Capítulo 3

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O coração de Alexandra batia aceleradamente e não era apenas pela corrida. Ela saíra tão cedo de manhã para evitar encontrar pessoas; qualquer pessoa.
Fizera uma viagem muito cansativa no dia anterior, atravessara a madrugada dirigindo de São Paulo para Bastos; fora uma viagem de quase seis horas. De nada adiantaram os apelos de Rodrigo para esperar a manhã seguinte; partira à noite e chegara à cidade de madrugada.
Sua entrada no hospital somente fora permitida, porque conhecia quase toda a equipe plantonista. O hospital era pequeno, mas estava preparado para cuidar de sua avó. Alexandra passara o dia seguinte no hospital e voltara para casa já à tarde e por insistência da prima, Sophia.
Ainda assim, tivera uma péssima noite. Estar em Bastos a deixava com uma desagradável sensação de alerta. Era como se a cidade estivesse prestes a lhe pregar um susto e ela sabia muito bem que susto seria.
Há quase seis anos não voltava à Bastos. Há quase seis anos deixara para trás sua família e o lugar que amava. E o responsável por aquilo tinha a ousadia de pará-la na rua como se fossem velhos camaradas se reencontrando.
A verdade era que odiava Marcos Ribeira com toda a sua força. Não queria rever aquele rosto, não queria ouvir aquela voz novamente. Marcos deveria ficar no fundo de suas lembranças, guardado num canto escuro e não aparecer na sua frente de surpresa.
Ela pensara que havia esquecido do rosto marcante, dos olhos verdes tão claros, da boca voluntariosa... Não queria ter reencontrado aquele homem.
Quando o carro parara à sua frente imaginara que fora um acidente . Então, ele surgira fazendo-a perder o fôlego. Não era para ter esquecido como ele a olhava? Não era para ter esquecido a voz que no passado a fazia se arrepiar?
Marcos mudara. Parecia mais alto, mais forte. Uma barba curta cobria sua mandíbula, fazendo-o parecer mais velho que os seus trinta anos. Os cabelos louros que eram compridos antigamente agora estavam mais curtos, mas as mechas continuavam revoltadas como se ele passasse os dedos muitas vezes pelos fios. E ela sabia que ele fazia aquilo mesmo.
Gostaria que ele estivesse com uma aparência horrível e não estava preparada para o efeito que sua presença causara. Num espaço curto de tempo ela assimilara que a masculinidade bruta ainda estava ali; seus olhos vagaram pelo corpo esguio, mas musculoso num reconhecimento incômodo. Pudera ver os músculos peitorais destacados pela camisa polo azul marinho, as pernas longas cobertas por calças jeans justas demais.
Tudo o que pensara era que tinha que fugir dali, ficar longe daquele homem! E fugira realmente.
Correu até a casa da avó e entrou como se estivesse sendo perseguida. Tomou um copo de água quase num gole só, a mão tremendo à vista. Por que, por que tinha que te encontrá-lo tão cedo? Queria ter se preparado melhor, vê-lo com uma postura segura e não com um short frouxo e com uma camisa velha. Estava suada, cansada e tinha certeza que ele perceberá que também estava assustada. Porque fora, sim, um susto reencontrá-lo.
De repente, aqueles cinco anos não eram nada. A despedida deles parecia muito recente e ela sentia no peito a mesma pressão daquele dia de carnaval.
Respirou fundo. Não queria se lembrar daquele dia, não queria lembrar que aquele homem já fora seu um dia, não queria lembrar que fora dele completamente.
Lavou o copo e o deixou no escorredor. Olhou o relógio e ainda não eram sete da manhã. Foi para seu antigo quarto e procurou roupas que trouxera de São Paulo. Não queria ser pega novamente parecendo uma universitária descolada. Tinha outra vida agora.
Tirou as roupas suadas e foi até o banheiro. Um banho ajudaria a se acalmar.
Ficou parada debaixo da ducha morna revendo muitas vezes o encontro daquela manhã. Sabia que teria que encontrar Marcos uma hora ou outra, mas esperava que fosse nos seus próprios termos. Quem o encontraria deveria ter sido a mulher independente e capaz que se tornara; a mulher sofisticada e ponderada que vivia sozinha na maior cidade do país e não uma adolescente trêmula.
A pessoa que reencontrara Marcos se parecia com a garota que fora apaixonada por ele desde os catorze anos. Se parecia com a menina que sentia os mamilos duros só em vê-lo.
Segurou os seios. Sabia que era bonita e tinha um corpo atraente. Já fora tocada por homens que a desejavam, logo não era uma jovem inexperiente. Não deveria ter ficado impressionada ao ver Marcos. Não deveria ter ficado impactada ao ver o corpo que desejara tanto. Passou o sabonete e esfregou o corpo como se pudesse lavar a sensação pungente que a tocara quando ele caminhara em sua direção.
Marcos Ribeira era o passado, alguém que não deveria mais fazer parte de suas memórias.
Terminou o banho e se secou, passando a toalha com força sobre a pele. Voltaria ao normal, se acalmaria e tudo ficaria bem.
Ouviu a porta da frente se abrindo e verificou surpresa que ficara muito tempo no banho . Fernanda já havia chegado .
Vestiu- se é foi até a cozinha.
— Bom dia, Fernanda.
A mulher se voltou para ela. Fernanda trabalhava para sua avó desde que Alexandra fora para a faculdade. Lembrava-se dela sempre muito atenta à avó, cuidando de cada necessidade de Lídice Pinheiro. Alexandra acostumara a ver a figura gorducha com a avó, inclusive nas visitas que recebera em São Paulo nos últimos anos.A empregada se parecia bastante com a avó, ao ponto de pensarem que eram parentes.
— Já acordou?
— Saí para correr um pouco.
— É mesmo? – a mulher fez um olhar incrédulo. — Correu aqui na cidade?
— Fui até o ribeirão.
Fernanda sorriu.
— Sempre achei engraçado gente da cidade correr por aí . Mas sabe que até o meu filho começou com isso?
— Correr faz muito bem.
— Ele está indo na academia de musculação que abriu perto de casa. – riu novamente. — Se trabalhasse na roça ficaria forte do mesmo jeito.
Alexandra riu com ela, com saudades de pessoas simples como Fernanda.
Ajudou a mulher a preparar o café e, depois de tomá-lo, ligou para o hospital. A avó continuava desacordada, mas conseguiu autorização para vê-la um pouco naquela manhã.
Gastou o tempo arrumando o já arrumado quarto de costura da avó. Mesmo com quase oitenta anos, sua avó costurava e bordava. Grande parte de seus produtos iam para o comércio local, mas a maioria ia para a caridade.
Alexandra ficou um momento admirando os trabalhos da avó. Desde que se conhecia por gente a avó lidava com a caridade local. Lídice dava aulas de costura numa igreja, mas era em casa que recebia as pessoas para quem costurava.
Alexandra franziu a testa quando uma lembrança a tomou. Marcos estava parado ali no meio do quarto, envergonhado, enquanto a avó prendia alfinetes na blusa que fazia para ele. Seria para o seu primeiro emprego de carteira assinada,num escritório de advocacia da cidade . Ele era só um adolescente, porém ela se recordava o quanto ele já era sério.
Ela estalou a língua. Não queria pensar nele! Voltou a guardar as linhas da avó, se esforçando em não pensar no homem que a machucara tanto.

Lembranças de uma paixão  ( concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora