Capítulo 17

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Sophia pedira para Alexandra levar Letícia à escola naquela sexta-feira. Estava preocupada, pois sabia que o filho de Marcos estudava na mesma escola, mas esperava não encontrar com ele. Quando ela o viu, ele já estava na sua frente. Alexandra congelou, surpreendida. Ele estava tão perto dela!
O rosto dourado também estava surpreso. A primeira coisa que ela procurou foram as feridas no pescoço, porém ele usava uma camisa polo cuja gola escondia os arranhões. Então seus olhos baixaram até o menino que saltitava ao lado dele.
Seu rosto pegou fogo ao ver o menino. Ele tinha o rosto fino da mãe, entretanto seus olhos eram incrivelmente verdes como os do pai. Os cachos louros o faziam parecer um anjinho de gravuras antigas. Uma dor fininha brotou em seu peito. Aquele era o filho dele e não uma das crianças que sonharam juntos.
— Oi. – ele a cumprimentou.
— Oi. – respondeu, sem jeito, e seu rosto tornou a esquentar ao lembrar-se do embate no dia anterior.
Segurou a mãozinha de Letícia e fechou a porta do carro. Marcos permaneceu parado, olhando-a.
— É a filha de Sophia?
— É.
Ela olhou para o menino e ele segurou o filho pela nuca.
— Este é o Pedro.
Alexandra admirou o menino animado.
— Oi, Pedro.
— Oi. Eu vim no carro da polícia!
—  É? Que bacana.
— Meu pai é policial.
Ela forçou um sorriso para o menino, afinal o garotinho era inocente da situação dela e do  pai. Marcos acariciou a cabeça de Pedro, com um intenso olhar para ela. Desconcertada, Alexandra balançou a mão de Letícia.
— Eu... tenho que levá-la.
— Eu também vou entregar o Pedro.
Alexandra fez um aceno para o menino.
— Tchau, Pedro.
— Qual é seu nome?
— Meu nome é Alexandra.
—  Tá.
Acenou novamente para o menino e não olhou para Marcos quando se virou e caminhou na direção da portaria da escola. Procurou respirar tranquilamente, mas sua mente girava. Não queria vê-lo de novo, seu coração não estava treinado para encontrá-lo tantas vezes.
Não está treinado para vê-lo de jeito nenhum. – pensou, sentindo o órgão ater acelerado.
Beijou Letícia, a entregou à uma monitora e saiu.
Já estava na porta do automóvel quando ouviu a voz de Marcos.
— Alexandra, espere um instante.
Ela não queria esperar, contudo o fez assim mesmo. Marcos passou à frente do seu carro.
— Podemos falar um instante?
— Acho que não...
— É só um momento.
Alexandra olhou para a calçada. Ali estavam algumas pessoas que os conheciam e não pôde deixar de notar os olhares interessados.
— Tudo bem. – concordou com má vontade, sem imaginar o que ele falaria.
Marcos também olhou para a calçada.
— Se quiser ir para um lugar mais sossegado...
— Você falou que era rápido, não é?
Ele mordeu o lábio inferior, mas prosseguiu, inclinando a cabeça para ela.
— Me desculpe por ontem.– Alexandra ficou em silêncio, ciente da gravidade daquele encontro. — Eu só estava muito ansioso pra falar com você.
Ela observou o rosto com o semblante tenso. O cabelo estava uma bagunça, os cachos louros quebrando a seriedade dele; Marcos parecia um hobbit. Respirou fundo. Deveria responder com maturidade, era uma adulta afinal de contas, porém não tinha nenhuma intenção em ser simpática com ele.
— Eu não queria falar com você.
— Eu sei, eu pressionei.
— Você pressionou, sim.
Marcos balançou a cabeça.
— São tantas desculpas que eu tenho que te pedir que nem sei mais... -–Alexandra abaixou a cabeça, incomodada com o olhar intenso. — A principal já tem muitos anos.
— Por que não deixa tudo no passado?
—  Porque está muito presente para mim. – ela ergueu os olhos. Havia muita sinceridade em sua voz. — Eu sei que não mereço, mas eu preciso realmente do seu perdão.
— Eu não penso nisso há muito tempo, Marcos.
Ele apoiou a mão no capô.
— Talvez precisemos falar disso pra...
— Para eu te perdoar? – interrompeu-o.
— Sim. – respondeu parecendo muito humilde. – Eu não me perdôo pelo que fiz.
Alexandra olhou para as pessoas na calçada, interessadas demais para fingir distração.
— Só esqueça, Marcos.
—Mas...
— Olha, não estou me sentindo confortável aqui.
— Podemos ir para outro lugar. – franziu as sobrancelhas. — Por favor.
Alexandra negaria de imediato, porém algo no olhar dele a conteve. Tinha sido menos que civilizada no encontro do dia anterior. Marcos devia achar que ele ainda fazia diferença em sua vida e não queria que ele pensasse aquilo.
Insegura, abriu a porta do carro.
— Estou indo para o hospital. Posso... – hesitou. — Posso conversar um pouco.
Ele não conseguiu disfarçar a alegria no seu olhar e ela se lembrou de que era daquele jeito que ele a olhava sempre que se encontravam. Afastou rapidamente a saudade que se esgueirou em seus pensamentos.
— Tudo bem. Eu te sigo.
Ela não tinha certeza se decidiu corretamente, por isso entrou no automóvel com as mãos trêmulas, ainda chocada por como a presença dele a desestabilizava. Dirigiu até o hospital como se estivesse sendo perseguida.
Marcos parou a viatura atrás do seu carro e saltou, o rosto com uma expressão que ela só podia chamar de esperançosa.
Desceu do carro sem olhar para trás e caminhou pelo jardim ao lado do prédio do hospital até encontrar um banco de concreto. Sentou-se e passou a mão pelos cabelos. Marcos sentou-se ao seu lado e ficou olhando-a em silêncio.
— Pronto. Estou aqui, Marcos.
— Eu sei. – deu um sorriso. — E é incrível para mim. Quero dizer, você ficou longe tanto tempo.
Ela olhou em frente, consciente que ele sabia que era a causa da sua partida. Ficaram mais um momento em silêncio e desejou não ter aceitado conversar com ele. Sua proximidade era incômoda, deixando-a tensa.
Olhou para baixo e engoliu em seco à visão das coxas delineadas pelas calças jeans justas. Levantou o rosto e deu com os olhos verdes brilhantes a encarando.
— Marcos... – falou com impaciência. — Não tenho todo o tempo do mundo.
— Já vou falar, eu só... não quero que acabe como ontem. – Alexandra concordou com a cabeça e ele continuou. — Desde que você foi embora, tudo o que eu penso é em conseguir o teu perdão. Você disse que eu te humilhei e sei que é verdade. – ela franziu os lábios. — Eu nunca te mereci e só provei que todos estavam certos. – ela abaixou os olhos. Sempre soubera que ele pensava daquele jeito. — Bebi naquela noite, porque eu estava me sentindo um derrotado.
Alexandra o encarou com os olhos estreitados.
— Está se justificando?
— Não, só estou explicando. – ela ficou quieta novamente, reparando que ele ruborizou. — Bebi muito mesmo. Fui um idiota, um completo idiota.
— Isso é pouco.
—  Fui um canalha.
Alexandra se sentiu satisfeita por ele reconhecer aquilo.
— Eu me arrependi na mesma hora.
— Isso não muda o que aconteceu.
— Não, não muda, mas estou dizendo a verdade. Eu só queria poder voltar no tempo.
Ela arqueou uma sobrancelha, zombando dele.
— Você queria esconder de mim, não é?
— Queria, sim. Fiquei apavorado de te perder.
Alexandra sentiu os lábios tremendo, vivenciando novamente a dor que sentira no dia que descobrira tudo. Muito sério, Marcos continuou.
—  Eu amo meu filho... amo mesmo... mas eu queria que aquela noite nunca tivesse acontecido.  Não tem um dia que eu não me arrependa. – ela suspirou e olhou ao redor, enchendo os olhos com a beleza tranquila do jardim, tão  diferente do tumulto dentro da sua cabeça. — Eu te peço perdão por aquela noite... pelo dia que nós... Eu não quis abusar de você... só te queria.
Alexandra sentiu um ligeiro arrepio de pensar em Marcos a possuindo à beira da lagoa.
— Mesmo tendo me traído. – acusou amargamente.
— Sim. Porque eu te amava tanto... – ele estendeu a mão como se fosse tocá-la, porém parou quando ela recuou. — Eu ainda te amo tanto, Alexandra.
— Não fale isso!
— Mas é a verdade. Eu não paro de pensar em você desde que te vi anteontem.
Alexandra sentiu a revolta começar. Quem era ele para dizer que a amava?
— Isso não me interessa!
— Eu sei que você me odeia, mas é isso que ainda sinto.
— Não! Você não tem que sentir!
Meus Deus, ela o amara tanto, tanto! Marcos fora seu primeiro namorado, primeiro amor, primeiro amante. E fora a primeira desilusão que tivera na vida. Até descobrir que ele a traíra, ele só tinha lhe dado felicidades.
Marcos a olhava tristemente, do jeito que ficava quando sua mãe causava algum escândalo na cidade.
— Me perdoe, Alexandra.
— Acha que consigo?
— Por quê?
— Por que o quê?
— Por que não pode me perdoar? Você disse que não é indiferente a mim, que me odeia. — dessa vez ele estendeu as mãos e segurou seus ombros. Alexandra sentiu um arrepio percorre-la quando ele tocou sua pele. Arfou, angustiada pela sensação que se espalhou por seu corpo.
— Você me odeia mesmo?

Lembranças de uma paixão  ( concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora