Capítulo 8

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Era a segunda volta que Marcos dava pelas ruas da cidade. No dia anterior encontrara Alexandra naquele horário e esperava vê-la novamente.
Sabia que se agisse com maturidade simplesmente iria até sua casa e pediria para conversar, porém não estava agindo como um homem adulto, era um garoto atrás de uma garota que o rejeitava.
Suspirou. Nem sempre foi daquela maneira. Ela já o desejara muito.
Aos dezesseis anos percebera que a neta de sua patrona o olhava com mais do que a educação pedia. Estava acostumado a encontrar Alexandra na casa de dona Lídice e sempre admirara a moça educada e elegante que era. Na época, ele era ajudante de um pedreiro e ficava envergonhado por ela vê-lo com as roupas de trabalho e as unhas sujas. Mas Alexandra era sempre gentil com ele.
Um dia, dona Lídice conseguira um emprego para ele no escritório do seu advogado , o doutor João Freitas. Ele não tinha roupas adequadas e a boa senhora se encarregara daquilo. Comprara uma calça social e fizera três camisas para ele.
Não podia esquecer quando Alexandra o olhara, já arrumado para trabalhar. Pela primeira vez ele não sentira pena de si mesmo.
Mas havia um abismo entre os dois. Ele morava num barraco perto do lixão da cidade e precisava se virar sozinho para sobreviver e tentar cuidar da mãe.
Os anos se passaram e ele acompanhara o desenvolvimento de Alexandra. Ela estudava em outro município e ele a via chegar da escola todos os dias, bonita no uniforme clássico. Ela começara a escrever para o Tribuna de Bastos e ele passara a comprar o jornal todo domingo para ler as crônicas que ela publicava.
Marcos a vira passar de uma adolescente magricela para uma jovem de curvas insinuantes. Sempre que se encontravam, ela era muito gentil, interessada no seu progresso. Ele, porém não conseguia tirar os olhos dos seios bem feitos e admirar o andar dela, o movimento dos quadris cheios, a elegância dos seus passos. Mas pensara que ela não havia percebido.
Um dia, quando levava um documento para Lídice, Alexandra o recebera sozinha em casa. Nunca se esqueceria da conversa instigante que tiveram, do sorriso nos lábios insinuantes e do olhar provocativo. Ele quisera agarrá-la ali mesmo na cozinha com a certeza que ela deixaria, porém sabia que ela não era para ele. Alexandra era uma princesa, uma flor delicada, enquanto ele...
No entanto, os encontros se tornaram mais frequentes. Não era raro que ela estivesse na praça quando ele saía do escritório e Marcos sempre se oferecia para levá-la em casa. Conversavam muito e ela contara o seu sonho de ser editora de livros, enquanto ele desabafara sobre o sonho de ser policial.
Num início de noite, quando a deixava no portão, Alexandra ficara na ponta dos pés, segurara sua nuca e o puxara para um beijo. Ele ficara tão surpreso que não reagira. Ela entrara em casa saltitante, rindo do rosto espantado de Marcos.
Então começaram uma deliciosa rotina. Ele a levava em casa, conversavam todo o caminho e ela o beijava na despedida. Era sempre Alexandra que iniciava o beijo.
Marcos tinha dezoito anos e não era inocente. Já tivera encontros nos rodeios nos finais de semana e fizera sexo diversas vezes nos armazéns das fazendas. Era sempre muito cuidadoso e se prevenia, pois sabia muito bem o que queria da vida e ser pai antes de estudar e ter uma carreira não estava nos seus planos. No entanto, os encontros com Alexandra eram mais envolventes que os encontros sem jeito nos rodeios. Cada momento que passava com ela era como se uma onda quente o envolvesse, deixando seu coração acelerado e quente.
Uma noite dona Lídice o mandara entrar e ele finalmente pedira permissão para namorar com Alexandra.
Marcos sabia que teria o apoio da senhora, mas não imaginara que haveria tantas reações negativas. No primeiro almoço de domingo que participara, dona Leandra fizera questão de perguntar por sua mãe. O doutor João lhe fizera um sermão sobre respeitar Alexandra e seus amigos o acusaram de querer dar o golpe do baú. Sua mãe fora quem mais o magoara. Meio bêbada, dissera que dona Lídice só o aceitara como namorado da neta, porque a moça era preta; se fosse uma família branca ele não seria aceito. Aquilo realmente o machucara.
