Capítulo 15.

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Vou na parte da frente do carro, com Jonas.

Não estou seguro de mim mesmo para sentar atrás. Bati em sua porta sem consciência alguma de que realmente estava o fazendo. Preciso recobrar algum controle. Uso a desculpa de que só queria vê-la. Ver se não estava passando fome, algo do gênero. E que estava perdido quando fui para na porta de seu apartamento.

Que não pensei, mas raramente não penso. Uso meu controle a cada segundo do dia.

Olho pelo retrovisor, onde Carolina está observando a vista de Los Angeles pelo vidro.

Não parece sair tanto. Não para ruas movimentadas. Não como a Sunset Boulevard. Iluminada, cheia de atrações, barracas coloridas e árvores piscantes. Ordeno a Jonas que pare em um trailer de sorvete, em uma calçada. Quando saímos, ela parece estar encantada. Senta-se no banquinho, enquanto pego um cardápio enjoativamente colorido.

Entrego em sua mão. Ela o encara, assustada.

- Nossa, eu achei que a casquinha fosse dois reais. Eu só tenho cinco, então...

- Não vai pagar. - interrompo suas palavras.

- Como assim?

- Eu lhe chamei para tomar sorvete. Eu pago. - minha voz sai rígida.

Como se houvesse dito uma blasfêmia. E realmente, disse.

Não acredito que achou que fosse pagar algo. Minha avó se reviraria no túmulo. Meu avô sairia de dentro dele, para me assombrar durante a noite. Ela me observa, suas bochechas adotando um tom quente. Parece segurar um sorriso enquanto encara o cardápio, olhando-o e virando-o para observar as opções de trás. Passa os dedos pelos lábios, ligeiramente ainda incomodada com algo.

- Eu não... - ela respira fundo. - Eu não posso aceitar, Crusher. O menor preço é vinte reais, e você já me recebeu na sua casa duas vezes e me deu um livro, além de estar agora me levando pra tomar isso aqui... é eu quem deveria te pagar alguma coisa como forma de agradecimento, e não...

Quero calar sua boca com um beijo. Mas não posso. Tudo o que faço, é o que sei fazer. Uma expressão ameaçadora. Surte o efeito desejado em quem pretendo afetar, mas ela... Carolina entreabre os lábios. Solta um ofego. Me observa tão intensamente que quase não consigo manter a pose. Então molha os lábios, e é quando percebo. Minha ameaça a atrai. Quero mordiscar o local onde acaba de passar a língua. Perco uma peça do cérebro.

- Tá, entendi, mas... eu fico te devendo todas essas coisas. - diz, por mais que não vá fazer isso. Não vou deixar que faça. - Pode ser um... sunday de morango com amendoim e cobertura de frutas vermelhas. É bem espalhafatoso, mas não tem nada simples aqui mesmo. Ah, e podemos passear pelo parque enquanto tomamos? É que... eu nunca vim aqui, parece lindo. - assinto com a cabeça.


- Ah, eu sei que te agradeci muito, mas muito obrigada pelo livro de novo, ele é tão maravilhoso... faz três dias que só consigo fazer uma coisa: abrir ele e ler até não poder mais. Ainda bem que você me deixou ter o segundo, eu não sei o que eu faria se só conseguisse o primeiro e não ficasse sabendo do final nem da continuação, que é uma maravilha, por sinal. O autor não deixou a história esfriar, sabe? Só colocou mais emoção. - diz ela, interrompendo as palavras com colheradas cheias e gemidos longos.

Estamos andando pela calçada do parque. Como é dia de semana, não está tão cheio. Agradeço por isso.

- Não quis tomar sorvete nenhum? - faço que não. Ela fica em silêncio, me observando, esperando algo mais.

- Não gosto de coisas excessivamente doces. Cosa americana.

Ela ri.

- Cosa americana. - imita. Sua voz sai surpreendentemente fluente. - É 'coisa de americano', né? Eu ando percebendo bastante que a gente gosta de colocar firulas nas coisas, mesmo. - diz ela. - Mas tem certeza de que não quer experimentar? Essa firula aqui excessivamente doce é uma delícia, o melhor doce que já comi na face da terra. Por mais enjoativo que pareça, a mistura caiu realmente bem. Vale os vinte e pouco reais absurdos que você me pagou. - ela estende-me uma colherada.

Meu instinto é dizer não. Mas acabo pegando a colher pequena. Enfio-a na boca, e sou atacado por milhões de sabores. Quase lacrimejo. Carolina começa a rir. Devolvo-lhe a colher.

- Gostou?

Minha língua saliva de tanto doce.

- Comível. - murmuro. Ela ri mais. Observo seu sorriso, a colher que compartilhamos na pontinha da boca. Seria uma opção colocá-la contra uma árvore e... não. Não seria. Desvio os olhos de seus lábios. - Por que quer ser professora? - questiono. Sinto que se não o fizer, é ela quem vai tirar informações minhas.

- Ah, por muitos motivos. O primeiro deles é porque eu amo ensinar. Amo aprender uma coisa e ver a satisfação nos olhos de uma pessoa que acabou de aprender aquela coisa comigo. É muito satisfatório, ainda mais quando a pessoa não consegue entender de jeito nenhum, e você faz com que ela entenda de algum jeito. É como desvendar um problema. Como se eu conhecesse a maneira com que a pessoa está pensando, como se eu desvendasse ela... e mudasse sua forma de pensar. - agora está olhando para mim. Com qualquer outra pessoa, não me sentiria intimidado. Mas ela exerce certa pressão sob mim. - Você é católico? - questiona, apontando para meu pulso. Para a pulseira com a cruz nele.

- Não. Apenas sigo algumas crenças. Meus avós eram.

- Sério? Que legal. É louco, não é? De alguma forma eles influenciam um pouco na gente. Eu tenho uma vó espírita, e por mais que não acredite em espíritos, uma vez no mês, quando ela diz que eles estão mais sedentos por almas negativas, acendo um incensozinho ou outro para afastar eles. Não que eles realmente existam né, mas quem vai dizer que não... - ela ri. É como se me esquecesse das maldades que presenciei. Das imagens que guardo na cabeça.

Quando acaba o sorvete, ela o joga em uma lata de lixo. Andamos de volta até Jonas, que está terminando uma casquinha e mexendo no celular, enquanto nos aguarda. Quando nos vê, limpa as mãos e volta para dentro do carro.

Abro a porta para Carolina, sentando-me na frente outra vez.

Medicine | Volsher.Onde histórias criam vida. Descubra agora