No meu primeiro dia de trabalho comunitário, lembro de sair da loja de Cláudia tão cansada que sentei na calçada pra esperar o uber que me levaria pra casa e de como mesmo com a calçada quente como uma chapa, não me levantei até que o carro aparecesse. Eu tinha passado a manhã resolvendo coisas com o partido, a tarde varrendo ruas e a noite atendendo clientes fofoqueiros... No outro dia, tão cansada, faltei a aula. E nunca me esquecerei da noite em que meus braços pareciam se partir a cada braçada que dava no mar da praia da Pedra Bonita, tentando fugir dos tubarões... E em nenhuma dessas situações eu estive tão cansada como estou agora, sem o doce poder de Maressa sobre minha mente e meu coração batendo a toda dentro do meu peito.
Meus músculos não doem mais ou não doem tanto quanto doíam quando estavam em mudança. Minha pele ainda está azul aqui e ali, mas em geral, estou até bonita comparada a antes. O que restou da mudança de meus músculos foram estrias brancas que nasceram de um dia pro outro e o cansaço, ah, o cansaço. Meus músculos (que segundo Maressa são novos) parecem ter sido esticados, amassados, moídos e dilacerados tamanho o cansaço. Alguma parte de mim deve existir dor mas meus nervos provavelmente ignoram.
A única coisa que continua a mesma de sempre é a fome. Eu. Não. Paro. De. Comer. Carne assada, refogada, frita... A cada duas horas no máximo, pra onde vai tanta comida se agora meu cérebro é o último que falta pra mudar?
— Tem seus pulmões, sua pele inteira... Seu corpo está se preparando pra entrar em coma — Maressa me explica na oitava refeição do dia — Sei que não é o seu preferido, mas acabou a carne e Peta só pode vir amanhã.
Tenho evitado ao máximo falar com ela, mas estava mesmo curiosa. Pensando assim, que como tanto, pode pensar que eu poderia enjoar da comida ou cansar meu maxilar... Esse músculo está mais do que disposto. E quanto ao sabor... Eu não sei o que Maressa anda colocando e sinceramente, não acho que seja tempero, a carne tem ficado saborosa a cada dia que passa. Eu tento me controlar pra não parecer desesperada, mas assim que ela sai pela porta, começo a comer a carne com os dedos.
— Falando em Peta... Estava pensando em Jonas, filha. O que aconteceu na casa naquela noite?
— Ninguém te contou? — Pergunto com a boca cheia de carne.
— Não, quer dizer, me contaram que Monara foi presa e torturada e que você levou um tiro... Eu deduzi que destruíram a casa pra fugir, foi isso o que aconteceu?
Eu não entendo a tristeza nele até lembrar que não foi apenas Nobert que morreu naquele dia. A mulher dele também, todos os filhos de Nobert, crianças e os empregados que não tinham nada a ver com aquilo. E sabemos disso porque foi noticiado, cada um dos rostos que morreram, porque mais tarde, eles encontraram um jeito de colocar a "explosão" nas minhas costas. Disseram que o ódio de minha mãe passou pra mim e eu armei tudo aquilo como vingança.
O que eles esperam com isso? Eles sabem que estou metida com sereias e que se depender delas e de seus poderes, mesmo se ainda fosse humana, eu nunca mais apareceria.
É isso que meu pai acha que fizemos, matamos inocentes mesmo que tenhamos razão em assassinar os culpados... Eu não sei o que sentir sobre isso. Ficar feliz com a morte de uns é ficar feliz com a morte de todos e ficar triste cai na mesma ideia.
— Não fomos nós... Pai, eles prendiam uma sereia lá embaixo e Maressa a libertou e foi ela que destruiu a casa. — Isso eu posso contar.
—Não tinha outro jeito de sair?
—Não, o pior é que havia... Mas ela ficou presa por setenta anos, ela não se importo com nenhum deles.
E nisso, eu não podia culpar Anis.
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O Retorno das Alfas
FantasyHeli foi infectada, Anis foi liberta e o relacionamento entre Heli e Monara parece ter desmoranado enquanto o destino de Heli e Anis parece cada vez mais próximo. No último livro da trilogia, segredos serão revelados e a guerra que parecia ser apena...