Capítulo 26 - Nanon

97 26 3
                                    

Levo alguns segundos para perceber que não estou no mesmo lugar, olho em volta tentando descobrir onde estou e como cheguei aqui, quando percebo que estou no jardim do Éden tento voltar, mas não consigo, ouço alguém vindo e me escondo atrás da árvore mais próxima.
- Não precisa se esconder, Nanon, sou apenas eu.
- Rael?
Eu saio e vou até ele, que sorri para mim.
- Já faz um tempo, Nanon.
- Porque eu estou aqui, Rael?
- Deus te trouxe, ele acha que está na hora de você ter respostas.
- E onde ele está?
- Ele não pode vir até aqui, chamaria muito mais atenção para você e ele não quer isso.
- Quem vai me dar respostas então?
Ele levanta os ombros e sorri.
- Eu.
Eu mais uma vez olho em volta desconfiado, mas parece que estamos sozinhos.
- Você está seguro comigo, Nanon, sabe que eu nunca faria mal a um dos meus.
Eu considero isso e aceno, ele aponta para um banco e nos sentamos.
- Você tem perguntas Nanon.
Eu olho para a minha mão que ainda está com o celular do Ohm e mostro para ele.
- Me fale sobre o querubim.
- O que você quer saber?
- De quem é a essência que ele foi criado?
- Acho que você já sabe a resposta.
- Eu quero que você me diga.
- Ele foi feito com a sua essência.
- Isso é impossível, eu não sou um Dominações.
- Nada é impossível para Deus e a essência de um Dominações é igual a de qualquer outro anjo, Deus escolheu fazer a partir de nós porque somos mais disciplinados e rigorosos, conseguimos ensinar o que tem que ser ensinado sem desvios.
- Então porque Deus fez isso? Porque criou o querubim com a minha essência?
Ele olha para um beija-flor que está acima de nós por um tempo e começa a falar sem olhar para mim.
- Eu fiquei sabendo da história quando o Querubim perdeu as asas. Houve uma grande confusão porque o querubim sumiu na frente de todos quando estava sendo castigado, ninguém entendia o que tinha acontecido, mas eu sabia que apenas Deus poderia ter feito uma coisa assim aqui no céu.
O beija-flor se aproxima mais, ele estende a mão e o pássaro pousa nela.
- Eu perguntei e Ele confirmou que fez isso, que não queria que o querubim sofresse mais, por isso mandou ele até você.
Então foi assim que o querubim foi parar na Islândia.
- Porque ele criou o querubim com a minha essência, Rael?
- Deus te considera especial, por ser diferente dos outros anjos. O que os outros anjos vêem como uma falha, Deus vê como algo que faltava em nós. Empatia.
O pássaro voa e finalmente ele olha para mim.
- Nenhum anjo antes ou depois teve essa falha, por mais que Deus tentasse entender porque você era diferente ele não conseguia. Ele queria mais anjos como você, anjos que se preocupassem com os humanos não por dever ou obrigação, mas porque realmente se importam.
- Eu não me importo.
- Nanon, você perdeu as suas asas não por questionar a destruição de uma cidade, mas porque você sempre questionava tudo. Eu lembro a primeira confusão que você criou, eu fiquei horas tentando convencer a todos que você tinha apenas 300 anos e ainda não entendia as regras, por isso questionou as pragas do Egito. A verdade é que você não questionou, você criticou dizendo que não via diferença entre os céus e os egípcios, porque Deus estava fazendo a mesma coisa que o faraó, sacrificando inúmeras vidas para conseguir o que queria. Consegue imaginar a blasfêmia que foi você ter dito isso?
Eu me lembro vagamente de ter dito algo assim, realmente eu era muito jovem e imaturo na época.
- Você fez isso várias e várias vezes e nós tentamos contornar cada uma delas, na última vez você se recusou a seguir o exército e não pudemos impedir, quando soubemos você já tinha caído.
Eu não quero saber sobre as injustiças que levaram a minha queda.
- Rael, o querubim.
- Deus contou que um dia ele teve a ideia de tentar fazer um anjo com a sua essência para ver se ele seria igual a você, isso foi um pouco antes da sua queda.
- Porque ele não pediu para alguém ensinar o garoto?
- O querubim, Nanon, ele não é um garoto.
- Porque Rael?
- E com quem ele deixaria?
- Com você, com qualquer um! Qualquer coisa era melhor do que deixar aquela criança sozinha!
Eu levanto irritado e o Rael levanta também.
- Ele não é uma criança, Nanon!
Eu tento me acalmar e passo a mão pelo cabelo.
- Porque mandar ele para mim?
- É onde ele devia ter estado desde o começo, ao seu lado.
- E se eu não quiser?
- Abandone ele.
Ele está jogando comigo, sabe que eu não faria isso.
Eu suspiro e sento.
- Porque o céu está tão interessado no Ohm?
- O seu Nefilim?
- Sim, não pode ser por causa dos demônios, demônios massacraram nefilins por anos e vocês nunca se importaram.
- Eu não tenho permissão para falar sobre isso, mas se estivermos certos no momento certo você mesmo vai descobrir.
- Porque estão com medo dele?
O Rael me olha surpreso e tenta disfarçar.
- Não sei do que você está falando.
- A Namtan teve a oportunidade, mas não matou ele. Porque?
Ele olha para cima como se pedisse ajuda, então olha para mim.
- Ela faz parte de uma facção nova, estamos tentando manter ela sobre controle, mas elas está usando as leis do céu em benefício próprio. Ela convenceu os outros anjos que o seu Nefilim é perigoso e que vocês estão tentando entrar no céu.
- Eu voltei a ser anjo, se eu quisesse estaria no céu.
- Nós sabemos disso, mas eles acreditam nela.
- Prendam ela!
- Ela não fez nada de errado.
- Ela tentou matar o Ohm.
- Ninguém se importa com um Nefilim, as nossas leis não se aplicam a eles.
Esse assunto não vai para lugar nenhum.
- Porque eu recuperei as minhas asas?
Ele senta ao meu lado e sorri.
- Acho que foi um presente.
- Presente?
- Sabe aquela história de escrever certo por linhas tortas? O coração de um Nefilim não é a chave para o céu, isso é um mito que se espalhou levando a morte de vários Nefilins.
- Porque vocês deixaram acontecer?
- Eles nem deveriam existir para começar.
A falta de empatia dos anjos é revoltante as vezes.
- As asas, Rael.
- Existe alguma coisa nos mestiços que atraem alguns de nós, você sabe disso melhor do que eu, por algum motivo alguns de nós se afeiçoam a eles, mas até hoje ninguém nunca conseguiu resistir ao desejo de voltar para a casa, então mesmo com a afeição os anjos caídos sempre escolheram matar o Nefilim.
- Mas eu escolhi proteger o Ohm.
- Porque tem algo muito errado com você.
Eu reviro os olhos e suspiro.
- As asas, Rael.
- Eu acho que foi um presente de Deus, por você ter escolhido proteger o mestiço. Ironicamente o coração de um Nefilim fez você voltar para o céu, ou faria se você aceitasse. Por causa do que vocês sentem um pelo outro você fez a escolha certa e por isso eu acho que Deus devolveu as suas asas.
- Porque os novos poderes?
- Quais poderes?
Se ele não sabe é melhor não falar sobre isso.
- Eu posso me transportar para qualquer lugar.
- Eu fiquei sabendo sobre isso, deve ter sido mais um presente ou você pode ter voltado como anjo te fez mais forte. Realmente não sei dizer.
Ele levanta a cabeça como se estivesse escutando algo.
- O nosso tempo acabou, Nanon, espero ter ajudado.
Ele levanta e começa a caminhar.
- Rael espera! Como acabar com tudo isso? Como fazer pararem de perseguir ele?
- Não tem como parar, Nanon, mas se estivermos certos está quase acabando.
- Como assim?
- Nanon? Nanon!
O Ohm vem correndo na minha direção tropeçando na neve alta, ele me abraça e chora tremendo.
- Onde você estava?
- É uma longa história, se acalma!
- Me acalmar?
- Nanon?
O querubim sai de dentro da cabana e corre até nós, quando ele pula em mim eu percebo que tem alguma coisa errada, eles estão nervosos demais.
- O que está acontecendo aqui? Porque vocês estão assim?
O Ohm ainda chorando me abraça mais uma vez.
- Você sumiu por uma semana, Nanon, eu não sabia o que fazer, você simplesmente sumiu!
- Uma semana? Se acalma Ohm, eu estou aqui, não vou a lugar nenhum mais.

A lendaOnde histórias criam vida. Descubra agora