Gatilho: Pensamentos suicidas
Pov: Heli
Sobre mim, o céu está tão limpo como qualquer outro dia em minha vida. No pedaço que tenho acesso, no pequeno buraco no cone que a caverna é, o céu é azul claro, igual, sem nuvens, nem mesmo uma gaivota ou qualquer outro pássaro passando sobre mim. Dentro da caverna é outra decepção. A rocha marrom escura não tem detalhes, não tem musgo ou animais, nada, absolutamente nada pra me distrair da dor sufocante que não me dá folga. A dor não lateja, não vem e vai, ela só fica ali, grudada em minha canela direita e subindo pela perna mas pra minha sorte, melhora um pouco quando fico parada. Um pouco. Bem pouco mesmo. Eu acho.
Desisti de gritar quando notei isso, embora ainda não entendesse como mover minhas cordas vocais fazia minha panturrilha doer ainda mais. Também não foi cedo que notei, minha garganta está seca como tudo na caverna depois de gritar tanto. Acho que faz uns dias que estou aqui, porque a sede me machucou assim que acordei, mas não ouso perguntar. Não quero ouvir nada além da maldita água que bate na beirada da caverna.
Não há nada que eu tenha sentido que se compare a essa dor. Nada. Uma vez, torci o pulso quando cai em um de meus roubos, teve a vez que Dorothy rasgou meus pés com a unha mas essas são as dores doces… Acho que a mais parecida foi quando fui fritar frango e o óleo respingou em meu braço. Horas depois, a queimadura doía e doía, como se o fogo ainda a queimasse… É, é isso o que eu sinto. Que minha perna está em brasas, sendo torcida em todas as direções enquanto alguém a rasga por dentro.
Segui nosso destino, a voz dela ressoa e ressoa na minha cabeça, sem parar e sem parar, não tem nada pra me distrair a não ser a dor dessa decisão. Ela escolheu seguir? Ou ela fez por algum motivo maluco que eu não sei? Anis a obrigou? Maressa sugeriu? Não sei, não faço a menor ideia e nunca saberei se não perguntar. É uma característica das sereias, eu aprendi, elas não dizem nada que não foi perguntado.
Foi tão cansativo, tão exaustivo esses meses ao seu lado e agora que odeio ela eu posso confessar isso a mim mesma. Monara perguntou se eu queria que ela morasse comigo, mas que alternativa eu tinha quando ela fez aquela surpresa pra mim? E sim, eu queria, na época eu queria, mas também, por muitas vezes desejei que ela simplesmente voltasse pra água, pra que nós vivêssemos como antigamente, quando tudo era fácil e eu não ligava pro fato dela ser uma sereia.
Depois me senti mal pelo incômodo de dividir um quarto, mas isso é tão mesquinho e passou tão rápido que não vale a pena lembrar, o verdadeiro incômodo foi quando partimos pra vida real. Eu não podia reclamar sobre como ela era perfeita em tudo, perfeita demais pra qualquer humano, não podia dizer o quanto eu me esforcei em dobro pra tirar notas como as dela, como me fazia me sentir mal e desajeitada ao andar ao seu lado no corredor, como eu odiava os olhares das pessoas ao nos verem lado a lado. Eu tinha que ser forte o tempo todo e não podia reclamar sem parecer uma imbecil, ela não fazia por mal, era o jeito que ela tinha nascido. Eu suportei, eu a amava.
A pior das coisas, o tempo todo e piorou com Kevin, foi o desastre que tinha sido Monara esconder suas peculiaridades. Ela não bebia água, comia tanta carne que meu pai percebia e estranhava, nunca ia no banheiro na escola (a não ser quando tinha fome) e os devaneios… Tinha dias que ela se descontrolava e passava horas olhando pros armários da loja. Não foi a toa que perceberam, que a tonta da Jenna que não sabia a raiz quadrada de 9 sem calculadora, percebeu que Monara era diferente. E se eu reclamasse com ela, ela ria, desdenhava, dizia que ninguém acreditava… Nem mesmo sua estúpida Pérola foi capaz de medir o tanto de raiva que senti quando Nobert me capturou e e mesmo assim, mesmo que fosse culpa dela, não era, não de verdade. Seria como se ela reclamasse deu ir ao banheiro ou não respirar debaixo d'água. Era quem ela era e eu a amei assim, estava disposta a viver longe do meu pai, em outro continente e outra língua e a perdoar toda a culpa dela ser ela mesma porque eu também amava essa parte.
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O Retorno das Alfas
FantasíaHeli foi infectada, Anis foi liberta e o relacionamento entre Heli e Monara parece ter desmoranado enquanto o destino de Heli e Anis parece cada vez mais próximo. No último livro da trilogia, segredos serão revelados e a guerra que parecia ser apena...