Capítulo 19 - Plástico, Sal e Lua

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Pov: Heli

   Monara tinha me contado por inúmeras vezes o quanto se sentia sozinha no mar e eu acreditei que pudesse me sentir assim, imersa no azul profundo sem nada ao meu redor. Não é o que acontece.

   Viajamos por mares tão claros e transparentes que mais se assemelham ao ar do que a água, mergulhamos em azuis cobalto, caneta, verdes das mais variadas cores e águas tão turvas que mal enxergamos uma à outra. Descubro que o mar é tão diverso quanto as florestas, porém muito mais profundo e sombrio que elas.

   Eu não sinto medo dele, é muito mais admiração, eu me sinto completa o tempo todo. Viajando, não me sinto sozinha, não me sinto triste e mesmo quando a fome vem, ela não me apavora mais. Na verdade, fico triste quando Maressa nada ao redor de enormes cardumes de atum e salmões gigantes para nos alimentarmos. Parece um crime matar coisas tão belas, principalmente por não terem medo na gente, parece crueldade mas é o que precisamos fazer.

   Passamos por águas azuis caneta, frias segundo Maressa mas que graças a ela não sentir pelo favor que ela faz de aquecê-las pra mim. Havia muita vida debaixo delas, caranguejos gigantes, hordas de cardumes com peixes estranhos, e navios sobre eles querendo pesca-los. Quis destruir uma das gaiolas com caranguejos mas Maressa não deixou. Em vez disso, vimos o tapete vermelho que eles formavam no fundo do oceano, quando a água era tão funda que a luz mal a alcançava mas que a vida tinha arrumado uma maneira de existir.

   Vimos baleias também, um monte delas, se deslocando de um lugar pro outro. Imensas, chocantes e barulhentas, resisti ao impulso de tampar meus ouvidos pra ouvir suas músicas e quando elas se arremessavam pra fora da água em pleno alto mar, reuni ar o suficiente pra me lançar com elas, voando sobre o enorme tapete que a água formava, sentindo o calor do sol impiedoso e a secura do mar pra colidir de novo com ele.

   No fim do primeiro dia, descobri que o mar era muito mais iluminado que qualquer cidade a noite. Haviam animais que emitiam luz, pra atrair outros peixes burros para se alimentarem e deixavam o negro do mar tão brilhante quanto o céu sobre eles. No primeiro dia, não tive devaneios, nadei e nadei sem parar, sem cansar, sem enjoar e sem pausa. Havia coisa demais pra que eu me distraísse.

   Vimos o nascer do sol debaixo da água, nos iluminando mais devagar ainda, fazendo escamas brilharem refletidas e luzes se apagarem e quando ele já estava alto no céu e nos aproximávamos e uma horda de aguas-vivas, entrei num devaneio.

   Não durou muito, segundo Maressa. Ela me deixou parada em um só lugar pra que eu não perdesse nada e quando voltei a mim, ela comia um tubarão grande que compartilhamos. Senti falta da carne de boi aí. Os peixes são gostosos, não é isso, mas são menos, bem menos prazerosos, menos gordura, menos sabor, mesmo o coitado do tubarão. Perguntei as águas vivas, Maressa disse que ela já tinham passado, mas como insisti voltamos a nadar.

   Infelizmente, uma parte do enorme cardume se dissipou tirando a beleza do espetáculo mas ainda posso observar algumas. Seus corpos transparentes se assemelham às tristes sacolas de plástico (que encontramos mais vezes que eu gosto de lembrar), suas cores variando em rosa, branco e Maressa me diz que na Austrália algumas chegam a ser azuis. Elas são elegantes, finas, frias e moles, voando sobre nós como balões.

   —Se tem água vida, sabe o que tem ao redor certo?

   Não, eu não sei e não demora pra que eu descubra. Uma dezena de tartarugas passa por nós, perseguindo os pobres balões coloridos que se deixam levar pras correntezas. É a cadeia alimentar, não tem nada que possamos fazer e além disso, as tartarugas são lindas. Cascos grandes e verdes, algumas como uma espécie de musgo crescendo sobre e umas com plástico no pescoço, patas, Maressa perde um tempo as libertando. É triste demais vê-las definharem assim e acabo me sentindo um tanto mal por ter gastado tantas sacolinhas à toa enquanto era…

O Retorno das AlfasOnde histórias criam vida. Descubra agora