- Para onde vamos, mamãe? - tento acompanhar seus passos, mas ela está andando rápido demais. Minhas pernas são pequenas, então acabo tropeçando enquanto me puxa. Sua mão é tão forte em meu pulso que dói. Ela estava com raiva. Havia acabado de falar com papai. Ele brigou com ela, porque mamãe não queria sair comigo. Raramente saia, e, quando o fazia, era por pressão dele. - Mamãe, onde...? - ela para de supetão. Sua mão aperta meu pulso com mais força, e eu gemo de dor. Suas unhas se fincam na minha pele.
Está machucando... mas quando me vira em direção ao corpo dela, a repulsa em seus olhos dói mais. O nojo que sente ao me olhar.
- Cale essa boca idiota, Arthur. Agora, antes que eu seja capaz de cortá-la fora para que você nunca mais fale. Já lhe disse mil vezes que não quero que me chame desse nome ridículo. Mal suporto te olhar, quem dirá ouvir você me chamando dessa coisa e me lembrando que minhas tentativas de aborto deram errado. - ela volta a me puxar.
Minha visão borra, e não consigo engolir o choro. Papai vivia me dizendo que se eu chorasse, me espancaria. Mamãe não suportava me ver chorando, mas... não consegui mais segurar. A tristeza em meu peito aumenta tanto que transborda. Lágrimas escorrem em meu rosto. Lágrimas de tristeza. Um soluço me escapa, e minha mãe se vira num vulto.
- Cala a boca! - ela grita, fazendo-me pular em susto. - Para de chorar, seu insuportável! Parece que é só o que consegue fazer! - minha garganta dói, e só consigo chorar mais. - Acha que é o único que tem direito de se lamentar pela sua vida? Pergunte ao seu pai se chorar resolveu o fato de ele ter me estuprado e gerado uma coisa horrenda que nem você. Se chorar enquanto você mamava no meu peito, porque eu nunca tinha visto coisa mais horrível, impediu seu pai de me obrigar a fazer isso! Pergunte! - ela grita. Então, segundos depois, sorri. Ainda estou chorando, quando volta a me puxar. - Nós vamos brincar no lago.
De alguma maneira, eu soube que algo estava errado. Ela não gostava de brincar comigo. Quando chegamos, vejo um barco na beira da lagoa. Ela me puxa até ele, me colocando dentro de lá. Sobe depois de mim, começando a remar mais para dentro do lado. Em algum momento, meu choro parou. Começo a prestar atenção na água. Ver se consigo ver peixes. Começo a acreditar que mamãe realmente me levou para brincar.
Até que, de repete, sinto mãos me empurrando. Meu coração dispara.
Tento me equilibrar, mas elas me empurram de novo, e eu caio na água gelada. Não consigo ter tempo de pedir para mamãe me ajudar. Sinto tudo gelado e, quando o lago me puxa para baixo, começo a gritar. Estou com medo. A água entra dentro da minha boca, do meu nariz, ardendo todo o meu rosto e me fazendo berrar. Tento bater as mãos, chacoalhar os pés, mas só sou mais puxado para as profundezas. A última coisa que consigo ver, é o rosto dela.
O sorriso em seus lábios. Os olhos orgulhosos.
Até que, de repente, não tenho mais cinco anos. Sou eu. A lembrança se dissolve. Tenho a consciência de que estou em um sonho. É o momento em que ele vem. Meu pai mergulha na água. Me enforca, sorri. Promete nunca me deixar em meus sonhos. Promete voltar. Sei porque tenho o mesmo sonho, há anos. Mas, desta vez, o tempo passa. Nada acontece. Ainda flutuo na água gelada, esperando que apareça da escuridão. No entanto, começo a sentir algo quente.
Uma mão se projeta na escuridão. É delicada. É de onde vem o quente. Seus dedos pousam em minha bochecha, fazendo meu rosto esquentar. Meus olhos se fecham. A mão me acaricia, o único pedaço quente no gelado no oceano. Inclino a cabeça, desejando sentir mais. Precisando. Até que abro os olhos, e ela... está em minha frente. Carolina. Olhos claros, esverdeados. Seus traços finos e cabelos soltos flutuando na água. Seu sorriso se inclinando aos belos lábios.
Minha mão pousa acima da sua. A pressiona com mais força, porque quero sentir mais seu toque. A desliza para meu pescoço, fazendo-me arrepiar. Começo a sentir a superfície se iluminando. Então, sem que deseje, por impulso do sonho, pergunto.
- Vai me tirar daqui?
Ela sorri outra vez. No entanto, é ligeiramente triste.
- Não vou... mas eu posso. Quando ele não estiver mais sangrando. - seus olhos, lindos, caem para meu peito. Sigo seu olhar, mas não deveria ter o feito.
Tudo começa a ficar gelado outra vez. Escuro. Seu toque se dissolve. Tudo o que consigo olhar é o sangue flutuando. Sangue vinho, quase preto. Dissolvendo-se na água. Saindo do coração que nego ter. Quando olho para a frente, outra vez, é ele quem ocupa o lugar dela.
O sonho se repete. Ele está em minha frente, sorrindo. Envolve as mãos em meu pescoço. O aperta. Me sufoca. Faz questão de olhar no fundo de meus olhos.
- Não ache que vai fugir de mim. - pronuncia. - Vou estar aqui, Arthur. Vou voltar. Ainda vou vagar por seus sonhos. - ele sorri mais. - Não vou deixar de ser seu espelho.
Meu corpo vai para a frente. Meu peito sobe e desce, arfadas fortes. Como se eu estivesse abaixo do mar. Aperto o pescoço, como se houvesse sentido suas mãos. Seus dedos se fechando. Machucando minha pele. Meu peito bate em trovoadas. Minhas mãos estão trêmulas. Não consigo ouvir nada além de sua voz. Quero descavar seu caixão. Enterrá-lo mais fundo. Cremar os ossos que lhe restaram. Fecho os olhos, os aperto.
Acendo um, e não paro até sentir o corpo relaxado.
Mas ele enrijece. E agora, eu quem quero cremar meu corpo. Lembro-me dela. Seus olhos piscando, suas mãos se apertando, tentando afastar o choro que eu a proporcionei. Eu. Sinto que não teria suportado. Não teria suportado permanecer em meu corpo, se a tivesse visto chorar. Sua intervenção em meu sonho deve ter se dado por minha cabeça.
Fui dormir pensando se me perdoaria. Se me deixaria beijá-la, tirar-lhe aquele shortinho, tirar suas dúvidas com a língua. Fazê-la chorar. Mas de prazer. No entanto, diante de minhas atitudes idiotas, não deve querer mais saber de mim. Está certa. Também não devo querer mais saber dela. Desconheço o motivo pelo qual quis saber, a princípio. Perto dela, tudo fica em descontrole. Um caos do qual devo evitar. Do qual não deveria ter me aproximado.
Devo permanecer longe.
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Medicine | Volsher.
Romance"Ela não é uma droga. É minha medicina. Drogas te fazem esquecer dos seus problemas, mas medicina... cura. Ela me cura. Mas sem esquecer do que eu vivi."