Capítulo 19 - Embrace The Pain (Parte1)

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[N/A Os próximos capítulos podem tratar de temas sensíveis para algumas pessoas]

Carina pode ver a mudança gritante no rosto da namorada. Em um instante a loira estava sorrindo para ela, mas ao perceber a mulher ao seu lado ela o sorriso murchou como se um balão tivesse estourado, o rosto da namorada se tornou uma carranca, e Carina nunca tinha visto essas feições no rosto da bombeira. De repente, ela se viu na frente de outra pessoa.

-Mãe? O que faz aqui? - Carina ouviu a voz de Maya soar dura. Ela só tinha visto essa voz algumas vezes e dentro batalhão sendo direcionado para algum dos seus subordinados.

Carina ficou surpresa, aquela mulher ao seu lado era mãe de Maya, ela só não esperava a reação de Maya assim ao ver alguém que era família.

- Oi, minha filha, eu vim aqui conversar com você - disse a mulher tentando soar o mais doce possível - podemos?

Maya desviou o olhar da mulher para Carina.

- Vocês se conhecem? - perguntou Maya, ignorando a fala da sua mãe e se dirigindo para Carina, sem querer sua voz soando da mesma forma que havia falado com sua mãe e Maya percebeu isso e balançou a cabeça por um instante, mas não conseguiu se desculpar.

- Eu acabei de encontrá-la aqui, Maya - falou Carina com a voz bem seca. Ela não gostou da forma que Maya falou, mas não disse nada.

- Carina - E dessa vez a voz de Maya soou mais como o normal - Essa aqui é Katherine, minha mãe. Mãe essa é Carina, minha namorada.

A revelação surpreendeu a mulher mais velha, Katherine sabia que sua filha era bissexual, mas nunca tinha sido apresentada para nenhuma das namoradas de sua filha.

As duas mulheres que tinham acabado de ser apresentadas se cumprimentaram de modo envergonhado apenas com sorrisos.

Mas Maya já havia perdido um pouco da paciência, não queria sua vida exposta assim para os seus subordinados, com uma voz firme, então ordenou que cada um dos bombeiros fizesse uma tarefa, então virou para as duas.

- Vamos para meu escritório - disse.

- Maya, se quiser eu volto depo...- Começou Carina.

- Não, por favor, vem comigo - Disse Maya, e sobre aquela voz dura da capitã, Carina pode sentir um pedido, um pedido de ajuda muito bem mascarado.

- Okay.

As três mulheres se encaminharam em direção a sala da Capitã, com a mesma seguindo na frente em passos lentos, depois seguida por Carina e por fim por Katherine. Ao chegarem na sala, Maya logo se dirigiu para sua cadeira, Carina se sentiu à vontade para se posicionar ao lado da namorada enquanto Katherine ficou atrás da mesa, tendo o objeto entre ela e a filha.

- Pronto, mãe, podemos conversar. Aconteceu algo? - perguntou Maya.

A mulher pareceu levemente intimidade, mas também pudera, pensou Carina, aquela mulher sentada na cadeira não era a Maya de riso fácil, de coração enorme, era uma mulher dura que olhava para a mulher como se fosse uma estranha, ou algo pior. Aquela sentada na mesa era a Capitã Bishop

- Maya...Eu...- a mulher estava tendo dificuldade de falar.

- Seja breve, por favor, faz meses que você e papai não se dirigem a mim, e olha que a última vez foi uma mensagem de feliz natal.

- É sobre seu pai que eu queria conversar - Disse à Maya.

- Ele está bem? - Perguntou Maya seca

Carina olhava aquilo e se sentia desconfortável pela tensão, mas não queria sair, não conseguia, na verdade. E tão pouco conseguia intervir, nunca tinha visto Maya assim, nunca tinha visto ela com feições tão severas a ponto de uma ruga surgir em sua testa.

- Está. Mas eu e ele estamos nos separando .

Maya levou a informação como um choque. Ela não esperava por isso. O casamento dos seus pais sempre tinha sido leve, ela nunca tinha visto briga, nem mesmo com a morte do irmão, 8 anos atrás.

- Okay..- disse Maya, querendo uma continuação.

Katherine olhou para Carina, mas não pedindo ajuda, era como se estivesse com vergonha de falar na frente de uma mulher que ela tinha acabado de conhecer.

- Pode falar tudo na frente de Carina, ela é minha namorada, ela pode saber tudo - disse Maya.

Katherine respirou fundo. Ela vinha tomando vários passos de coragem nos últimos tempos, e precisava falar com sua filha, precisava falar para ela suas decisões e os motivos dela, para que a filha também pudesse ver.

- Eu estou me separando do seu pai porque ele é um homem abusivo - disse em tom firme e rápido.

- Abusivo? Dá onde você tirou isso? Ele nunca bateu na gente. Tudo bem que ele não fala comigo, mas ele nunca nos bateu - Disse Maya como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

Maya ficou em choque, da onde sua mãe tinha tirado isso? Será que...

- Ele te bateu agora? - perguntou Maya, será que o pai tinha batido em sua mãe agora que ela estava distante.

- Não, seu pai nunca me bateu, nem agora e nem do passado. Mas ele abusava da gente. De mim, de você e do seu irmão.

- Como? - Quis saber Maya e deu uma leve risada - Ele não batia na gente.

Maya não estava achando que aquilo fazia sentido.

- Eu sei que é difícil ver.

- Ele nunca bateu na gente - frisou Maya. O pai tinha sido seu propulsor para conquistar grandes feitos.

- Maya.

- Dá onde você tirou isso?

- Eu demorei para ver, eu sei, e eu fiz você e seu irmão passarem por um inferno, mas Maya, existem outros tipos de abuso que não o físico.

- Meu pai era um homem presente - Disse Maya se virando para Carina, e a médica pode ver que as mãos de Maya tremiam brevemente - era rígido, mas não abusava de nós - tentou justificar a loira mais nova. Carina podia ver o nervosismo na voz de Maya

- Maya, ele te fazia acordar às 4 da manhã para treinar. Ele te acordava com um balde de água fria. Ele te fazia voltar andando para casa 30 km a pé por você chegar em segundo lugar.

Carina ficou surpresa com o que a mãe de Maya havia revelado. Ela não esperava por isso. E deveria ter muito mais. Quando Maya falava dava para ver que o homem era rígido, mas com as confissões de sua mãe, agora percebia que o homem era cruel com Maya.

- Era um treinamento! - falou Maya um pouco mais alto - E ele não me fez andar 30 km de volta para casa por eu ter chegado em segundo, foi porque eu cheguei em primeiro e não bati meu tempo, coisa que eu bati durante o treinamento!

- E isso é ser abusivo! - Disse Katherine - eu demorei para ver, mas você precisa ver isso também. Maya, seu pai sabia do seu tornozelo machucado, ele simplesmente ignorou sua dor!

- Eu tive que ignorar para ganhar, graças a isso eu sou campeã olímpica! - Falou Maya e sua voz exaltou um pouco mais, o que fez Katherine se encolher um pouco, Carina se inclinou um pouco para colocar a mão no ombro de Maya, mas antes que pudesse encostar na loira a mesma desviou o corpo, impedindo que Carina a tocasse - Meu pai pode ter sido um merda depois que meu irmão morreu, parando de falar comigo por eu não seguir na corrida, mas ele me ajudou a conquistar tudo que eu tenho hoje. Então se você está largando ele, pode largar, mas não venha falar mal dele para mim. Agora por favor, saia.

Katherine mordeu os lábios frustrada, sabia que essa conversa seria difícil, que seria complicado chegar na filha, que sempre tinha visto o pai como o propulsor de todo seu sucesso. Mas ela tinha feito sua parte, agora precisava ir, precisava deixar a filha refletir. Ela tinha criado uma filha inteligente, e torcia para que Maya percebesse tudo logo.

-Eu vou - Disse Katherine - Meu número continua o mesmo, eu estou num hotel, se quiser conversar - se virou brevemente para Carina e deu um leve sorriso, naquele sorriso ela muito mais que se despedia, ela pedia para a morena, que mal havia conhecido, que cuidasse de sua garota. Então saiu da sala.

Agora as duas estavam sozinhas na sala, e pela primeira vez Carina não sabia muito como agir com a namorada, dava pra ver que a loira estava com raiva e tinha seus olhos vidrados na porta que tinha acabado de bater na saída de sua mãe. Carina então deu mais alguns momentos para Maya, então se agachou perto dela, fazendo com que seus olhos ficassem quase na mesma altura, e encostou na mão de Maya, mas não a tocou, ela não suportaria ver Maya fugindo do seu toque mais uma vez.

- Ele não batia na gente - Justificou Maya, sem Carina precisar falar nada.

- Eu sei que ele não batia - confirmou Carina.

- Ele não abusava da gente, Carina, eu juro, ele só queria que déssemos nosso melhor - Disse a loira, e Carina pode ver que sua namorada lutava contra as lágrimas que queriam sair, lágrimas que a bombeira lutava fortemente para não deixar transparecer - Ele era apenas rígido.

- Maya, se o que sua mãe falou é verdade, você precisa refletir sobre isso - Disse Carina, tentando falar da forma mais calma possível.

- É verdade, mas não era abuso. Ele nunca levantou um dedo para nós.

- Existem outros tipos de abuso além do físico, e fazer seu filho competir machucado é um tipo de abuso físico também Maya.

Maya então se irritou, se levantou da cadeira e afastou as mãos de sua namorada. ela sentia seu coração bater forte, tão forte a ponto de quase a deixá-la surda. Ela não queria ouvir Carina, na verdade ela não queria ouvir ninguém.

- Ele não era abusivo - Disse Maya agora mais firme, e Carina pode ver que as lágrimas foram engolidas e a Maya rígida voltou a aparecer. Então era disso que Maya falava, era esse outro lado, constatou Carina. A criança ferida, a criança abusada pelo pai, uma criança que aprendeu a não demonstrar fraqueza perante a nada, apenas olhar para frente e conquistar seus objetivos.

- Você faria um dos seus subordinados entrar em um incêndio machucado? - Perguntou Carina firme.

- Eu não vou responder isso - disse Maya quase que rudemente- Agora com licença, eu preciso correr. - e ela disse a última parte sem olhar para sua namorada, apenas para frente.

Falando isso, Maya saiu da Sala deixando Carina sozinha e frustrada e foi em direção a sala de exercício.

Carina deixou Maya sair, não era era o momento de falar com a namorada, nesse momento ela não ouviria nada, ela havia acabado de receber uma informação que nunca teve, que o herói da sua vida na verdade poderia ser um vilão, e ela teria que lidar com isso, e naquele momento havia empurrado Carina para longe. A médica sabia que Maya iria treinar agora, ia correr, ia forçar seu corpo ao limite, mas não poderia intervir, então iria deixar um pouco a poeira baixar, iria falar com ela no dia seguinte, depois do turno, quem sabe Maya estivesse mais calma e tivesse tido tempo para refletir. Mas Carina sabia que não seria tão fácil assim, ainda mais pelo medo que ela havia fugido do seu toque e perante as palavras que ela havia dito. Então deixou a estação, indo para o hospital trabalhar, ela tinha algumas consultas aquela tarde, e esperava conseguir fazer seu trabalho sem desviar sua mente para a namorada machucada.

Maya se dirigiu para a sala de exercícios e foi direto para a esteira. Ela estava realmente irritada. Como um dia e uma semana que tinham começado tão bem poderia ter ficado tão ruim de repente? Como a mãe ousa chegar na sala dela, depois de 8 meses sem saber se a filha estava viva ou morta e falar que o pai era abusivo? Estava tudo errado. A Mãe estava errada. Seu pai não era abusivo, ele nunca tinha batido nela, pelo contrário, tudo que ele fez foi para ela alcançar o melhor desempenho possível, se ela conseguiu a medalha olímpica foi por conta do pai. Se hoje ela tinha físico e força para ser a capitã de uma estação era por que tinha sido muito bem treinada a infância toda para saber como agir sobre pressão e como comandar. Ela hoje estava onde estava porque seu pai a forjou, mesmo que o pai não apoiasse a posição atual dela.


Maya respirou fundo e ajustou a esteira para uma corrida forte e logo estava em cima da máquina, deixando seus pensamentos para trás. Dessa vez, nem mesmo Carina ocupou seus pensamentos, ela só pensava em correr, mais rápido e o máximo possível. Sempre olhando para frente.

Naquele turno Maya teve dois chamados e chegou era cerca de 2 da manhã no batalhão, mas não queria olhar pro celular, não queria ver se havia mensagem de Carina, mesmo que uma parte sua gritasse para correr até a namorada. Ela não queria nada, queria sumir, queria que a dor de cabeça que estava presente desaparecesse, mas ela parecia constantemente presente.

Ela então se jogou na cama, e na sua cabeça vieram as suas memórias mais profundas, as corridas ganhas, de como o pai abraçou ela quando ela era bem pequena e tinha ganhado a corrida ainda na creche. Como o pai ficou orgulhoso de pegar a medalha de plástico e pendurá-la na parede do quarto de Maya, dizendo que ela era a vitoriosa do pai.

Maya se lembrava disso, se lembrava do pai acordá-la cedo, para correrem no parque, fazia chuva ou sol, lá estava ela, correndo. Ela também se lembrou, de repente, como perdeu o baile de formatura que teve antes de entrar no High School, o que a fez lembrar que ela também perdeu a formatura e o baile do ensino médio. Mas ela tinha que treinar, ainda mais porque estava no ápice de sua performance. Se não fosse o pai a guiando, ela teria ido na festa e com isso teria se desviado e nunca conseguido os prêmios

Ela teria se divertido, mas não teria conquistado o que tinha hoje.

Maya afastou o pensamento e se deixou dormir, em um sonho conturbado. ela acordou às 5 horas da manhã, ainda na sua pequena sala particular, e foi direto para a esteira, seu corpo não conseguia ficar parado. Ela correu 10km, sentiu suas pernas queimarem e sentiu seu dedo com a unha quebrada também doer de tanta força que segurava a barra da esteira. Seu corpo doía, sua cabeça doía, tudo dentro dela doía.

A bombeira pouco falou naquele final de turno, se despediu brevemente de seus colegas, sem falar muito e ao lado de fora do batalhão caminhou em direção ao seu carro. Ela queria naquele momento se enfiar em sua cama, beber uma boa cerveja, não importasse qual hora era, e tomar talvez uma aspirina para essa dor passar. Uma parte dela também queria ligar para Carina, pedir um abraço e um beijo.

Maya então olhou para seu celular, viu que havia duas chamadas perdidas da namorada e algumas mensagens. Ela parou por um minuto pensando se deveria ou não ler as mensagens e responder, ou se deveria ligar para a namorada. Mas não fez nenhum nem outro, não queria falar com Carina, uma pequena parte dela, falou para ela não mandar mensagem, e por incrível que pareça a parte que a mandou fazer isso era a parte mais sã dela, que não queria que Carina a visse nesse estado: Com a Maya que ela não gostava tendo assumido.

Então Maya viu uma figura em frente ao seu carro. Era um homem de cabelo grisalho, magro e com porte atlético... Era tudo que Maya menos queria ver.


Paralelamente a isso Carina já estava em seu plantão e olhou incomodada para o celular, havia ligado para a bombeira ontem a noite, esperando que a mesma atendesse, mas não houve sucesso, e havia mandando algumas mensagens para a mesma, perguntando como ela estava, se queria fazer algo depois do turno e se havia saído bem do mesmo, mas nenhuma delas obtiveram resposta, e Carina começava a se perguntar se Maya a estava ignorando ou se estava em um chamado. Então ligou para Ben. Eles tinham feito aquele acordo e pela primeira vez ia usar disso.

-Oi Carina, tudo bem? - Perguntou Ben. Ele ainda não havia saído da Firehouse, tinha decidido esperar um pouco já que queria treinar.

- Oi, Ben, Tudo sim, e com você? - perguntou Carina.

-Estou bem.

- Desculpe estar te ligando, mas está tudo bem com a Maya, ela não respondeu minhas mensagens.

- Acho que sim, Durante o turno ela estava um pouco irritada e bem mandona, tivemos 2 chamados, mas foram tranquilos, ela acabou de sair daqui.

- Okay, muito obrigada, Ben. Bom fim de turno.

- De nada. Sempre que precisar.

Carina desligou frustrada, pensou em ligar ou mandar mais uma mensagem para sua namorada, mas ela provavelmente havia recebido as chamadas e as mensagens que Carina já havia mandando, então do que adiantaria encher mais o celular de Maya, quando era óbvio que a bombeira não a estava respondendo de propósito.

Carina sabia que Maya tinha sofrido um baque forte no dia anterior, a mãe chegou falando que o pai era abusivo, era como jogar toda a infância e adolescência da mulher no lixo, sem avisos, sem motivos e isso com certeza era algo que abalaria o mundo de alguém. E ela sabia que Maya estava mal, e queria ajudar. Queria alcançar sua bombeira e ajudá-la. mas como fazer isso sendo que a loira nem a respondia, e nem sabia se a mesma estaria em casa. Isso sem contar que ela estava presa em um plantão de 12 horas.

Então a médica decidiu que daria o espaço de 12 horas do seu plantão para a Maya descansar, e depois iria falar com ela. Ela precisava disso, precisava saber se a loira estava bem.



Maya olhou para o pai e o viu abrir um largo sorriso ao ver a filha se aproximar.

- Criança - Disse o pai sorrindo e abraçou alegremente sua filha.

- Oi pai, o que faz aqui? - perguntou, e sua voz estava bem mais mansa que se comparado a mesma pergunta que fez com a mãe, quase que como se tivesse medo do seu pai

Que grande surpresa, pensou Maya. Primeiro a mãe e depois o pai. Não entenda errado, ela amava os pais, mas eles haviam se afastado dela quando ela se inscreveu para ser bombeira, mandando apenas mensagens e tendo alguns poucos encontros, ainda mais depois da morte do irmão.

Scrubs on Fire - MarinaOnde histórias criam vida. Descubra agora