- Inclusive, convidei Bárbara para vir.
Apago o cigarro lentamente, processando o que acabou de me dizer.
- Convidou sua namorada. Para um cassino cheio de criminosos.
- Não seja intrometido. É você quem faz com que eu mal veja ela durante a semana. Trabalho demais, e ainda sim coloquei este evento acima de qualquer outra coisa para fazer com ela, porque sei que lhe fará bem fazer contatos. O mínimo que posso fazer para vê-la é trazê-la no mesmo evento que eu. - ele tenta se acalmar enquanto pega uma das garrafas de vinho acima da mesinha de centro. - Eu sou um criminoso, todos somos. Se qualquer coisa acontecer a ela, sei que ela vai me ter.
- Não admito que crie confusões por conta dela. É inutile.
- Crusher, quando amar alguém, se é que isso um dia irá acontecer... você volta e pensa em me dar moral sobre isso outra vez. Enquanto isso não acontecer não vai entender. - ele vira a taça na boca. Então que ele possa esperar prontamente deitado em seu caixão, porque nunca acontecerá. Não aconteceu em meus vinte e sete anos de vida até agora; não poderia acontecer pelo resto dela. - Ao invés de usar sua voz para intromettersi na vida dos outros, use para socializar, que tal? Veja o tanto de homens. Aquele ali com certeza é Heyes, de Las Vegas. Sabe quanto ele lucrou no ano passado? Um bilhão a cada três meses.
- Me passou?
- Não.
- Então non mi interessa.
Victor fica mudo. Quando pensa em falar algo, somos interrompidos por um tumulto no andar de baixo. Me inclino levemente, a tempo de ver outro homem rondado por seus seguranças adentrar o local. Victor faz o mesmo, mas não fica inexpressivo como eu. Porque certamente não me interesso em saber quem é, enquanto ele já deve saber. Seus olhos se arregalam, e ele olha para mim com um ligeiro desespero.
- Porra. Vai me falar que você não sabe quem é o desgraçado do andar debaixo? - meu silêncio responde por minha voz. - Ele é o Billie. Billie Capone. - Victor enfatiza. Lembro-me do sujeito apenas pelo sobrenome. - Seu pai matou o pai dele a décadas atrás. - diz, como se eu precisasse me lembrar do evento que parou a Itália.
Como se precisasse me lembrar da cabeça que meu pai me mostrou, sem o corpo, o sangue deixando trilhas na sala; o sangue da cabeça de um homem chamado Capone assim que voltou do confronto.
Na época, morávamos na Itália, meu país de origem, antes que eu estendesse os negócios para a américa do norte e mudasse a sede da Italian Blood para cá. Meu pai ainda era vivo e um fenômeno.
Mas lembro-me bem. Era um moleque. Mas lembro da movimentação tensa e da pressão que recaiu sobre a casa, dos homens de meu pai em fileiras e mais constantemente armados do que era acostumado a ver; do dia em que a casa ficou em silêncio, porque todos haviam ido para a guerra. Do barulho de passos lentos da sala quando acabou.
Da imagem de meu pai sorrindo para mim, segurando os cabelos de uma cabeça sem o corpo. Os olhos da cabeça estavam arregalados, o pescoço sangrando como uma mangueira espirrando água. Meu pai se agachou e me olhou.
- Traditori, Arthur. Traidores. É isso que fazemos com eles. - ele olhou para a cabeça. - Traiu nosso laço. Se aliou ao inimigo. E amou uma mulher que não era dele. Que era minha. Sua mãe. - a mãe que eu não havia visto naquele dia. Lembro-me de choros no quarto dela. Ela não havia saído de lá, desde que ele foi para a guerra. Meu pai então se levantou. - Vá para o quarto, se tranque no armário e tampe os ouvidos. Quero a cabeça dele e a dela na minha mesa. Uma do lado da outra. Essa é a única forma de ficarem juntos: mortos. - ele riu. - Como Romeu e Julieta. Não é romântico? - ele tocou meu queixo e saiu andando.
Lembro-me do dia que matou Capone. Foi o mesmo que matou minha mãe.
- Como ele veio parar em Los Angeles, porra? - Victor questiona.
- Pelo mesmo motivo que eu. - pego a caixinha no bolso, para acender outro cigarro. - Por dinheiro.
- Não, ele tinha dinheiro o suficiente lá.
- Por expansão. Expansão traz dinheiro.
- Mas expansão gasta um bom dinheiro. Mesmo que traga, antes disso ele precisa ter bilhões de reais para se mudar e se instalar como você fez, e ouvi falar que Billie teve que ficar na Itália para conseguir levantar a máfia outra vez, a máfia que seu pai destruiu. Então não é possível que já tenha dinheiro para expandir sua máfia e investir aqui. Logo aqui.
- Isso foi a uma década. Uma década pode ser muito tempo.
- Não, uma década...
- Augusto. - puxo a fumaça e a solto pela boca lentamente, tentando manter o controle para não afundar o cano de uma arma em sua boca. - Billie Capone está aqui porque seu intuito é expandir sua máfia para a américa do norte; para os Estados Unidos, assim como eu. A lógica faz com venhamos para a cidade mais suja em termos criminais e nos instalemos aqui porque teremos um público comprando com mais frequência, porque teremos uma polizia mais fraca. O que meu pai fez, os erros que cometeu, tudo que carregou consigo mesmo foram enterrados junto a ele a sete palmos da terra, onde tudo o que lhe deve ter restado agora foram seus dentes. E mesmo que tente, mesmo que Billie tente fazer algo contra mim... não poderia estar mais despreocupado. Não me faça querer lhe matar por ter me trazido aqui. - trago outra vez, voltando ao meu estado de espírito normal.
Augusto não diz nada. Ficamos em silêncio, até que seu telefone toca. Não preciso saber quem é; a voz passiva de Victor delata que está falando com sua namorada. Ele se levanta do sofá e instantes depois volta com ela nos braços, um sorriso largo no rosto, como se não houvesse pressuposto uma ameaça dentro do local a minutos atrás.
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Medicine | Volsher.
Romance"Ela não é uma droga. É minha medicina. Drogas te fazem esquecer dos seus problemas, mas medicina... cura. Ela me cura. Mas sem esquecer do que eu vivi."