Capítulo 20

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Gilda Ribeira nasceu em Bastos. Seu pai era um peão e a mãe os deixara quando ela tinha apenas quatro anos. Seu pai a criara sozinho e a levava para todos os lados, inclusive bares nos finais de semana. Muito cedo Gilda aprendera que o álcool amortecia a fome e ajudava a esquecer as tristezas.
Na adolescência perdera o pai e passara a viver na cidade. Descobrira que sua beleza facilitava sua vida, então passara a viver de pequenos favores de homens. Um dia conhecera um homem que prometera que cuidaria dela; a promessa durara até ela engravidar.
Tivera o filho apenas com apoio de grupos assistenciais locais. O menino chamava a atenção pelos cachinhos dourados e olhos muito verdes e ela sempre conseguia uma doação ou outra.
Ela conseguia trabalho, mas nunca ficava o bastante para manter a casa. Para afogar as mágoas, ia sempre para bares; suas amizades eram homens e mulheres alcoólatras.
No correr dos anos tiveram muitos homens, porém nenhum a tratará com decência. Sabia que o filho sofria por causa do seu vício, mas era mais forte do que ela.
Na adolescência, Marcos começara a fazer pequenos serviços para os moradores da cidade e passaram a ter pelo menos mais comida em casa.
Gilda se culpava pela vida difícil do filho e ficava feliz por cada pequena conquista dele. Quando vira Marcos vestido para trabalhar no escritório de advocacia chorara de orgulho.
Porém, o dia que Marcos contara que estava namorando a neta de Lídice Duarte, ela não gostara. Era de pessoas como aquela senhora que vinham as ajudas comida e roupas e as olhava com um certo ressentimento por precisar depender delas.
Um dia, bêbada, dissera ao filho que ele era pouco para namorar com Alexandra. De verdade, ela se sentia diminuída e não queria que o filho se aproximasse daquela gente.
Com o apoio das mulheres Duarte, Marcos prosperara. Era um empregado efetivo e entrara para a faculdade. Saíram do barracão onde viviam para uma casinha.
Gilda se sentia mal por não ser uma boa mãe para um filho tão esforçado. Sentia ciúmes dele com a namorada, mas não conseguia se limpar do álcool.
Um dia percebera que o filho estava com algum problema com Alexandra e insistia em dizer a ele que era diferente demais da jovem. Discutiram uma noite e ela saíra pelos bares e se embebedara tanto que tentara se matar com uma garrafa quebrada. E isso soubera apenas no dia seguinte quando um revoltado e envergonhado Marcos lhe contara.
Para sua desagradável surpresa Marcos chegara em casa, trôpego, cheirando a álcool e balbuciando o nome de Alexandra como um lamento. No dia seguinte ele parecia ter cometido um crime. Gilda se chocara tanto com a bebedeira do filho que passara dias sem beber. Fora difícil ver Marcos na mesma degradação que ela.
No final daquela semana entrara na igrejinha pentecostal da cidade e desde então passara a frequentá-la.
Quando Marcos chegara em casa desesperado pelo fim do seu noivado ela estava sóbria. E, desde então, nunca mais pusera uma gota de álcool na boca.
Agora estava na porta de Alexandra Duarte para falar do filho. Acompanhara a tristeza de Marcos através dos anos e ao saber da chegada de Alexandra, uma esperança encheu o seu peito.
Bateu na porta e aguardou. Logo ouviu passos e a porta foi aberta.
— Oi, Gilda.
— Oi, Alexandra. – beijou a moça, ignorando a falta de jeito dela.
— Entre. – convidou Alexandra, se afastando para ela passar.
Gilda entrou na casa onde pisara apenas uma vez. Durante todo o namoro do filho se mantivera distante daquela família imaginando que seria diminuída por ela. Observava seu rosto macilento, a pouca higiene e o constante cheiro de álcool que exalava e se comparava à elegância e posição de Lídice. Achava que a mulher e a garota a olhariam de cima.
Alexandra fez sinal para o sofá.
— Quer sentar, Gilda ?
— Claro. Obrigada.
Gilda sentou e admirou Alexandra. Ela não parecia mais a garota do interior do passado; do penteado moderno às roupas mostrava que viera da cidade grande. Sorriu para ela.
— Você está muito bem.
— Você também.
Gilda riu.
— Eu mudei bastante.
— Está ótima.
— Obrigada. E sua avó, como está?
— Hoje ficou bastante tempo acordada.
— Que bom. Fiz orações por ela.
A moça a olhou com surpresa.
— Ah... Obrigada. – ela se ajeitou no sofá. — Eu preparei um café para nós.
Gilda inspirou fundo.
— Tenho que ser sincera... não vim pelo café. Quero falar sobre o meu filho.
Alexandra franziu as sobrancelhas.
— Acho que não, Gilda.
— Não fui uma boa mãe, mas me preocupo muito com Marcos. Sabe, ele nunca te esqueceu.
— Gilda...
— Quando você foi embora eu pensei que ele perderia tudo pelo que lutou. –Alexandra ficou em silêncio. — Ele ficou péssimo. Emagreceu, perdeu o brilho dos olhos. E chorava na cama, Alexandra.
— Gilda, isso tudo ficou no passado.
— Ele amava você demais.
— Marcos prosseguiu com a vida.
— Mas foi muito difícil. O pai da Maria Eduarda fez muita pressão para eles se casarem. Incomodou o Marcos até no trabalho. Eu sei que foram consequências do que ele fez, mas foi muito difícil.
Alexandra a encarou, estreitando os olhos.
— Foi muito difícil para mim, Gilda.
— Tenho certeza que foi. Só estou dizendo...
— Eu realmente não acho que devemos ter esta conversa.
— Só te peço que me ouça... – respirando fundo, Alexandra assentiu com a cabeça e Gilda continuou. — Eu sentia muitos ciúmes de você...
— De mim?
— Você e sua avó fizeram pelo meu filho tudo o que eu não fiz. Ele se apoiava em vocês pra tudo. E eu não tinha condições de fazer nada por ele... – jogou os cabelos por cima do ombro. — A noite que ele chegou bêbado... Eu pensei... Eu sabia que algo ruim tinha acontecido. Ele nunca me disse, mas sei que foi quando... Bem, traiu você. – Alexandra franziu as sobrancelhas. — Quando você terminou com ele, ficou muito mal. Eu comecei a me cuidar para poder dar um apoio para ele.
— Gilda...
— Ele enfiou na cabeça que terminaria a faculdade e se provaria um homem melhor pra você.
— Não é a faculdade que faz um homem melhor.
— Mas ele sempre se sentiu pouco pra você.
— Como é que é? – perguntou, surpresa.
— Eu ajudei ele a se sentir assim. – Gilda abaixou a cabeça sentindo o peso do arrependimento. — Eu achava sua família chique demais pra gente como nós.
— Isto é absurdo.
— Pode ser pra você, mas eu acreditava piamente e enchia a cabeça do meu filho com isso.
— Eu nunca pensei assim.
— Pode ser, mas ele pensava como eu. Quando você partiu, Marcos foi muito mal visto. Recebeu julgamentos de todos os lados.
— Como você disse, foram consequências do que ele fez.
— Eu sei. Mas ele já pagou tudo que poderia. Sofreu esses anos todos sozinho, construiu uma vida e ficou esperando por você.
— Gilda, isso não vem ao caso.
— Meu filho nunca deixou de te amar.
Alexandra mostrou uma expressão de impaciência.
— Gilda, Marcos sabe que você veio aqui?
— Claro que não. Eu vim por minha conta. Precisava te dizer isso.
— Eu entendo seu interesse neste assunto, contudo eu tenho outra vida agora. Ficarei noiva logo.
Gilda sentiu um sobressalto. Ela creditava a Deus que Alexandra não tivesse se casado, por isso sentiu-se mal com aquela notícia.
— Mas você ainda ama o meu filho!
— De onde você tirou essa ideia? Me casarei com Rodrigo.
— Não, não, Alexandra. Sei que você ainda ama o Marcos.
— Isso ficou no passado.
— Eu não acredito nisso.
— Não depende de você acreditar, Gilda. Eu não amo Marcos e me casarei em breve. — inspirou. — Olha, preparei um café para você. Gostaria que compartilhasse comigo.
— Não estou pensando no café.
— Mas é tudo que eu posso oferecer.
Gilda cruzou as mãos sobre os joelhos e observou Alexandra atentamente. Deu um pequeno sorriso.
— Seus olhos brilham quando eu falo o nome do Marcos.
— Gilda...
— E quando você diz o nome dele ainda há o peso da mágoa.
— É claro que tem mágoa... Marcos me magoou e muito. Ele... ele partiu meu coração...
Dessa vez Gilda abriu um grande sorriso, vendo a emoção nos olhos dela. Não era um olhar de quem não se importasse. Bateu nos joelhos e se ergueu.
— Vamos tomar aquele café?
— Hã? – Alexandra a olhou, mostrando confusão.
— Você diz que não ama mais meu filho... Deixe assim, então...
— Sim, claro.
— Vamos ao café. Vou te contar tudo que aconteceu na minha vida.
Gilda deu o braço a Alexandra e, mesmo parecendo atônita, Alexandra a guiou até a cozinha.

Lembranças de uma paixão  ( concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora