Capítulo 1.

666 26 2
                                    

- Você podia ao menos tentar, sabe? - a voz de Augusto me enche os ouvidos enquanto olho a paisagem pela janela. Tiro os olhos de Los Angeles, apenas para encarar os dele pelo retrovisor. - Non fare quella faccia, vai.

- Que cara?

- Cara de quem vai me matar. Eu já sou acostumado com suas expressões, então desista. - ele volta a olhar para a frente. - Quero dizer que você podia ser um pouco mais sociável nessas ocasiões, tipo falar com gente nova, sabe? A gente não tem laços dentro dos negócios a muitos anos, e sabe como os conseguimos na maioria das vezes? Por conversazioni, por conversas. Amizades, quem sabe? - fecho os olhos por um momento.

- Amizades. - repito a palavra, apreciando a forma com que se estende de maneira ridícula em meus lábios e em minha língua de origem: - Amicizia. - retiro o isqueiro do bolso e mexo e remexo no fecho, distraído. - Isso não existe. - Principalmente com a vida que levamos. Não tenho amizades. Não procuro amizades. O termo me enjoa. Soa infantil, para mim.

- É assim que eles enxergam, e de qualquer forma nós precisamos de laços, Crusher.

- Não preciso de laços.

Criei um império com minhas próprias mãos. O único laço que tive foi comigo mesmo.

- Mas se alguma hora as coisas ficarem sujas para o nosso lado, pode ser que o outro seja mais forte e nós não tenhamos nenhum laço com outra máfia para fortalecer nada. Já parou para pensar nisso? Se alguma merda acontecer, não temos um contato sequer que nos ajude. Ou queira nos ajudar. Você sabe que laços são mais valiosos que subornos. Irão querer nos ajudar por irmandade.

- Não. Tudo é dinheiro, Augusto. Ofereça um bilhão para o inimigo. Ele será seu irmão mais fiel.

Augusto bufa.

- Certo, certo. Você venceu. Mas pode ao menos fazer um esforço? Fingir ser um cara sociável, ao invés de olhar para metade do cassino como quem fosse realizar um massacre a qualquer momento? Eu sei que você é do tipo quietão, mas ser tranquillo nem sempre é um benefício. - ele finaliza, e não pronuncio nada a respeito. O silêncio é meu melhor amigo, e nunca me desfaço dele. Com silêncio se escuta, se percebe, se digere. Com silêncio não tomo atitudes impensáveis, não falo palavras que não sejam planejadas a serem ditas.

O carro freia lentamente até parar em um velho restaurante de comida japonesa. Saco o cigarro e uso o isqueiro no qual estava brincando para acendê-lo. Eu o guardo, analiso a janela, solto a fumaça e espero que meus homens saiam primeiro que eu antes de pensar em sair. A chuva cai e molha sob a noite fria de sexta-feira, e eu desço do carro e fecho a porta.

Sigo para dentro do restaurante, que a princípio se parece com um. Victor pronuncia uma série de palavras em Japão para uma senhorinha velha, e ela olha para cada um de nós antes de abrir passagem. A pequena porta se abre, dando para um corredor longo com escadas estreitas que ao fundo dão para duas portas modernas demais para fazerem parte do restaurante - e não fazem. Quando Augusto as abre, o cassino é revelado, cheio de homens de terno pretenciosos, mulheres semi-nuas e cheiro de substâncias ilícitas no ar.

Não dou um crédito ou confiança para nenhum dos homens aqui. Sou capaz de apostar milhões que oitenta por cento são tão sujos quanto a sola do tênis que uso e possuem tantos podres quanto um mero psicopata. Percebo os olhares. O chefe quieto chegou. O que nunca fala. Que não sorri falsamente e se diz capaz de apoiar meras máfias em troca de alianças.

- Um sorriso, talvez? - Victor murmura ao meu lado.

- Estou aqui por sua causa. Pisar meus pés aqui já é um sacrifício completo. - murmuro de volta, sereno. Ele bufa.

- Tudo bem, não sorria.

- Olá, Ramos. - somos interrompidos por um homem branquelo, de baixo porte e cabelo coberto por gel que se assemelha a gordura. Ele sorri para mim, o típico sorriso tubarão que beira um interesse a mais do que apenas me conhecer. Estou acostumado a recebê-los. No entanto, não quer dizer que eu goste. - É um prazer conhecer você.

Não o respondo, mas posso sentir Victor ao meu lado lançando-me um olhar que condiz "faça o mesmo", "o cumprimente", "fale alguma imbecilidade para nutrir as esperanças dele", enquanto não tenho a mínima vontade de sustentar conversa alguma. Mas acabo erguendo a mão, e o aperto é forte e agitado contra a minha.

- Meu nome é Lewis, e posso dizer que... é um prazer enorme conhecer o dono da maior máfia de LA. Se soubéssemos que viria e aceitaria nosso convite certamente teríamos nos preparado com antecedência. Como não costuma aparecer em nossos eventos, estávamos suspeitando que fosse um fantasma, ao invés de um homem real. - ele ri, uma risada nasalada que logo é acompanhada pela de Augusto ao meu lado.

- É o que digo a ele, mas, sabe, é para isso que ele me tem. Sou aquele que o impulsiona nesse ramo.

- Oh, isso é ótimo. Nem todos somos capazes de dar conta de todas as responsabilidades. - ele ri outra vez, a risada enjoativa se estendendo por tempo demais até que ele pare de dar risada. - Bom, espero que se sinta à vontade aqui. Sem dúvidas terão muitos homens interessados em lhe conhecer, mas espero que consigamos conversar mais que todos eles. - continuo o encarando, sem responder sua sugestão irrelevante. Não tenho interesse em conversar com ninguém. - Aceita uma mesa? Na verdade, temos a área vip, nós podemos facilmente providenciar uma a você.

Quando Victor percebe que não irei respondê-lo, acaba respondendo por mim:

- Sim, ele aceita.

- Ótimo, sigam-me. - Lewis sai andando em nossa frente, de forma que Augusto possa se virar para mim e começar a despejar seus sermões:

- É sério? Você não podia fazer um sforzo, um esforcinho sequer, Ramos? - eu o ignoro. Continuamos caminhando pelo cassino cheio até subir por escadas iluminadas e ver Lewis sussurrando algo para o segurança, responsável por abrir passagem aos assessores da área vip, que apenas arregala os olhos em minha direção e abre a faixa vermelha. Passamos por eles, e a área é rodeada por sofás e uma mesa coberta de petiscos e bebidas caras.

- Saiam daqui. - Lewis expulsa alguns homens que se encontram ocupados no que parecia ser o início de um ménage. Assim que saem, ele gesticula para os sofás, onde apenas eu e Victor nos sentamos enquanto o resto se posiciona ao redor. - Bem, não cheguei a perguntar, mas o senhor deseja alguma... distração enquanto está aqui? - eu o olho fixamente, sabendo que está me oferecendo uma prostituta. Ou não apenas uma. Mas não sou interessado em prostitutas. Não sou interessado em mulheres. Em ninguém.

- No. - respondo, e Lewis parece entusiasmado com a primeira palavra que dirijo a ele.

- Certo. E você, Augusto?

- Oh, não, eu namoro. Mas obrigada por oferecer. - diz.

- Não há de quê. Eu já volto. - Lewis sai da área vip, o cabelo encharcado reluzindo nas luzes amareladas do local.

Medicine | Volsher.Onde histórias criam vida. Descubra agora