Capítulo 12 - Medidas

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Pov: Heli


   Deitada no chão da varanda do meu quarto, conto as estrelas sobre mim.

   O céu nunca foi tão bonito antes, tenho dificuldade se o amo mais quando é dia e as cores se multiplicam sobre mim ou quando é de noite e as estrelas, muitas, muitas estrelas faíscam sobre o fundo azul escuro. É, outra coisa que eu descobri, o céu a noite não é totalmente negro, o azul nunca o deixa totalmente e sobre ar ressecado, milhares e milhares de pontos brilhantes competem pra ver quem possui mais brilho. Meus olhos melhorados agora são capazes de identificar, de quase tocar a luz, de como ela é disforme, de como as estrelas dançam sua valsa pelo céu. Eu poderia ficar aqui o resto da minha vida.

   Se não fosse o frio.

   Devo estar aqui a um bom tempo, a varanda tinha ficado quente mesmo com a fuga do sol mas agora deito sobre um piso gelado. A brisa do mar é fria, não é mais morna, me arrepia inteira mas o céu é tão bonito e descer e voltar a minha realidade parece ser tão difícil, que ignoro o gelo por mais umas horas.

   Meu pai e eu conversamos bastante, o que foi difícil. Ele é tão fofo, me diz tantas coisas bonitas de como a vida é difícil mas tem seus momentos que me faz me sentir culpada por pensar em morrer. Queria ser forte o suficiente pra dizer que seus argumentos não são tão bons. Eu não vou mais conhecer ninguém, sereias não gostam de conversar. Eu não vou casar com alguém, nem mesmo quando tinha Monara ela queria… E eu nunca vou ter a chance de segurar um filho em meus braços. Não, isso são coisas humanas, coisas que fazem a vida deles ter sentido, subir na carreira, estudar, ter dinheiro… Tudo passado, tudo impossível.

   Pedi pra que ele fosse embora porque estava cansada de me concentrar pra não enlouquecer meus sentidos, eu só queria curti-los um pouco mais. Me sentei no chão e encarei as árvores se estendendo como um tapete na minha frente. Uma hora, um passarinho amarelo pousou no chão à minha frente e comeu grãos de alguma semente que tinha voado para varanda. Eu vi suas penas bem de perto, as linhas que as formavam, tudo perfeitamente conectado ao outro, o som que ele fez ao voar… Um trinado agudo e fofo. Eu fiquei sorrindo por uma hora.

   Essas coisas, essas pequenas maravilhas que sou capaz de ver e escutar ninguém me contou, ninguém me mostra, ninguém me ajuda a ver, sou eu mesma explorando o mesmo mundo pacato e cinzento dos humanos e eu nunca o tinha visto tão belo. Às vezes penso que é burrice querer viver só pra ver as estrelas aparecerem e às vezes eu penso que os humanos são uns idiotas por terem outros motivos além desse.

   E pensar que eu sinto e vejo tudo isso fora do mar me faz desejar entrar ainda mais nele.

   A fome me obriga outra vez a me levantar. É, essa é uma coisa ruim de ser sereia, mas o sabor da carne compensa. Sinto pena dos pobres bois que agora alimentam minha fome sem fim, mas entre eles e os humanos…

   Meu pai dorme no quarto em frente ao meu e é assim que descubro que está tarde, pelo seu ronco através da porta. Desejo boa noite a ele ao passar e sigo corredor a fora. Pelos meus ouvidos, há somente um coração acelerado na cozinha… E quando a encontro, levo um susto. Não sei como exatamente é o fundo do poço de uma sereia, mas nunca vi Maressa com um olhar tão abatido.

   Usando um dos roupões que ela pendura pras sereias visitantes, Maressa come sem colher num bowl gigante de carne crua em seu colo. Seu cabelo está solto e rebelde, esconde um de seus olhos e mesmo assim vejo tristeza nele.

   —Quero comida, porque não me levou?

   —Você já pode andar agora — Sua voz sai sem vida — Tem carne no forno, mas deixa um pedaço pro seu pai.

   Abro o forno ainda quente e retiro a bandeja repleta de óleo borbulhante que escorreu da carne, colocando sobre o balcão. Quando puxo a alça da gaveta é que me lembro da minha força e que os talheres são ainda mais frágeis que a madeira… Preciso tentar, uma olhada pra Maressa e sei que ela não vai se levantar tão cedo.

O Retorno das AlfasOnde histórias criam vida. Descubra agora