Pov: Heli
Acordo com o som do mar.
Acordo com ele entrando em cada parte do meu corpo, retumbando em meus ouvidos, vibrando em todo o meu ser. Me chamando. E assim eu sei que agora eu sou parte dele.
Meus olhos se abrem sem dormência ou qualquer coisa que os torne devagar e miram a coisa mais caótica que vejo na vida. Um teto pintado de verde escuro, repleto de pequenos grãos de areia que nunca notei antes e agora sou capaz de enxergar, como a tinta não é uniforme por exemplo, onde cada pincel tocou o concreto e o transformou numa coisa feia e bizarra. É tudo bizarro.
Uma coisa me agarra pelo ombro e tento tira-la e acabo rasgando o tecido... Demora um pouco pra que eu perceba que são roupas, o teto é interessante demais. Jogo pro lado meu lençol e sem querer ele voa até a cortina. A cortina escura e repleta de poeira de Maressa.
As roupas me apertam, o travesseiro me toca, a cama me toca e tudo me incomoda. Sinto cada maldita peça tocando meu corpo, me prendendo a amarras, não consigo me concentrar... Rolo pelo colchão até cair no chão, até nada me encostar na não ser as malditas roupas e o chão e uau. Meus olhos nunca viram coisa tão bela.
Uma frecha de luz branca escapa pela cortina e eu vejo, vejo a poeira voando em direção ao chão, um pequeno arco íris que se forma, provavelmente pelo vidro e um ou outro organismo. Fecho os olhos. Isso me cansa também.
Então é a vez dos ouvidos. Escuto folhas caindo de galhos, ouço o cantar de pássaros e quando um deles bate as árvores e corações... Três corações batendo lá embaixo dizendo coisas que não entendo por tanto som que a floresta tem. Empurro meus dedos nos ouvidos mas as unhas são longas, longas demais, os tapo com a palma e abafa uma ou outra coisa.
Meu nariz começa a trabalhar no instante seguinte. O cheiro da água salgada o alcança e de repente a desejo mais do que tudo na vida. Mais que comida, mais que um abraço, mais que respirar... O desespero me acalma e calmo, o mar volta a bater bizarramente em meus ouvidos.
Abro os olhos, destapando os ouvidos e tudo volta. Grito. Paro. Toco minha garganta, o som que saiu não é a minha voz. Mas que merda... Meus olhos acham outra coisa interessante, o tanto de digitais na porta de madeira do banheiro. Por que é que tudo tem tanto detalhe? Por que tudo me aperta? Por que eu tenho que ouvir tudo...
Escuto passos na escada, sei que estão chegando e eu estou sentada no chão como uma maluca. Empurro meu corpo pra cima com as mãos e de pé, o mundo é tão caótico quando parece. Marcas de mão, comida, suor, lágrimas, pegadas, poeira, organismos tudo isso aliado a pinturas mal feitas nas paredes e detalhes, muitos e muitos e muitos detalhes... É impressão minha ou estou mais alta?
A porta se abrindo faz um barulho tão alto que tomo um susto.
Maressa é o primeiro rosto que vejo com meus olhos novos e descubro que Monara tem razão. A beleza dela não é tão gritante, ela só é bonita. Sobrancelhas simétricas, rosto simétrico, pele lisa e perfeita. Ela abre a palma em frente ao corpo como se temesse alguma coisa...
— Heli, sabe quem sou eu? — Ela diz. Parece gritar então tampo os ouvidos — Posso amortecer isso, se você quiser, tem gente que quer te ver.
— Por favor... — Digo, mas não é a minha voz que sai da minha boca.
Pela primeira vez, sinto a diferença do mundo com Maressa em minha mente. Não sinto nada em meu cérebro, sinto o apagar das coisas ao meu redor. Paro de escutar o barulho dos pássaros e das folhas lá fora, as roupas desaparecem da minha pele, o cheiro de sal escapa do meu nariz. Me acalmo imediatamente. A única coisa que continua demais são meus olhos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Retorno das Alfas
FantasyHeli foi infectada, Anis foi liberta e o relacionamento entre Heli e Monara parece ter desmoranado enquanto o destino de Heli e Anis parece cada vez mais próximo. No último livro da trilogia, segredos serão revelados e a guerra que parecia ser apena...