Máfias italianas amam casas grandes.
Casarões largos e amplos de estilo antiquado. Janelas do chão ao teto em formatos medievais. Paredes altas e exageradas com quadros largos de gerações antigas. Pedaços de jornais antigos sobre tiroteios que envolveram meus antepassados. Quando morava na Itália, minha casa sempre fora grande demais para que apenas meu pai e eu morássemos no local. Grande demais. Vazia demais. Silenciosa demais.
Houve uma época em que havia me convencido de que odiava casas grandes. Mas então, meu pai decidiu levar-me ao primeiro natal com meus avós. Eles haviam o mesmo estilo de casa. Mas muito mais distantes da civilização de qualquer cidade que rondava a casa deles.
Esta é a que mais me identifico. Longe de olhos curiosos. Longe de movimentação. Longe de barulhos de carros, resumindo-se apenas ao barulho de pássaros e as folhas dos pinheiros movimentando-se.
- Não... isso não é uma casa. É uma mansão. - diz Carolina, ofegante, quando o carro freia lentamente em frente às duas portas principais. - E é tão sofisticada. Eu estava imaginando que fosse uma casa normal, com dois andares e tudo mais... mas são umas seis casas normais todas juntas em uma só, e isso tudo ainda por cima de uma montanha. Quantas pessoas moram nela? E como conseguiram esse modelo tão antigo e bonito em pleno século vinte e um? Não acredito que simplesmente tenham encontrado ela aqui, no meio do nada, e terminado de construir.
- Bom, quantas moram meeesmo apenas Crusher, mas quantas ficam dentro delas durante o dia e noite, aí é diferente. Umas cem pessoas, provavelmente. - Bárbara diz.
- E respondendo à segunda pergunta, sim, nós mandamos fazer. Queríamos uma no estilo das cidadezinhas da Itália, porque é difícil encontrar os mesmos estilos aqui, nos Estados Unidos. - explica Victor.
- Nossa. - encontro os olhos dela pelo retrovisor, sabendo que estava me olhando através dele a muito tempo.
Os cinza-esverdeados me observam com curiosidade, interesse e outra coisa perigosa demais para uma garota politicamente correta e amorosamente relacionada. Deve estar se perguntando se vim da Itália, se fui eu quem deu a ideia, se quis me aproximar de meu país por meio de um local que se assemelhava e lembrava a ele. A resposta, mesmo que não fosse ser dita a ela, é sim. Para tudo. Ela é esperta. Questionadora. Faz sentido fazer pedagogia.
- Foi uma boa ideia, porque ficou linda. - diz.
Um de meus homens abre a porta para que eu saia, e assim que todos estão para fora do carro, as portas são abertas para que eu entre e que me sigam. A entrada está coberta pela escuridão, assim como a madrugada que cai lá fora e o frio que se instala devido a ela. Estamos em uma montanha, no alto de uma floresta, onde o vento é quase congelante. Quase sem que perceba, observo os braços de Carolina se arrepiando. Ela leva as mãos a eles e afaga a pele, sem dúvidas sentindo frio.
Paro em frente a porta e espero que a abram, deixando com que todos entrem primeiro. Lar doce lar. Fora de interesses. Fora de exigências sociais. Augusto dera uma péssima ideia ao me fazer colocar a cara para fora.
- Bom, pelo menos souberam que você está vivo. Incluindo Capone, mas vou fingir que não o vi e que ele não pode ser a porra de uma ameaça para nós. Ele estando bem longe dos nossos negócios, está ótimo.
Não digo a ele que nos entreolhamos na saída. Que talvez saiba quem sou. Que fui eu a ver meu pai com a cabeça do dele nas mãos, sorrindo e fazendo o mesmo com minha mãe em seguida.
- Quem é Capone? - Bárbara pergunta.
- Ninguém em especial, amor. Uma longa história.
- Não é aquele mafioso famoso que teve um confronto na Itália a uns dez anos atrás? - paro de andar lentamente. Victor e eu nos viramos e olhamos para Carolina. Suas bochechas adotam um tom quente e ela leva os dedos aos fios de cabelo loiro, deslizando-os ali em um gesto tímido. - Ah, eu tinha TV, né? E minha avó ama rádios e jornais, então não foi difícil eu lembrar do fenômeno que aconteceu lá. Ela ficou falando toda a hora "ainda bem que não nascemos na Itália", "esses gângsteres sujos", "onde está a polícia deste país"... sério que você não lembra, Babi?
- Não! - Bárbara bufa. - Ela é assim, tá gente? Precisa ficar mais ciente do ditado "a curiosidade matou o gato", porque essa aqui, meu Deus... - Babi a puxa pelo corredor. - Onde está Mob? Não deveria estar aqui a uma hora dessas? Deve estar dormindo, provavelmente.
- Dormindo? - Augusto começa a gargalhar. - Per favore, Mob dormindo em uma sexta-feira à noite é o mesmo que dizer que leões são herbívoros. Ele é o que mais sabe aproveitar a vida de gângster dentro todos nós.
- Se você quiser dizer aproveitar como comer prostitutas sem parar, Victor, você vai se ver comi...
- Não quis dizer isso, meu amor. Quis dizer beber, se divertir... ao auge da juventude Crusher tem dentro de si o espírito de um velho, por exemplo. Porque nem para socializar ele está tendo paciência. - não reajo diante do comentário. Se for dar alguma importância ao que dizem sobre mim, já teria me tornado um neurótico. Observo Carolina virando o rosto para me ver e dar uma risada leve e silenciosa. Acabo erguendo uma sobrancelha, o que a faz parar de rir, mas não de achar graça. Do quê, eu não sei.
Quando entramos na sala de entrada, ela suspira.
- Caramba... é mais elegante ainda por dentro. - vai em direção a um dos quadros e passa os dedos pela borda do objeto, os retalhes antigos modelando por sua mão. - Vocês Italianos são elegantes, não? Uma vez estudei sobre a cultura da Itália, e vocês gostam de monumentos antigos e literatura, poesia, tudo o mais... é tão bonito. Acho que a Itália seria um país que eu facilmente conheceria. - ela fala baixo, como se estivesse dizendo a si mesma. Mas não há mais ninguém a escutando além de mim. Os dois prudentes começaram a se engolir outra vez.
Os dois vão em direção à escadaria da esquerda. Sei que é para o quarto de Victor.
- Nossa, eu amo o jeito que ela me traz aqui pela primeira vez e simplesmente some com o namorado. - Carolina balança a cabeça. - Bom, onde vou dormir? Estou morrendo de sono.
- Andar de cima. - pronuncio.
- Qual dos? - ela ri. - Sério, aqui é muito grande. E silencioso. Parece até um castelo. - ela continua me seguindo enquanto começo a subir as escadas. O barulho da sola de seus tênis faz um leve ruído enquanto ela sobe. - E você conseguiu fazer tudo ser preto de um jeito muito bonito. - ando pelo corredor largo do andar de cima, passando por várias portas e quartos de hóspedes. Escolho o mais longe possível da porta do meu. Não quero que ouça.
Paro em frente a uma delas, viro-me e fico de frente para Carolina.
Seus olhos pousam nos meus, brilhantes e curiosos, os lábios se entreabrindo em busca de ar e um aroma tomando conta de minhas narinas. Um leve cheiro de especiarias e algo exótico. Nunca havia sentido algo parecido. Meus olhos são puxados até seus lábios, incapazes de se render ao impulso. Cheinhos, arredondados. Feitos para mordidas, talvez. O gosto não me interessa. Se é doce, se é gostoso, se é viciante. Não me... interessa.
Percebo a forma com que sua respiração se intensifica. Com que a minha se dificulta. Viro a maçaneta e abro a porta, a fazendo piscar e olhar hesitante para o lado.
- Ah, hum... obrigada. - ela começa a entrar. - Boa noite. - e fecha a porta levemente.
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Medicine | Volsher.
Romance"Ela não é uma droga. É minha medicina. Drogas te fazem esquecer dos seus problemas, mas medicina... cura. Ela me cura. Mas sem esquecer do que eu vivi."