Capítulo 17 - Traíra

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Pov:: Monara 🏝️

A noite se arrasta a dentro, sufocando meu pescoço e me deixando mais ansiosa que Heli pelo fim dela. Eu me sinto uma traira, pior se isso for possível, me sinto o resto de plástico que os humanos jogam no mar. Sinto ele entalado em minha garganta, querendo sair a qualquer custo, mas me contenho, por ela, por Rodolfo e pelo resto da festa.

Rodolfo foi o segundo a cair de sono na noite, deixando o trabalho de assar a carne a cargo de Peta porque Maressa estava farta de fazer aquilo. Ele dorme no sofá em frente a cozinha agora, adicionando o ronco à lista de sons da noite. Eu também o trai.

O que faço pra me distrair é o de sempre, me concentro nas emoções das outras pessoas. A conversa de Peta e Jonas não terminou muito bem, os dois saíram furiosos da mata e quando Jonas foi embora, Peta não quis dizer o porquê. Todo mundo sabe o motivo, mesmo ele não sendo lá muito justo.

-Quando eu vou me sentir cheia, heim, Maressa? - Heli pergunta, na sua centésima porção de carne.

Ela não sabe que Maressa por vezes, se cansa dessas milhares de perguntas, como eu me cansava. Não me importava, eu gostava de ouvir sua voz no escuro, sussurrando segredos da minha espécie.

-Quando você tiver tanta Energia que seu corpo não consegue mais armazenar, a carne vai perder o gosto. Agora, você está com tão pouca que ele tenta consumir o máximo, mesmo sem ter energia pra conseguir digerir.

Me lembro disso, dos corpos extras que matamos no bando e não conseguimos comer. Jogávamos fora, deixávamos pros peixes e as ondas cuidarem... Um passado tão distante quanto o que eu contei a...

-Com peixes demora muito pra encher, com carne de boi menos, porco menos ainda.

-Humanos muito menos - Peta completa, entregando outra bandeja de carne.

A Heli de antes ficaria surpresa, chocada, enojada, a nova ataca a grande porção de carne em sua frente como um animal. Eu deveria ficar feliz vendo isso, ela comer, indo pro mar, escolhendo viver... Se não fosse uma completa idiota.

Demora uns poucos minutos pra que Heli termine, sobre a bandeja, somente os ossos que Maressa tem o prazer em quebrar em seus dentes. Peta olha pra cima, pro tom de azuis que agora anunciam a chegada de um novo dia. Ela pede licença, entra novamente na sala da piscina e fecha a porta atrás dela. Ainda precisa manter o disfarce.

Observo Heli quebrar o que sobrou ossos em seus dentes, admirando o céu, distraída, feliz, admirada e ansiosa acima de tudo pelo novo mundo que em breve vai desbravar. Ela mal pode se aguentar e por isso sorrio. Quantas vezes pedi a Oki por isso, para que ela escolhesse viver? E agora que ela realmente quer, nada mais sinto além de culpa.

Eu não tive culpa, tive? Porque não tinha nenhum indicativo que ela escolheria viver. Heli riu de mim quando eu descobri sobre sua realidade, ela tentava se matar, ela me odiava, se odiava, odiava viver... Como eu poderia imaginar que ela...

Será que Anis está certa?

O pensamento me ocorre tão rapidamente que olho pras duas com medo que tenha dito alto demais e agora, não consigo não pensar nisso.

E se ela tivesse me testando esse tempo todo pra saber o que eu faria se ela escolhesse morrer? Bom, mais um teste que eu falhei, um teste muito injusto. Ela faria isso? Será que aquela garota que eu conheci por acaso seria capaz de me testar dessa forma? Será que ela brincaria comigo assim?

Pra responder isso, só acreditando que ela fez o que Anis disse que ela fez, se eu acreditar que Heli me implorou para que eu não a Evoluísse para se livrar da culpa e isso, eu também não sei se acredito, ah... Antes era tudo tão fácil. Eu sabia exatamente quem ela era e ela sabia quem eu era, ela não duvidava, ela não seria capaz de jogar comigo e eu saberia sua decisão. É claro, ela também era capaz de me surpreender, mas uma vez que ela tinha escolhido tantas vezes morrer, como foi que ela passou a admirar tanto assim a ideia da vida?

O Retorno das AlfasOnde histórias criam vida. Descubra agora