Capítulo 5

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Alexandra entrava no hospital pela segunda vez naquele dia. Pela manhã vira a avó por poucos minutos, mas agora à tarde poderia ficar mais um tempo na UTI. Passou pela recepção e subiu de elevador até o segundo andar onde ficava a enfermaria de tratamento intensivo. Quando saltou no andar viu um homem parado na recepção da UTI. Era alto, o corpo esguio, porém de músculos bem torneados. Os cabelos que insistiam em fazer cachos, mesmo curtos. Seu coração sofreu um baque. Marcos!
Ele a viu e caminhou até ela.
— Oi, Alexandra.
— Oi. – respondeu, com o coração acelerado.
Marcos tocou na etiqueta adesiva presa ao seu peito; dizia visitante.
— Cheguei um pouco mais cedo.
— Ah...
Ela ficou calada, sem saber o que dizer.Tentou controlar a direção de seu olhar, mas não conseguiu evitar de admirar os olhos  que brilhavam para ela.
Os quase seis anos sem vê-lo pareceram nada, pois sua presença a impactou da mesma forma, como se nunca tivessem se afastado. Marcos tinha sido o seu tudo e, desde que o deixara, se esforçava para não pensar nele.
Queria tanto que ele estivesse envelhecido, feio e barrigudo! Entretanto, não  desviou os olhos do peito que esticava a camisa preta do uniforme e ela conseguia ver a forma de seus mamilos. Os bíceps surgiam de dentro das mangas curtas, maiores do que ela se lembrava. Mordeu o lábio inferior, insatisfeita consigo mesma.
— Estive aqui o-ontem, Alexandra.
— Você me disse. – sua voz saiu baixinho.
— Espero que não a incomode.
— Hum... – sentiu-se desconfortável diante dele, um calor subindo por seu rosto.
— Sei que a visita é só para familiares... mas eu queria falar com você.
— Comigo? – ela recuou um passo.
— Não nos falamos há muito tempo. – Marcos engoliu em seco. — Queria t-trocar umas palavras com você.
Alexandra ergueu a cabeça e o brilho do seu olhar a irritou. Ele não tinha o direito de olhá-la daquele jeito!
— Não temos nada para falar. – respondeu rispidamente.
Ele piscou os olhos, mostrando surpresa.
— Não acha que temos?
— Por que teríamos?
Marcos passou a mão nos cabelos e ela lembrou-se que ele sempre fazia aquilo quando estava nervoso.
— Nossa última conversa foi muito ruim.
— Hoje de manhã?
— Você sabe quando. Eu queria... Bem, queria te dizer...
— Marcos, naquela ocasião, você me disse tudo o que eu precisava ouvir. Olha...
— Eu quero te pedir perdão.
Alexandra entrelaçou os dedos na altura do ventre. Não acreditava que ele queria retomar aquele assunto depois de tanto tempo!
— Isso já passou, Marcos.
Ele se aproximou tanto que ela sentiu o cheiro que ele desprendia. Um cheiro peculiar, que ela sempre associava ao mato depois de uma chuva. A memória a fez recordar de sentir aquele cheiro nele, na pele que gostava tanto de tocar e beijar.
— Mas eu continuo querendo o seu perdão.
— Não importa mais. Faz muito tempo.
—Pra mim imp-porta. –  Marcos segurou seu cotovelo e ela sentiu como se levasse um choque. A mão quente sobre sua pele. — Vamos conversar.
Alexandra puxou o cotovelo e o esfregou.
— Não temos nada para conversar! – sua voz soou aguda no corredor vazio, o que o fez olhar ao redor.
— C-calma... Eu só quero falar.
— Não me peça calma!
Ela sabia que estava perguntando o controle. Respirou fundo, procurando se acalmar. Lembrava-se  bem da última vez que conversaram, os gritos dela, as lágrimas dele. Marcos a agarrara com tanta força que a machucara. Sentira tanto ódio dele naquele dia, mas o que mais a machucara fora a decepção; o amor da sua vida a havia traído.
— Eu não quero conversar.
— É só um instante.
Uma enfermeira apareceu no corredor.
— Alexandra?
-— Ah... oi, dona Luzia.
— É bom te ver, minha filha. Queria que fosse numa ocasião melhor, mas... – deu de ombros. — Vamos entrar?
— Claro.
A mulher olhou para ele.
— Só uma pessoa pode visitar agora, Marcos.
— Eu gostaria de ver a dona Lídice.
A mulher o observou com atenção e Alexandra percebeu que havia compaixão no seu olhar. Alexandra lembrou que aquela senhora atendera muitas vezes um solitário Marcos anos atrás.
— Você precisa esperar lá embaixo.
— Certo. – ele se virou para Alexandra. — Gostaria de conversar com você antes de sair.
— Não.
— Por favor.
— Já disse que não, Marcos.
Ele respirou fundo.