Durante dois anos Marcos se esforçara para ser o melhor namorado para Alexandra. Terminara o ensino secundário, recebera uma promoção no trabalho, entrara para a igreja que Alexandra frequentava e alugara uma casinha decente para ele e para a mãe. Queria estar à altura dela.
Dirigindo, ele olhou seu reflexo no espelho. O distintivo dourado pintado na camisa de malha mostrava que ele havia alcançado o sucesso. Estudara muito para conseguir ser delegado da Polícia Civil. Terminara a faculdade de Direito aos trancos e barrancos, porém nunca desistira do seu objetivo. Ele prometera a Alexandra que seria um delegado e reconhecia que desejara que ela soubesse que havia conseguido.
Dona Lídice e Alexandra o incentivaram a fazer a faculdade e só ele sabia como doera não vê-la no dia da sua formatura.
Pelo espelho retrovisor reconheceu um vulto que atravessava correndo a ponte sobre o ribeirão; conteve o afobamento e fez o retorno dirigindo em direção à ponte. Dirigiu devagar, esperando para ver para onde ela iria. Viu-a pegar a estrada de barro que acompanhava o rio. Marcos decidiu pegar um atalho que sairía mais à frente na estrada. Imaginou se fosse outro cidadão perseguindo uma mulher...
Entrou no atalho e acelerou o carro, torcendo para que ela não voltasse antes.
Saiu do atalho em frente ao rio e pegou a estrada no sentido contrário de Alexandra. Seu coração deu um salto quando a viu correndo à sombra dos eucaliptos. Usava um short e camiseta vermelhos e os cabelos crespos estavam presos para cima.
Viu quando ela percebeu o carro que vinha em sua direção, pois hesitou nas passadas. Marcos desviou o carro para a sombra das árvores e desacelerou, parando um pouco antes dela. Alexandra diminuiu o ritmo, mas não parou.
Marcos saltou do carro rapidamente e Alexandra diminuiu o ritmo. Ele sentiu seu coração batendo loucamente e agradeceu por estar de óculos escuros ou ela perceberia o deslumbramento que o tomara ao vê-la. Era como um milagre depois de tanto tempo. Naquele momento se perguntou como conseguira ficar todo aquele tempo distante dela.
Ergueu o braço para acenar.
— Bom dia! – gritou e ela parou. — Bom dia, Alexandra.
Ela parou a alguns passos dele.
— Bom dia. – respondeu arfante, pousando as mãos nos quadris.
— Que bom te ver. – Alexandra ficou em silêncio, recuperando o fôlego. — Eu pretendia mesmo te procurar hoje.
Ela franziu a testa.
— Para quê?
— Conversarmos.
— Marcos...eu já disse que não temos nada para conversar.
Gotas de suor escorriam do pescoço de Alexandra para o vale entre os seios e ele desviou o olhar.
— Sei que estou sendo insistente, mas a última vez que conversamos quando você voltou para São Paulo...
— Não foi a última. Nos falamos ontem.
— Certo. Naquela vez, quando conversamos...
— Ficou no passado.
— Sei. – Marcos mexeu nos cabelos. — Estávamos ambos alterados e não conseguimos...
Alexandra passou a mão na testa suada e a secou na camiseta. Ele apreciou a figura que parecia mais curvilínea, mais atraente.Engoliu em seco; sentiu tanta vontade de segurá-la que precisou apertar os punhos.
— Isso tudo é passado, Marcos. Cada um tem sua vida e nada mais disso interessa.
— Qual é o problema de conversarmos?
— Não é problema nenhum , só não tem sentido.
Marcos entendia que ela o odiasse, contudo não via por que não podiam conversar como dois adultos. Zombou de si mesmo: ele estava agindo como um adulto?
— É medo? – arriscou.
— Como é que é?
Ele tirou os óculos e ela entreabriu os lábios, como se fosse uma surpresa ver seus olhos.
— Medo. Você está com medo de conversar comigo.

Lembranças de uma paixão  ( concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora