Capítulo 10

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Marcos arfou quando sentiu as unhas enfiarem em sua pele e segurou as mãos dela.
— Me solte, Marcos!
— Vamos conversar.
— Eu não quero mais falar com você! Eu não quero mais ver você!
— Me ouça, por favor. Eu nunca quis te magoar, acredite!
— Me solte agora!
Ele não queria, mas a soltou. Alexandra tropeçou para trás e ele tentou segurá-la, porém ela recuou.
— Nunca mais me toque!
Marcos notou a expressão de nojo no rosto que amava e aquilo o refreou.
— Tudo bem. – ele ergueu novamente as mãos. — Não vou te tocar. – ela resfolegava, como se  estivesse correndo. — Apenas acredite que nunca, nunca mesmo quis te magoar.
Ela fungou e passou a mão no nariz, encarando-o. Ele não conseguiu entender o olhar que ela lhe deu; nunca viu aqueles olhos tão sem brilho.
— Me magoou demais.
— Mas nunca quis. Por favor, acredite em mim.
Ainda fungando, Alexandra mexeu no cabelo, ajeitando os cachos que escapuliram do rabo de cavalo.
— Eu não quero que você fale comigo nunca mais. – declarou, com a voz enrouquecida.
— Não precisa ser assim...
— Precisa, sim.
— Mas nós éramos amigos antes de...
— Amigos não enganam amigos. Não os humilham diante de todos.
Marcos abaixou a cabeça. Ela tinha toda a razão, ele era indesculpável.
— Agora chega. Você queria conversar e nós conversamos.
Ele ergueu a cabeça vagarosamente.
— Não foi assim que eu imaginei que seria a nossa conversa.
— E pensou o quê? Que eu correria para os seus braços?
— Não. Só achei que poderíamos entender juntos o que aconteceu.
Alexandra ergueu o queixo para ele.
— Mas eu já entendi anos atrás. Você me traiu. – ele passou a língua nos lábios, sentindo-se derrotado com a firmeza dela. — Você tem razão numa coisa: eu não sou indiferente a você. Eu guardo mágoa, muita mágoa e quero que você respeite isso.
— Me perdoe. - repetiu, desanimado.
Alexandra negou com a cabeça.
— Talvez um dia eu consiga fazer isso, mas não será por nada que tenha para me dizer. Marcos ficou em silêncio. Tivera sua chance de se explicar, de pedir perdão, entretanto sabia que ela não estava pronta para perdoá-lo. Alexandra ajeitou a camiseta e apontou para seu pescoço. — Me desculpe por isso. Eu nunca machuquei ninguém.
Ele tocou um lado do pescoço e sentiu as feridas feitas pelas unhas, olhou para os dedos e viu que havia sangue. Antes que pudesse dizer algo, Alexandra se virou e correu na direção da cidade
Permaneceu parado, vendo-a se afastar, até que só restou a poeira vermelha à distância.
Recostou-se no capô da viatura, seu coração partido em milhares de pedacinhos. Fora um tolo! Como podia imaginar que ela ouviria o que tivesse a dizer e o perdoaria? Agira como um canalha com ela e em mais de uma maneira.
Lembrou-se daquele distante mês de dezembro, quando ela viera tão feliz para ele contando da oferta de estágio que recebera de uma grande editora. Estavam juntos há quatro anos e Alexandra cursava o sexto período na faculdade em São Paulo. Ele sempre reclamava da distância, mas ela queria ser editora de livros e sonhava em fundar uma  no futuro. Estudar na melhor universidade do estado era só mais um passo para ela alcançar seu objetivo.
De tanto incentivo que recebera dela e de sua avó, ele finalmente se decidira a estudar direito e passara para uma universidade pública num município vizinho. Ela ficara felicíssima e dissera que os dois estavam sendo abençoados. Ele mal podia imaginar que o estágio contribuiria para separá-los.
Aquele ano passara muito rápido e Marcos sentira-se incomodado por vê-la tão pouco. Alexandra voltava para casa nos feriados prolongados e ocasionalmente em alguns finais de semana. As visitas dela eram um prazer imenso para ele, pois passavam horas conversando e, quando não estavam trocando ideias, se perdiam nos braços um do outro. Marcos terminava aqueles encontros cada vez mais apaixonado, mas com os testículos doendo horrivelmente de tanto desejo.