— Outra hora, então.
Ela o ignorou.
— Posso entrar, dona Luzia?
— Pode, filha
Sem olhar para trás, Alexandra entrou na enfermaria; parou na entrada e, mecanicamente lavou as mãos. Elas tremiam tanto quanto seu coração batia acelerado. Sabia que Marcos gaguejava quando estava sobre forte pressão .
Secou as mãos e caminhou até o leito da avó
A senhora era a única paciente no recinto. Se aproximou e teve vontade de chorar ao ver a avó tão abatida. Sentiu remorsos por vê-la tão pouco.
Sua avó a visitava algumas vezes por ano e se lamentou por força-la àquela viagem longa. Desde que... desde que rompera com Marcos, não colocara os pés em Bastos.
— Oi, vó. – cumprimentou a idosa desacordada. — Voltei para te ver. – deu um beijo na testa fria. — Você queria tanto que eu viesse, não é? Agora estou aqui... – lágrimas vieram aos seus olhos.
Acariciando a mão da idosa, Alexandra narrou sua acidentada viagem na madrugada. Depois, começou a lembrar momentos felizes com a avó. Não viu o tempo passar e só parou de falar quando Luzia a chamou. Ficou triste em ter que ir, contudo sua tia e a prima estavam aguardando lá embaixo.
Saiu da enfermaria desanimada, entretanto quando desceu para o térreo procurou mostrar mais esperança, afinal sua tia Leandra estava em lágrimas.
Enquanto a tia subia, sentou-se ao lado da prima. Sophia acariciou seu braço.
— Sei que está sendo muito difícil para você.
— E como.
— Mamãe só falava em você quando soubemos do infarto. Ela teve medo, sabe?
— Que não desse tempo de eu chegar?
— Sim.
Alexandra suspirou.
— Não aguentarei se algo pior acontecer.
— Nossa velhinha é forte.
— E eu estava longe.
— Você tem a sua vida em São Paulo.
—Eu a deixei aqui.
— A vovó nunca sairá de Bastos, você sabe disso.
— Mas se pelo menos eu a visitasse...
Sophia prendeu os cabelos trançados e os prendeu num coque.
— A vovó nunca reclamou.
— Se não fosse meu orgulho...
— Escute, cada um sabe de si. Você não conseguia vir e pronto. Está aqui agora, não está?
Alexandra esfregou o rosto.
— Ele veio aqui. - declarou, na certeza que Sophia sabia a quem se referia.
— Ah, eu sei... Eu o vi quando cheguei.
— Eu encontrei com ele de manhã, quando estava correndo.
— Sério? Olha, eu nem comentei ontem que você estava na cidade.
— Ele me disse.
Sophia franziu a testa.
— Nossa... essa história... Vocês nunca mais se falaram mesmo?
— Não.
— Mas você soube sobre ele nesses anos, né?
— Eu nunca quis saber.
A prima fez uma careta engraçada.
— Vovó me fez prometer que eu nunca falaria do Marcos para você.
Alexandra balançou a cabeça.
— Ele não me interessa.
— Mesmo? – Sophia a acariciou novamente. — Ele sempre me pergunta de você.
— O quê?
— Sabe que ele e o Miquéias continuaram amigos.
— Não sei, não.
— Meu marido sempre chama o Marcos lá para casa.
Alexandra tentou manter o rosto impassível.
— E você fala sobre mim?
Sophia ergueu as sobrancelhas.
— Eu falo, ué.
Ela digeriu a informação da prima. Ajeitou a gola da blusa clara, fingindo uma indiferença que não sentia.
— Ele está gaguejando.
Sophia ergueu as sobrancelhas.
— Só lembro dele gaguejando quando você foi embora.
Alexandra estava tão perdida em seus pensamentos que se espantou quando uma figura alta se colocou ao seu lado. Ergueu a cabeça e viu Marcos.
— Podemos conversar agora? – ele perguntou.
Sophia se mexeu.
— Vou ali na recepção.
Sobressaltando-se, Alexandra segurou a prima.
— Não vai, não.
— Tudo bem, Alexandra. – a prima se soltou. — Ficarei por perto.
Vendo Sophia se afastar, Marcos estendeu a mão para Alexandra.
— Por favor?
O coração dela batia tão forte que sentia a pressão do sangue nos ouvidos. Levou a mão à garganta, como se pudesse controlar seu pulsar. A última vez em que o vira, a mágoa parecia que iria dilacerar o seu coração! Ela o odiara por muito tempo.
Piscando os olhos, se levantou. Era uma mulher adulta, não deixaria aquele homem amedrontá-la!
— Não me interessa o que você tem a dizer.
Marcos inspirou fundo.
— Me deixa falar.
Alexandra se empertigou; não devia nada a ele, no entanto cruzou os braços e o encarou.
— Está bem.

Lembranças de uma paixão  ( concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora