Pov:: Heli
É tanta coisa em terra firme pra se olhar, tantos detalhes que nunca tinha percebido… É tudo mais feio que me lembro e ao mesmo tempo, tudo tão bonito da sua forma. O semáforo pendurado precariamente, o asfalto em pequenas fissuras, mesmo os carros abandonados e sua fina camada de poeira… Cansa. Mesmo sem humanos pela ilha, me canso de admirar as coisas pela janela depois de dez minutos, fecho meus olhos e afundo no banco.
Eu queria ter um devaneio, aqui e agora, eu queria muito anestesiar minha mente, queria viajar, queria fugir… Tudo pra não estar aqui, com meus dedos colando de sangue, sem poder olhar pro banco de trás do carro, sem sentir o cheiro…
Fugir é com certeza algo que eu faria. Depois de enterra-lo, depois de toda essa vingança, seria algo que eu faria mas eu não posso, não agora, não depois do que aconteceu da última vez que fugi. Eu não posso mais perder ninguém, olho pra Maressa concentrada dirigindo. Ela tem seus defeitos, seus erros, mas a ideia de perdê-la faz meu coração parar. Eu não posso fugir, não mais, nunca mais.
Volto meus olhos pra fora.
As ruas estão desertas como jamais pensei em ver. Nem uma única alma passa em nossa frente, os semáforos não funcionam mais e os únicos barcos que vejo são os dos caçadores. Isso também é culpa minha. Como permitiram que Peta ficasse na ilha?
Peta… Luto muito pra não dividir minha culpa com ela. É difícil pensar em algum motivo bom pra ela ter fugido, tem que ter…
O carro começa a subir uma encosta, a fazer curvas cada vez mais íngremes, cercada de um muro de pedra de um lado e quilômetros e quilômetros de mar do outro.
Eu não me lembro disso, eu acho que me lembraria de subir algo tão perigoso assim ainda criança… Ou não. Minhas memórias antigas são cheias de furos, o que eu tenho são flashs. Me lembro das árvores, de como meu pai me abraçou forte e como eles não gostaram do tubarão de pelúcia que coloquei dentro do caixão.
Chegamos às portas do cemitério alguns minutos depois. Maressa controla a mente de uns poucos homens de preto que nos aguardavam e enfeitiçados, eles abrem o portão para que passemos. Eu descubro então minha fixação com penhascos.
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Colhemos flores, ajeitamos ele no caixão e quando percebo que o túmulo de minha mãe está vazio começo a me desesperar, é Monara quem me acalma de novo, me fazendo sentar debaixo de uma árvore com vista pro mar. Escuto ele batendo na encosta de pedras, lá em baixo, me chamando.
Eu o odiei por tanto tempo, culpando-o por minha mãe, depois descobri que ele nada mais era que a casa das culpadas e depois que amava uma delas. Penso que talvez devêssemos queimá-lo e lançar suas cinzas pelas ondas, pra que ele nadasse pra sempre comigo… Mas seria egoísmo. Rodolfo pertencia a terra firme e o que restou de Sabrina está em mim, naquele tubarão dentro do caixão e em todas as pessoas que ela tocou. Eles podem descansar aqui, me assistindo de cima enquanto eu tento…
— Heli - A voz de Maressa me chama.
Quando percebo, a sombra da árvore mudou de lugar. Um devaneio. Que saco. É tão estranho que não possamos curti-lo e ironicamente, é o que torna tão parecido com dormir.
Maressa engole em seco. Segura um galão de água. Não entendo até sentir o cheiro de sangue…
Ela coloca o galão de água no chão, fazendo a água subir e cair suavemente de modo que a água caia constante, lavando minhas mãos, meus braços e um pouco do meu rosto. Maressa me ajuda com o sangue no cabelo, quando acabamos, Monara aparece, segurando um buquê improvisado de rosas vermelhas nas mãos.
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O Retorno das Alfas
FantastikHeli foi infectada, Anis foi liberta e o relacionamento entre Heli e Monara parece ter desmoranado enquanto o destino de Heli e Anis parece cada vez mais próximo. No último livro da trilogia, segredos serão revelados e a guerra que parecia ser apena...