Começaram a namorar quando ela tinha dezesseis anos e ele a respeitava demais para pedir mais do que os beijos apaixonados e as carícias inexperientes que ela tinha a oferecer.
No correr do último ano dela na faculdade de Literatura, Marcos a vira pouquíssimo. Em muitos finais de semana, Alexandra participava de feiras literárias ou congressos e ele tinha que se conformar com os telefonemas amorosos .
Ele trabalhava o dia inteiro e à noite se deslocava até o outro município para estudar. Sua vida se resumia a trabalhar, estudar, frequentar a igreja com dona Lídice e aguentar as bebedeiras da mãe. Parecia que quanto mais se esforçava para ser um cidadão de bem, mais a mãe se esforçava para lembrá-lo que era o filho de uma bêbada e de que morara num lixão a maior parte de sua vida.
Um final de semana, conseguira folga e fora visitar a namorada. Não fora uma experiência agradável. Se sentira um caipira entre os amigos intelectuais dela e quando Alexandra, toda animada, o levara num encontro literário, se achara muito tosco e desinteressante. Voltara daquele final de semana sentindo-me diminuído e cheios de ciúmes.
Marcos sabia que era atraente. Os olhos profundamente verdes e os cabelos louros se destacavam na pele muito bronzeada e ele estava acostumado a chamar atenção. Quando era garoto recebera com medo as atenções de um amigo da mãe, um homem com olhar perverso e só tivera seus instintos para livra-lo de um possível abuso. Na adolescência era das amigas alcoólatras da mãe de quem sofria assédio e delas recebera as primeiras lições sexuais.
Muito cedo descobrira que era bom no sexo e sua companhia era disputada nas festas dos boiadeiros. Sempre havia uma mulher o querendo.
Mais tarde, somente seu amor por Alexandra o fizera entrar em abstinência sexual.
Tentava não se ressentir da namorada querer preservar sua virgindade e procurava entender porque ela rejeitava seus pedidos de casamento um após o outro. Alexandra dizia que precisava se formar primeiro. Ele tentava entender, mas não aceitava. Sentia muito a falta dela e seu corpo ardia de um desejo não consumado. Por fim, ele a convencera a ficarem noivos durante as férias de julho. Dona Lídice dissera que começaria a se preparar para o casamento e o doutor João dera um aumento a ele.
Nessa época, Marcos decidira se tornar um delegado da polícia e somara ao trabalho e à faculdade muitas horas de estudo nos finais de semana. Finais de semana que ficava sem Alexandra.
Marcos pensou naqueles dias, no cansaço e esforços, mas principalmente na esperança de que logo Alexandra seria totalmente sua. Ela não seria esposa de qualquer um, mas de um delegado de polícia.
Fora no fim daqueles tempos que ele se tornara cada vez mais frustrado. Alexandra raramente vinha a Bastos, ocupada entre o final do curso e o estágio. Ela contara toda feliz que a editora pretendia oferecer sua efetivação como funcionária. Ele percebera que ela sequer mencionara o casamento. Aquele fora o começo do fim.
Abatido, Marcos entrou na viatura; Alexandra já devia estar em casa. Tinha sido um estúpido com ela, assim como fora nos últimos meses de seu relacionamento.
Fora um período de frustração, decepção e tentações. Sua frustração e desânimo provocaram a queda no seu aproveitamento na faculdade e fora reprovado em algumas matérias; uma voz dentro dele insinuara que era culpa de Alexandra. Ele se comportara como  um bruto, arrogante é extremamente egoísta.
Ligou o carro e voltou para a cidade, sabendo que era o único responsável pela solidão que sentia. A fachada do profissional bem sucedido não resistira um dia à presença de Alexandra. Não era feliz e reconhecia que nunca seria enquanto a amasse tanto.
Dirigiu sem prestar atenção no caminho, sentindo-se tão derrotado que achou que tudo o que merecia era voltar para aquele barraco do passado e nunca mais sair dele.

Lembranças de uma paixão  ( concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora