Capítulo 15 - Vida e morte

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   Sinto saudades de dormir.

   Acordava às sete horas, ia para a escola às oito e depois direto pro trabalho comunitário que era sempre um trabalho em pé. Capinar o mato que crescia entre a calçada, pintar uma parede pichada, catar lixo na praia. Depois, um longo expediente na loja, totalmente de pé. Eu ainda tinha que cozinhar porque Monara era incompetente na cozinha e meu pai, coitado, trabalhava o dia inteiro de pé sendo muito mais velho que eu. Mas, quando o sábado chegava, dormir doze horas seguidas me recuperava o suficiente pra passar o domingo inteiro numa praia qualquer com Monara. É isso. Meu corpo fraco de humana descansava muito mais que essa coisa perfeita em que me encontro.

   Devaneios não são dormir. Eu não sonho, eu não paro de pensar, meu corpo e mente não descansam, eles só param de trabalhar, eu esqueço do comando, entro em modo automático. E quando volto a mim, as vezes, nem mesmo me lembro de entrar no devaneio ou pior, fico assustada pela quantidade de tempo desligada. Pra que serve o devaneio? É uma das coisas que eu odeio em minha nova vida, como às vezes esqueço de tê-la.

   Dessa vez, tenho um devaneio dentro da banheira cheia de água e sal em que Maressa me colocou. Meu pai, tão assustado com o que aconteceu, teve de tomar um dos calmantes que Peta trouxe e agora ronca na minha cama… Tive de esconder a bizarrice do meu braço quebrado pelo bem de sua sanidade e após horas numa banheira, ainda estou cansada.

   E agora que voltei a mim, preciso pensar mas minha cabeça só viaja pra Monara. Onde ela deve estar? Será que foi embora de vez? Será que vai voltar? Será que a menina que morou comigo um dia volta? Sinto falta dela. Não da Monara egoísta, da Monara bondosa, sempre ao meu lado, da Monara que passou meses aprendendo a fazer nevar mesmo quando eu a desprezava… Meu cérebro ainda não entendeu que ela morreu naquela praia, que ela foi embora quando eu devia ter ido, que os homens de preto tiraram tudo o que eu mais amava nela. Acho que eu não sou capaz de amar a nova Monara.

   Mas então, porque é que não paro de pensar nela?

   Movo meu braço dentro da água, ele está mais dolorido do que quando entrei aqui. Maressa me explicou depois, calmamente enquanto enchia a banheira, que está doendo por causa de toda a Energia que coloquei nele pra fazer o braço dela congelar. Ela disse que foi demais, que isso requer muito, muito menos Energia e que eu coloquei provavelmente quebrou algum fio dentro da minha pele, mas não importa, porque ele também vai se regenerar.

   Não tão rápido, ela disse, vai ser muito mais lento que o normal. E também… eu preciso dizer, Heli, esse gasto de Energia vai encurtar sua vida fora do mar. Quantos dias, eu perguntei e a resposta foi um chute depois de muita insistência minha. Oito dias. Eu perdi oito dias e agora, morrerei em apenas cinco. Ela disse que é provável que meu braço não se recupere até lá.

   Eu tenho cinco dias de vida.

   Ou não.

   Com meu braço bom, me levanto da banheira, tão cansada quanto a morte, me seco na toalha e visto um roupão de banho pendurado.

   Solto um sorriso quando giro a maçaneta, quando abro a porta e entro em meu quarto porque eu fui capaz de fazer tudo isso sem destruir nada.

   E dou outro sorriso pro meu pai dormindo.

   Ele não sabe dos meus poucos dias, ele não sabe que estou cansada e dolorida, ele não sabe que meu braço está preso a pele apenas. Em silêncio, dou uma sorte ao azar e acaricio seus ralos cabelos pretos, fico feliz ao notar que ele está com uma aparência muito, muito melhor do que quando chegou. Tenho tanto a lhe agradecer, de que modo saberia que o amor de Monara não vale a pena se ele não estivesse ao meu lado me mostrando como se ama alguém? Seu amor é incondicional, ele vai me amar independente do que eu escolher, do que vou ser, do que eu fui. Pode ser que isso seja um pouco errado, mas é o que ele me ensinou. E por isso, o amo da mesma forma. Sou muito sortuda por ter Rodolfo Grayve na minha vida.

O Retorno das AlfasOnde histórias criam vida. Descubra agora