CONNOR
Já na estrada, de volta para casa, ainda podia ver e ouvir a chuva caindo, alguns raios clareando o céu escuro da madrugada.
A solidão da estrada era algo que já havia me acostumado. Não tinha medo ou algo assim, mas era bem tedioso às vezes.
Estava prestes a chegar na fazenda quando meus faróis altos iluminaram cavalos correndo em meio ao temporal, o que me fez frear bruscamente para não acertá-los com a caminhonete.
— Mais que merda ! —
Entrei na fazenda e peguei uma das armas dentro de casa. Segui ao estábulo para conferir se eram meus animais que corriam por aí.
E sim, eram justamente os meus, o único que ficou na baía foi o corvo e agradeci por isso.
O tirei de lá mais que depressa e peguei o laço juntamente com uma lanterna. Passei a arma nas costas e liguei a lanterna, que estava firme em minhas mãos, assim como as rédeas de corvo.
Saí da fazenda e passei pelo mesmo caminho onde freei para não acertar os equinos. A chuva molhava-me mas eu não ligava, estava mais preocupado com os animais soltos por aí.
Achei alguns pela mesma estrada e outros dentro do mato, era arriscado fazer o que fiz. Porém, mais arriscado ainda era deixar eles soltos com lobos e coiotes com fome.
Eu tinha uma arma, sabia bem me defender, eles não. Um coice ou dois não era suficiente para acabar com vários animais ferozes. Diferente de um estampido de bala que os afugentava logo.
Apesar de procurar até cansar, a única fêmea que não achei, foi a Fúria. Acabei desistindo, eu voltaria para procurá-la, mas no momento precisava levar os outros de uma vez por todas.
No caminho fui dando mais uma olhada para conferir e nada dela. Chamei e continuei sem respostas.
Depois de cada um fechado em sua baía, voltei a subir em corvo para procurar aquela égua arisca, mas de maneira alguma ele queria sair da fazenda novamente. Parecia estar colado ao chão, sempre que puxava ele pra fora da fazenda o mesmo virava o pescoço para a casa.
Comecei a entender a sua atitude e resolvi tentar ir por outro caminho. Dei comando e ele finalmente obedeceu, indo então para a lateral da casa, andou poucos metros até vermos Fúria, parada na janela do quarto onde Elisa dormia.
Sai de cima do meu cavalo e caminhei em passos calmos até ela, que bufou mostrando insatisfação com minha presença.
— Calma, garota...— Passei o laço em seu pescoço calmamente e tentei puxar.
Obviamente que ela nem se moveu, apenas olhava fixamente para a janela fechada do quarto.
— Vamos...— Puxei outra vez, mas com toda imponência ela se levantou relinchando e se jogou em minha direção.
O problema era comigo.
— NÃO FUI EU ! TÁ LEGAL ? ELA FOI EMBORA, ELA ABANDONOU A GENTE POR QUE QUIS, EU NÃO MANDEI A ELISA IR EMBORA, CARALHO ! — Larguei a corda com raiva e continuei encarando Fúria.
Suspirei me aproximando, ela precisava sair da chuva. Peguei a corda e fui tentar contato mais uma vez, se não desse certo, desistiria e a deixaria ali mesmo.
— Tá tudo bem...— Passei as mãos em seu pescoço extenso. — Tá tudo bem...eu também sinto falta dela — Fúria abaixou a cabeça. — Eu sei como é, pode ter certeza que sei... — Olhei em seus olhos. — Você precisa sair da chuva, precisa se aquecer —
Tentei puxá-la e dessa vez deu certo.
— Corvo ! — Ele passou a nos seguir.
Os deixei na baía com bastante feno e voltei para casa. Tomei um banho após me livrar das roupas molhadas e não demorei para estar em minha cama com mais de um cobertor.
Dormi poucas horas pois o dia não demorou a amanhecer. O sol entrava pelas frestas da janela de madeira, chegava a parecer que nem havia chovido.
Me levantei, troquei de roupa e fui para a cozinha passar café, queria ver logo os estragos que aquela chuva provavelmente causou.
Depois de tudo pronto, derramei um pouco de Whisky na xícara e coloquei café, bebi numa golada só e peguei a garrafa do líquido recém preparado.
Parei em frente ao quarto que Elisa ficava, fazia aquilo vez ou outra, acabava me esquecendo do que houve e a chamava para comer.
Voltei pra realidade e entrei no maldito cômodo, que já não era mais tão iluminado. O cheiro de morango não estava mais tão forte.
Encarei o ambiente e tive uma ideia.
Decidi de uma vez por todas arrancar as lembranças daquela mulher, levei para fora as roupas e tudo que havia sobrado dela, até os travesseiros. Joguei no chão e entrei outra vez, fui ao quarto de Naomi e também levei tudo para fora, quadros, jóias, certidões, documentos, qualquer coisa que sobrasse daquelas duas eu iria me desfazer por completo.
Joguei Whisky em tudo e aproveitei para tomar também, por fim, enfiei a garrafa naquela pilha de coisas e ateei fogo. Segurava em minhas mãos apenas o último chapéu que dei para Elisa, encarei por alguns instantes e lancei no fogo.
Olhei para o estábulo através da fumaça e apertei os olhos ajustando a visão, de longe pude enxergar Fúria solta outra vez, ela vinha em minha direção.
A conexão que um dia achei ser coisa da minha cabeça realmente existia. Fúria estava com saudades da antiga dona.
Me recordei rapidamente do que houve no dia das abelhas e do que meus pais diziam sobre temporais. Num momento como esse, Elisa estaria precisando de ajuda e Fúria estava tentando me avisar ?
Olhei o fogo e puxei depressa o chapéu, já com as suas bordas queimando. O balancei e depois bati na grama vendo as brasas se apagarem.
Fúria parou de correr e eu não me contive outra vez.
— PORRA ! O'QUE VOCÊ QUER, EM ? QUE EU VÁ ATRÁS DELA ? A CULPA NÃO É MINHA ! —
Entrei em casa e joguei o chapéu no chão, a abri o armário e peguei outra garrafa de bebida.
— Aquele lazarenta vai embora e a égua quer eu vá me humilhar — Ri da minha própria desgraça e bebi logo após, sentindo o líquido de cheiro forte queimar minha garganta. — Eu sou uma piada, não passo da porra de uma piada ! —
Soquei a porta do armário danificando a madeira.
— A filha da puta me deve um coração e a porta de um armário...— Me sentei no chão. — Eu te odeio, Elisa ! —
Quem eu estava tentando enganar ? Não me sentia nada bem com a situação e jogar terra em cima e tentar engolir aquilo todos os dias era doloroso demais.
Tinha que confessar, aquela filha da puta estava me fazendo falta. Mesmo não conseguindo acreditar em como ela disse que exagerou em tudo que havia dito sobre Brandon e em como mentiu sobre tudo. Eu sentia sua falta.
Falta dos sorrisos, do jeito, dos abraços, de como ela parecia se sentir bem aqui. Mas eu não podia demonstrar essa merda pra ninguém.
Aquela mulher tinha aberto uma cratera em meu peito, estava sobrevivendo no automático e não queria admitir, mas a verdade, era apenas uma. Elisa foi embora levando um pedaço meu.
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Inevitável
RomantikEm um noivado atormentado, Elisa, uma jovem mulher fora dos padrões precisa de ajuda, mal sabe que em pouquíssimo tempo sairá do cárcere em que vive. Ela terá uma nova identidade e será cuidada por David Connor. Um cowboy amargurado, veterano, que n...