Capítulo 49.

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- Eu teria evitado se soubesse.

- Eu sei.

- Eu não esperava. O filho da puta soube esconder bem.

- Soube.

- Mas você sabe que se eu soubesse...

- Ho capito, Augusto. Não me surpreendi porque não suspeitava. Me surpreendi porque não esperava que fosse Billie em si. - sento-me na beira da mesa. Olho para as janelas. Passo a mão pelo rosto. - Não se culpe por isso. Eu teria descoberto, hora ou outra.

Billie quem esteve assinando o contrato. O mesmo que ofereceu a mim sua ajuda para lidar com máfias sedentas por vingança. O que me traz mais complicações. Pergunto-me se fizera isso por vingança, mas não faria sentido. O lucro continuou sendo nosso. Cada centavo foi para a Italian Blood. Por que assinou, se não houve um real direcionado à ele?

Para piorar, minha cabeça se recusa a pensar. Aparenta estar travada.

Meu corpo, cansado de algo que não me esforcei. Não aguento sequer olhar para um documento. Sei o porquê. Sei a resposta, que envolve um nome de oito letras. Que não paro de pensar um segundo sequer. Sinto que estou enlouquecendo, lentamente.

- E então, o que faremos agora?

Encaro as árvores das montanhas, cobertas por uma nevasca.

- É o que estou tentando pensar.

Só consigo pensar na boca dela.

Cada dia que se arrasta como uma tortura. Cada hora que remói meu peito. Cada minuto que me perturba. Cada segundo que quero Carolina comigo aqui, outra vez. Só consigo pensar nela.

No quão seria um sonho estar debaixo de uma coberta com mio dolce, agora. Sua língua passeando pela minha. Seus lábios tentando ofegar, pois eu não pararia de beijá-la um segundo. Beijaria, mordiscaria aqueles lábios cheinhos, até estar chupando-a. Em baixo. Até sentir aquele gostinho na língua outra vez.

Ou então, como sei que é de minha natureza, estaria a devorando. A esparramando na cama como meu banquete. Devorando cada pedaço dela. Ouvindo lamúrias deliciosas.

Me obrigo a sair dos devaneios.

- Ele irá saber que descobrimos. Quem escondeu seu segredo desapareceu, portanto, ele achará que foi morto. - suspiro. - Deixarei que venha atrás de mim. Espero que tenha a decência de ter uma conversa pacífica antes de soltar as balas. Não estou com energia para tiroteios. - saio da mesa. Augusto me observa, pensativo.

- É perceptível. - diz ele. - Quer que deixemos alguns armamentos preparados, por precaução?

- Quero. - falo.

Vou para o quarto. Tento dormir outra vez. Mas há algo diferente. Algo que eu não tinha. Antes, não temia ter pesadelos. Sabia que teria, de maneira ou de outra. No entanto, experimentei dois dias sem eles. Voltei a lembrar como é dormir normalmente. Agora, não mais. Luto contra qualquer índice de sono, pois não quero vê-lo em meus sonhos.

Há uma leve exceção. Evito tê-la, mas estou cedendo mais que o normal ultimamente. Abro a porta do quarto. Coloco o corpo para fora.

- Tormalina.

Ele demora um pouco. Deve estar procurando de onde vem minha voz.

- Aqui. - exclamo. O barulho leve das patinhas se aproxima. O corpinho pequeno aparece. Ele passa a correr quando me vê. Devia estar dormindo, pois está sonolento.

Eu o pego nas mãos. Ele não alcança a cama. Deito e o coloco ao lado, onde ele se vira. Fica de barriga para cima, fechando os pequenos olhos.

É um sinal de confiança. Gatos raramente adormecem nesta posição.

Deixo a cabeça no travesseiro. Passo a mão por seu pelo.

Ele não me faz dormir mais. Apenas ter algumas horas de sono sem pesadelos. Turmalina é exatamente como gatos pretos são: um purificador de energias. Ou talvez, seja apenas porque remete à ela. Porque Turmalina é fruto de algo que Carolina construiu em mim. Algo nosso. O que me aproxima à ela.

A dor aguda em meu peito se espalha pelo corpo. É insuportável. Do contrário das demais, não consigo me acostumar. É como uma ferida aberta. A intensidade da ardência corresponde à distância que ela está de mim. E fui responsável por esta distância.

Embora ela seja correta. Não preciso repetir; ela não deveria ter se mantido aqui.

Eu não deveria ter ido atrás dela. Ter me entregue ao que sempre me puxou à ela. Ao que me fez persegui-la mais de uma vez, porque... ela é diferente. É tímida, curiosa, inteligente, sem-vergonha.

Quero guardá-la em alguma parte de mim. Protegê-la, como ninguém em sua vida um dia a protegeu. Fazê-la rir, como ela nunca riu. Fodê-la... como ninguém nunca fodeu. Beijá-la, como estou morrendo para fazer outra vez. Fecho os olhos e tento engolir a dor.

Tento ignorar o fato de que estou negando a única luz que me apareceu na vida.

- Senhor Ramos, ele não está comendo.

Meu pai tira o telefone do ouvido ao ouvir a voz de Luci. Já disse para ela que não precisa dizer a ele, pois meu pai usará a mesma força com que me espanca para enfiar uma colherada na minha boca. Nem que seja para arrancar meus dentes. Contanto que eu engula, ele pode muito fazer isso.

Sua expressão está furiosa. Seus olhos, ligeiramente arregalados, paralisados num estado psicopático. Aprendi essa palavra semana passada, enquanto lia um livro. Li cada palavra como se descrevesse meu pai. Ele retira o telefone do ouvido. Devia estar tratando de algo importante ao telefone.

- Enfie a porra da colher na boca dele então, Luciane.

Luci não vai fazer isso. Ela é provavelmente a única pessoa da casa que não tem doenças em sua cabeça; ela é boa de verdade. Faz comidas boas e gosta de me ver feliz. Ou algo perto disso. Minha mãe poderia ter sido como ela...

Minha mãe.

- Não vou fazer isso, senhor... - ela suspira, frustrada. - Seu filho não quer comer, tem inúmeros hematomas graves pelo corpo, não dorme à dias e não quer comer. - ela enfatiza a última frase, o que me faz levantar a cabeça.

Paro de olhar para o chão, porque meu pai não gosta que falem assim com ele. Luci deveria saber. Se ele tentar bater nela, terei que mandar meu pai me bater para descontar a raiva. Mas ela logo retoma, com a voz baixa e obediente:

- Por isso, tem certeza que o senhor não quer ao menos que eu o leve no hospital? - ela olha para ele.

Meu pai ainda está paralisado. Sua expressão parece estar congelada no momento em que ela mudou o tom de voz com ele. É como se o filme do corpo dela despedaçado no chão passasse por seus olhos. A mesma expressão de cinco anos atrás. A mesma expressão, minutos antes de ele arrancar a cabeça dela.

Meu corpo se enche em repulsa. O pouco que comi ameaça voltar. Minhas mãos tremem. Minha cabeça ameaça girar, e preciso prender a garganta.

Ele pisca, olha para mim e para ela de novo.

- Leve. - ele prende meu olhar ao dele. Olhos escuros, como os meus. Perturbados, como os meus. Meio mortos... como os meus. Começo a perceber que realmente pareço com meu pai. Ele me faz virar ele. - Mas se você não voltar comendo e fazendo a porra das coisas que eu te mandar... - ele ameaça, se aproximando. - Nunca mais vai para a casa dos seus avós.

Medicine | Volsher.Onde histórias criam vida. Descubra agora