.
- É melhor não.
- Precisamos conversar.
- Já conversamos.
- Isso foi antes. - ele percebeu a confusão no rosto dela. - Deixe eu entrar.
Alexandra ficou um instante apenas olhando-o. Marcos torceu para ela estar, ao menos um pouco, tocada pelo que acontecera de manhã.
- Vou pegar a chave.
Ela se voltou e atravessou o quintal. Marcos acompanhou o andar que ele sempre achara provocante. Ele esperou com o coração acelerado. Há quase seis anos se despedira dela vendo ódio em seus olhos, uma decepção pofunda e, principalmente, tristeza. Ele a magoara além de qualquer medida.
Quando Alexandra retornou, ele suspirou de alívio.
Esperou ela abrir o portão e a seguiu para dentro da casa com muita humildade. Estava apostando todas as suas fichas naquela conversa. Fora maravilhoso fazer amor com ela, mas precisava conseguir o seu perdão.
Alexandra entrou e parou no meio da sala, os braços apoiados ao lado do corpo, os punhos fechados mostrando a tensão que sentia.
- Sente-se.- ela convidou.
Marcos sentou- se no sofá antigo e ela se acomodou na outra ponta.Ele pode admirá-la melhor. O rosto estava lavado e envolto pelos cabelos crespos e cheios solto que formavam uma nuvem escura.
Ela o encarou e ele sentiu uma vontade imensa de puxá-la para os seus braços e beijá-la até ela ficar sem ar.
- Marcos, o que aconteceu hoje...
- Foi maravilhoso. - Alexandra entreabriu os lábios com a interrupção. - Não pode negar isso, Alexandra.
- Não foi certo.
- Para mim foi.
- Eu sou comprometida.
- E eu lamento por isso.
- Lamenta por eu ter alguém?
- Lamento por não ser eu.
Ela lambeu o lábio inferior.
- Eu vou me casar.
- Por favor, não.
Alexandra respirou fundo.
- Nós prosseguimos nossas vidas, Marcos.
- Eu não.
- Você é um delegado.
- Eu só sobrevivi. Fiz o que tinha que fazer para ser o que eu tinha sonhado com você.
- Você tem seu filho.
Marcos abaixou a cabeça. Precisava falar sobre seu filho. Ergueu os olhos e a olhou com seriedade.
- Pedro. O nome dele é Pedro Luiz. Nasceu prematuro e eu só o vi dois dias depois que nasceu. - hesitou. O que ela pensaria dele? - Posso ser sincero com você? Posso contar tudo?
Alexandra arqueou uma sobrancelha.
- Já não me contou tudo?
- Desculpe, mas você nunca deixou eu tentar me explicar completamente.
- Porque não tem explicação, Marcos.
Um desânimo cobriu sua mente. Precisava que ela ao menos tentasse ouvi-lo. Alexandra percebeu sua reação .
- Desculpe. Fale o que quiser... Mas eu acho que é tarde demais para conversarmos.
Marcos hesitou diante da certeza dela, mas queria abrir o coração.
- Quando eu soube da gravidez da Maria Eduarda entrei em desespero. Ela tinha me dito que se prevenia, então quando aconteceu foi um tremendo susto. Depois ela me disse que mentiu pra mim.
- Mentiu?
- Sim. E eu mereci isso. Eu fui mais desonesto do que ela. - Alexandra virou o rosto, mas ele prosseguiu. - Eu queria fugir com você de Bastos, queria esconder o que tinha feito. Mas foi infantilidade minha. Quando cheguei na sua casa naquele dia e te vi com o exame... Queria morrer.
- Foi horrível, Marcos. - falou sem olhá-lo. -Parecia que você tinha esfaqueado o meu coração.
Marcos estendeu as mãos na direção dela, mas ela não percebeu.
- Me perdoa. Eu fiz tudo errado. E continuei errando. - ele abaixou as mãos e sentiu que as palmas estavam úmidas. - Depois que você partiu eu não consegui dar apoio à Maria Eduarda. Eu não queria saber daquela gravidez. Seu Luiz me pressionou a assumir a Maria Eduarda e tentou provocar a minha demissão. Para qualquer lado que eu olhava, as pessoas mostravam desprezo.
- Foram consequências do que você fez. - disse, mas Marcos percebeu que ela não falava com raiva.
- Eu sei. Eu, de verdade, acreditava que merecia. Sua avó me aconselhou a me aproximar da Maria Eduarda.
- Minha avó? - perguntou, surpresa.
- Sim. Ela me perguntou como eu me senti sendo criado sem um pai.
- Ah...
-Eu... Eu procurei por ela, disse que eu assumiria a criança... mas deixei claro que a gravidez foi um acidente. Depois disso... foi difícil... Eu... Confesso que não acompanhei a gravidez. Você pode me achar insensível, mas tudo o que eu conseguia pensar era que a gravidez existia porque eu errei com você. E quando Pedro nasceu eu mal consegui olhar o menino. - fez uma pausa, lembrando daqueles dias de solidão. - Eu precisei de ajuda. Me apeguei muito à amizade com o Miquéias e ao aconselhamento com a sua avó. - Alexandra o olhava com o rosto muito sério e ele se perguntou se ela o acharia um monstro sem coração. - Olha, eu amo o meu filho. Ele é um tesouro na minha vida... - deu um sorriso. - É tão inteligente que assusta às vezes.
- É um menino muito bonito.
- É. - concordou com cuidado, sabendo que Pedro era a imagem da mãe. - Meu filho e minha carreira são tudo que tenho para me ajudar a viver sem você.
- Não é assim, Marcos. Já passou muito tempo.
- Não passou tempo nenhum. - Marcos se aproximou dela. - Eu penso em você todos os dias. Continuei vivo, porque acreditei que você voltaria um dia.
- Marcos...
Ele se aproximou mais.
- Eu te amo, Alexandra. Fui várias vezes a São Paulo, como um louco, percorrendo a cidade na esperança de te encontrar. - ela o olhou com espanto. - Eu sei, eu sei. Foi loucura mesmo, mas eu precisava ir. - Marcos sentou ao lado dela. - Eu tenho a sensação que só voltei a viver de verdade quando você voltou.
- Não voltei por sua causa.
- Eu sei, mas ficou longe por minha causa. - ela inflou o peito e ele pensou que negaria, porém Alexandra permaneceu calada. Segurou a mão dela e ela estremeceu; esperou um momento, dando a ela a chance de afastar-se - Eu te peço:me perdoe. Por favor, me perdoe.

Lembranças de uma paixão  ( concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora