Seis horas depois.
- São quinze do lado de fora e vinte infiltrados dentro do local. Ao todo, trinta e cinco. Só que como achei que fosse pouco e que talvez fôssemos precisar de reforços, aumentei para cinquenta... pensei em ficarem nas redondezas do cassino. Acha que é demais ou deveriam ficar mais próximos? - Mob para ao meu lado, na parte de fora.
O fresco da tarde enfria meu suor. Está sendo engolida pela noite aos poucos. Meus músculos ardem. Imagino que estariam exaustos, a esta altura. No entanto, os reflexos dele ainda exalam de meu corpo. Como gritou. Como ameaçou matar-me, caso não levantasse. Como quase me matou, quando mostrei a exaustão de meu corpo. Saber lutar na máfia nunca é um ensinamento piedoso. No entanto, o do meu pai... como tudo nele, fora desumano. Me tornara um desumano, talvez.
- Está bom.
Cinquenta é um número considerável. Não precisarei de mais.
Marcos se mantém parado, me encarando. Inclino a cabeça.
- Venha.
- Eu não, porra.
O encaro, esclarecendo não se tratar de uma suposição. É uma ordem.
- Se lutar com alguém do mesmo nível que eu, dirá "eu não, porra"?
- Não, claro que não... mas é porque até agora não conheço ninguém do seu nível. E da última vez que lutou com alguém de brincadeirinha quebrou um braço, e eu amo meu braço pra caralho. As mulheres também amam. - ele se gaba. Continuo o encarando. Ele respira fundo. - Tá, tá. Mas pega leve, belê? Não leva a sério, guarda a raiva para hoje à noite. - ele se posiciona à minha frente, os braços erguidos.
Avança um golpe em minha direção, mas desvio para o lado. O soco se desfere no ar. Agarro seu cotovelo, e Mob afunda o joelho em minha barriga quando tento girá-lo. Minha mão muda a rota, enganchando abaixo de seu joelho e fazendo força. Ele dá o giro esperado, caindo no chão.
- A vida não são só armas, Dias. - murmuro. - Esta seria a hora que, se fosse outra pessoa, eu a espancaria.
- Acho que nesse caso não precisa, né? - ele ri, nervoso. - E eu só estava me aquecendo, não luto assim de verdade... até porque o respeito, então peguei leve. Inclusive, podia me ensinar esse truque do joelho. - me afasto de seu corpo no chão. Lutar, para mim, é como ter algo bom guardado. Nunca revelado. Algo que aprendi à força e se tornara vontade. Porque, durante todos estes anos, não precisei. Deveria saber que uma hora ou outra as coisas não se manteriam.
Quem quer que tenha me enforcado, durante a noite, foi minucioso. Passou por seguranças. Câmeras. Sensores. Sem rastro algum, pois corri atrás deles. Soube chegar até a varanda. Soube abri-la. Apenas... não me matou por vontade própria. Poderia ter. Estava dormindo, afinal. O quarto há isolamento acústico. Não ouviriam sequer meu suspiro.
Mas, quem quer que tenha sido, não me matou.
Quis me assustar. Me avisar.
Talvez, lembrar-me de sua existência. E é esta última frase que me atormenta.
Sinto algo peludo na canela.
Turmalina se esgueira em meu pé, as patas pequenas e pretas pedindo colo. Eu o pego nas mãos, vendo Carolina da varanda de fora.
Como uma deusa mística, os cabelos soltos flutuando sob a brisa do fim de tarde. Os pés descalços, dando-lhe um ar de em casa. Os olhos cor aspargo-claro, sonolentos, porque provavelmente tirou outra soneca. Fantasias salpicam meus pensamentos. Suas mãos escoradas no corrimão. Sua voz rouca, gritando meu nome como se fosse sua salvação.
- Por que não foi almoçar com a gente? - ela exclama.
- Eu...
- Ah, querida! Porque estávamos imensamente ocupados esta tarde, e ainda estamos! Mas obrigada pela preocupação! - Mob exclama, o irônico. Passa por Carolina e lhe lança um beijo no ar. Ela revira os olhos. Me aproximo da varanda. Deixo Turmalina no chão. Ele corre para perturbar Marcos. Olho para Carolina, que agora está observando meu peitoral. Devo estar soado.
Nojento, a julgar pela forma com que remexe as pernas. Seus joelhos roçam um no outro. Dou um passo para trás.
- Perdono.
- Ah, não! - ela respira fundo. Ou tenta. - V-você não está... nenhum pouco... - ela perde o raciocínio das palavras, aparentando estar ofegante. Suas bochechas se enchem de um tom quente e ela fecha os olhos. - Bom, em fim. Eu meio que... - ela leva os olhos aos meus. Meu estômago derrete. - Senti sua falta esse almoço. - o que é injustificável. Não rendo assunto algum. Mal pronuncio uma palavra. - Ficou muito ocupado verificando armamentos e coisas do gênero? - assinto.
Ela é esperta. Sabe os termos exatos. Não me surpreenderia se houvesse lido sobre.
- Fiquei.
- Ah, entendo. Mas você comeu depois?
- Comi.
- Que bom. Luci me contou que às vezes você fuma de manhã, o que prejudica no seu apetite.
Apoio-me no pilar da entrada.
- O que mais lhe disse? Luci gosta de falar.
- Ah, nada demais. Disse que sempre fica nervosa com conflitos do tipo, não importa quanto tempo passe. - ela sorri de leve. E então, o desfaz. - Ah, e inclusive Babi está querendo que eu aceite um vestido de mais de cem mil reais desde hoje de manhã, sendo que isso é demais... se eu não aceitava nem mesmo os presentinhos bobos que ela queria me dar, quem dirá um vestido de gala e luxuoso? Eu sei que Babi anda ganhando muito bem pelo estágio dela, mas ainda sim não posso deixar que... - pouso a mão no bolso da bermuda.
Tiro a carteira de lá. Retiro um cartão entre os dedos. Carolina começa a negar com a cabeça.
No entanto, antes que comece a falação, o coloco no bolso de sua calça moletom. Saio andando.
- Crusher...
- No.
- Eu não vou...
- Está me fazendo perder tempo, mio dolce. - murmuro. - E é melhor que vá logo. Saímos em cinco horas.
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Medicine | Volsher.
Romance"Ela não é uma droga. É minha medicina. Drogas te fazem esquecer dos seus problemas, mas medicina... cura. Ela me cura. Mas sem esquecer do que eu vivi."