Capítulo 14.

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Nasci em berço de ouro. Mas visitei inúmeros subúrbios, pertencentes a inúmeras cidades. Vi a pobreza diante dos meus olhos, a fome pura. A negligência de autoridades que só atualizam seus próprios salários; não se preocupam em corpos morrendo de fome em suas próprias ruas. Portanto, não me surpreende a condição do local.

Me surpreende como Carolina poderia se sujeitar a se manter em tamanho... desleixo, no pior dos eufemismos. Como poderia ser feliz.

Jonas me informou o número de seu apartamento. É em um prédio. Portanto, não paro de andar até que o veja. É curto, não mais que quatro andares. Entro pelas duas portas do lugar, uma mulher de cara feia encarando-me. Identifico escadas, então não paro de subir até que o corredor esteja na faixa dos vinte. Os degraus parecem prestes a desabar. As paredes descascam, manchas de mofo e umidade nos cantos.

Quando vejo uma porta com o número vinte um, paro. Sigo até o vinte e dois, a penúltima porta do corredor. Bato duas vezes.

E, de repente, não sei o vim fazer aqui.

Certamente a persegui. Obtive as informações de sua rua, prédio e apartamento sem que ela soubesse. Talvez me ache louco. A polícia não entraria em locais como estes, então ela sabe que não adiantaria chamá-la. Mas talvez me empurre. Estou prestes a retornar, quando ouço sua voz expandindo porta a fora:

- Eu já disse que vou tentar ver na semana que vem, Joana! Tenha dó dessa pobre estudante de pedagogia que mal tem um miojo horrível de marca ruim para comer de jantar, vai? Como quer me despejar se eu não tenho dinheiro nenhum? Como seria capaz de despejar uma pessoa que chora todas as noites e tem notas rui... - ela vai abrindo a porta. Mas para quando me vê. Seus olhos se iluminam, e ela entreabre os lábios até parar. Fecha os olhos fortemente, depois os abre outra vez. Ficam por mais longos segundos, até que ela consiga falar: - C... Crusher? O que você... - ela abre a porta por inteiro.

Meus olhos caem para o conjuntinho de pijama que veste. Minúsculo. Amarelo-clarinho, cheio de ursinhos com potes de mel. Sinto-me desconfigurado.

- O-o que faz aqui?

- Pensei em... - engulo seco. Minha voz sai rouca. - Em... te levar para... tomar sorvete.

Terrível. Algo desastroso. Nunca agi de maneira tão sem jeito na vida.

- Ah... tomar sorvete? - ela está segurando um sorriso. Seus olhos transbordam graça, e ela parece saber que estou sem reação. Que vim aqui, mas não faço ideia do porquê. E que inventei a primeira desculpa em minha cabeça. Ela morde o lábio inferior de leve. - Bom, você podia ter me avisado antes, assim eu me preparava mentalmente pra esse evento, e fisicamente, evitando aparecer com um pijama tão ridículo como esse na sua frente. - diz Carolina, sorrindo. Mal sabe ela que não precisamos dele. Não precisamos de nada, embora eu fosse gostar de vê-la apenas com a parte de cima. Enquanto nós dois enlouquecermos. Ela, com gritos, eu, dos gritos dela. - Vai ficar aí mesmo? Já volto, vou só me vestir.

Assinto com a cabeça. Quando desaparece, consigo ordenar alguns pensamentos.

Mas apenas por alguns minutos, porque ela retorna. De shortinho jeans e regata. Engulo um gemido, e logo está calor demais no pequeno corredor. Minhas mãos formigam, querendo tocar um pedaço dela. A parte debaixo aperta seu quadril e a curva deliciosa da bunda como uma luva. A regatinha aperta seus seios, os ombros e clavículas expostos como um presente. Quero desembrulhá-la. Desfrutar dela, um presente que não irei esquecer. Mas não posso.

Seus cabelos estão presos em um rabo de cavalo. Há uma sandalinha em seus pés e pulseiras de bolinha em seus pulsos. Imagino-me desafivelando sua sandália, retirando suas pulseirinhas. Despindo-a. Descobrindo se tem o gosto do que cheira. Sinto que estou passando mal.

- Está uma noite morna hoje, não? Acho que o fato da sua casa ficar numa colina faz você ficar desacostumado com noites tão pouco frias que nem essa. - ela sorri, fechando a porta levemente. Mas então desfaz o sorriso, a expressão murchando gradualmente. Sinto algo alarmante. - Inclusive, deve estar acostumado o suficiente com sua casa pra saber que a minha é uma vergonha. Sinto muito ter visto que eu moro num lugar como esse... infelizmente é o que dá para eu ter com a bolsa da faculdade. E eu não tenho tempo para trabalhar, então... - balanço a cabeça.

- Já vi piores.

Ela para. Olha em meus olhos, então começa a dar risada. Ela se transforma em gargalhada, e sinto algo deixando meu peito. Seu queixo vai para trás, o sorriso se abre espontaneamente e ela solta a melodia. A melodia que nomearia como Felicità. Felicidade.

- Desculpa, é que o fato de você só saber falar isso é muito engraçado. Em fim. Por que quis me levar para tomar sorvete? Tem algum motivo específico... ou só deu vontade? - os olhos curiosos retornam. Não ouvi seus gemidos em casa. Não vi seus olhos curiosos. Não ouvi sua voz.

- Deu vontade.

- Ah, sim. - ela permanece me observando. - Dar uma descontraída das coisas também, não é? Babi acabou me contando do que está acontecendo, ela não consegue me esconder as coisas. - não consegue, certamente. É preciso ser forte. Resistir aos olhos intuitivos dela. - Ainda mais por que está fortemente ligado ao namoro dela, então... - ela respira fundo. - É difícil. Entendo minha melhor amiga, sabe. Ela não escolheu amar alguém como Victor, uma pessoa com tantos riscos que acabam trazendo à ela também, e os dois ficam entre se proteger e não ficar longe ao mesmo tempo. É difícil, mas, por fim... onde vamos tomar sorvete? - ela ajeita uma bolsinha de ombro.

- Jonas está esperando lá embaixo.

- Ah, Jonas! - ela segue em minha frente. - Eu bati um bom papo com ele da última vez. Você tem a sorte de ter funcionários muito fieis e legais, como Luci. Como ela está, inclusive? Imagino que continue cozinhando coisas gostosas para vocês.

- É.

- Ah, que delícia.

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