Capítulo 53.

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Minhas pernas falham ao tentarem se manter de pé. Tento andar. Não sei ao certo o que foi destruído. Apenas ando. Carolina. Carolina, Carolina, Carolina... Sinto algo arder em minha cabeça. Ela é puxada para trás. Caio de joelhos. Não consigo reagir. Meu corpo é uma inércia. Dor física lutando contra a psicológica.

- Isso. Exatamente assim que deve se manter, Ramos. Ajoelhado diante de mim, porque certamente é muito mais inferior a mim. - ele puxa minha cabeça outra vez. - Olha, porra. Quero que fique em sua mente. Que foi responsável por matá-la. - ergo os olhos, e as palavras ecoam dentro de mim. Que foi responsável... por matá-la.

Carolina está ajoelhada. Uma arma aponta na direção de sua cabeça. Seu rosto está coberto de lágrimas, e quando olha para mim, juro que vou morrer.

Morrerei. Morrerei se viver com a culpa de tirar a vida dela. De tirar a vida de mio dolce. Da garota mais doce do mundo. Doce, espontânea, contagiosa. A melhor coisa que aconteceu em minha vida.

Morrerei. Morrerei e, se não me matarem antes, certificarei de que eu mesmo tire minha vida. Cada machucado em seu corpo é de responsabilidade minha. Cada lágrima que escorre em seu rosto ferido... é culpa minha. Eu a provoquei uma das piores sensações. Era de obrigação minha estar debaixo da terra agora. Morto. Deixo-me ser consumido pelo pânico, e ele vem. O pânico mais agudo que já senti. O de perdê-la.

Ele atinge cada pedaço meu. Medo puro, genuíno. Terror. Intenso. Aperto as mãos em um punho. Não. Respiro fundo. Uso de cada centímetro meu para pensar. Não funciona. Quero arrancá-la dali; quero arrancar a cabeça de todos a tocarem nela. Quero que arranquem a minha.

- Crusher. Crusher, tá ouvindo?

Ouço um som abafado. Vários sons abafados. Tiros, gritos... no entanto, este vem de meu ouvido. Se assemelha à voz de Augusto.

- Crusher! Escuta, precisa tirar Billie daí. Deste ângulo. Precisamos dele no meio do prédio, e conseguiremos atingir ele. Consegue fazer isso? Crusher!

E então, algo acontece. Um tiro ecoa no ar, e os dois segurando Carolina caem no chão. Billie afrouxa a mão, e é minha deixa. Não sei de onde a força sai. Viro-me e desfiro um soco em seu rosto. Agarro sua arma, dando um tiro em sua perna. Billie geme. Não o olho. Largo a arma no chão e vou correndo até Carolina.

Ela tenta levantar. Tropeça, tenta outra vez. Sai correndo em minha direção. Minhas pernas fraquejam. A pego no meio do caminho, e nossos corpos desabam um contra o outro. Caio de joelhos, e meus dedos vão trêmulos para o rosto dela. O quentinho da pele dela faz-me respirar. O oxigênio retorna. Volto a respirar. A pensar. A raciocinar. Volto a lembrar-me de que vivo, porque a toco, e tudo volta ao normal. Tudo faz sentido. Minha vida volta a girar no eixo correto.

Pequenas manchas se sangue se espalham por seu rosto. Tento retirá-las. Minha voz é rouca.

- Me perdoa.

Seus olhos lacrimejam. Carolina envolve as mãos em meu rosto. Seus olhos se mergulham nos meus, e eu mergulho em seu calor. No calor de seus dedos.

- Crusher...

- Me perdoa.

Ela balança a cabeça.

- Não... não foi sua culpa...

- Me perdoa, mio dolce. - sussurro, sem saber pelo que estou me perdoando.

Por tudo. Por tê-la aproximado de mim. Introduzido-a em um mundo obscuro. Por não tê-la afastado enquanto pude. Por ter voltado para ela, quando deveria me afastar. Por tê-la afastado de mim. Porra, não deveria ter a afastado. Ela deveria estar em casa. Sob minha atenção. Sob minha proteção. Não há mais volta. Meu cérebro não funciona mais bem sem ela. Vou lhe dizer mais algo. Vou lhe tirar daqui. Vou matá-los, matar todos que lhe tocaram...

Sinto um empurrão.

Meu corpo tomba para o lado, e tudo ocorre tão rápido quanto se iniciou. Carolina grita. Agarro a mão dela, e antes que eu caia prédio abaixo, agarro a borda do teto. Aperto os dedos dela, desespero tomando conta de mim. De cada parte minha. Meus dedos queimam. Cada centímetro meu queima. Meu corpo irá ceder, e a mão que segura Carolina está pesada. Iremos cair. E não há nada que eu possa fazer. Um pé pressiona meus dedos, e eu gemo.

- Filho da puta. Achou que ia escapar, Ramos?

- Achei que gostaria de poupar sua vida, mas ao que parece está pedindo que eu arranque cada pedaço de órgão seu, porra! - rosno, ele pressiona o pé contra meus dedos mais forte ainda. Sua outra perna está sangrando. Minha mão começa a ficar dormente. Estou perdendo a força, meus músculos queimando, mas não vou. Não vou sair daqui. Não vou deixá-la cair. Não vou. - O que quer de mim, porra?

- Eu já lhe disse. Sua máfia. Não vou lhe deixar em paz até consegui-la. Mas... teve a oportunidade de me matar inúmeras vezes hoje, Crusher. Por que não o fez? - não digo a ele. - Bom, não importa. - ele volta a pressionar meu dedo. Minha mão fraqueja. Meus dedos apertam mais os de Carolina, e eu a sinto escorregar de mim. Meu coração para.

- Crusher... - ela sussurra.

- Não me solta.

- Mas...

- Não me solta, Carolina.

Ela lacrimeja.

- É melhor você soltar, Crusher. Vou cair daqui de qualquer jeito...

- Não vai. Você não vai. - minha voz transborda medo. É então que olho para baixo. Mob para a vã próxima e sai pela porta, deixa a arma cair e se posiciona logo abaixo. Olha para mim, como quem pode pegar Carolina. Analiso a altura. Ela é leve. Billie intensifica o aperto, alheio ao que acontece logo abaixo, e gemo outra vez. Meu corpo é coberto por dor. - Carolina, olhe para baixo. - ela ofega e olha, observando Mob. - Ele vai te pegar, tudo bem? Você vai ficar bem. - ela volta olhar para mim, rapidamente, e seus olhos transbordam. Sua mão aperta mais a minha.

Seus lábios tremem, e ela balança a cabeça freneticamente.

- E você?

- Também vou.

- Crusher...

Eu a solto. Vejo Mob a agarrando, desequilibrando-se levemente, mas conseguindo agarrá-la. Com a outra mão, pego impulso e agarro a perna baleada de Billie. A aperto, e ele grita. Uso-a de impulso para me erguer, piso no parapeito de uma janela e subo. Meu corpo grita de dor. O dele cai. Ele tenta agarrar uma arma. Eu a chuto, subo acima de seu corpo. E o soco. Impiedosamente. Com força.

Força que acreditei não existir mais.

Cada socar faz-me querer desformar mais seu rosto. Distorcê-lo. No entanto, lembro-me de que preciso mantê-lo vivo. Levanto. Ele está desacordado. Corro até a escada, destruída. Desço todos os lances de escada outra vez. A fumaça da explosão nubla minha visão. Arde minha respiração. Faz-me lacrimejar.

Arde respirar. Arde ver. Tudo arde. Por alguma razão, começo a ficar tonto. Forço-me a andar. Tropeço em um dos degraus. Acabo caindo.

Tento levantar. Consigo. No entanto, andar fica mais difícil ainda. Arrasto-me até o último lance de escadas. Minha visão está apagando. Sinto falta de ar. Meus joelhos tremem, e sei que não conseguirei mais andar. Jogo-me na frente da entrada. Meu corpo desaba. Não consigo mais pensar. Minha visão desfoca por inteiro, e vejo apenas vultos. Gritos. Ouço apenas ela.

- Não! - Carolina grita. O grito é agudo. Desesperado. - Não! Não! Não! Não! Se ele não sair eu vou entrar! Me solta! Me solta, Victor! Eu... - ela se vira. Parece se virar. Não consigo enxergar. Não consigo emitir um som. Apenas ouvir passos. Passos abafados. Que se aproximam. Passos e mãos quentes. O cheiro dela. O ofegar dela. - Crusher? Crusher? - a voz sai chorosa. Baixinha. Sinto pequenas gotas em meu rosto. - Ai meu Deus... não... - outras mãos me envolvem.

E é quanto apago.

Medicine | Volsher.Onde histórias criam vida. Descubra agora