Capítulo 26

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A relva enlameada afunda brevemente a cada um dos meus passos sobre a terra úmida e densa

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A relva enlameada afunda brevemente a cada um dos meus passos sobre a terra úmida e densa. Cruzo o caminho entre as sepulturas me orientando apenas pela iluminação bruxuleante dos postes espalhados no espaço escasso de vida, mas a crepitação incessante das lâmpadas indicam que estão todas prestes a queimar, cedendo lugar ao domínio do absoluto breu da madrugada.

O silêncio mórbido é preenchido somente pelo farfalhar das folhas das grandes e retorcidas árvores que se estendem pelo ambiente. E, ao contrário da quietude deste cemitério, a minha mente encontra, nos recônditos de todos esses túmulos, as raízes mais profundas do meu martírio ensurdecedor. O trajeto que leva à lembrança constante da dor que atravessa o meu peito tornou-se cartografado pelos meus olhos ao longo dos anos; cada curva e cada nome entalhado nas pedras de mármore foram memorizados por mim como se tivessem se transformado em algo familiar demais para esquecer.

São exatos vinte e três anos, onze meses e vinte e um dias imersos em uma espécie de arrependimento amargo, o qual é a razão de um tormento que me acompanha dia e noite; da hora em que eu durmo até a hora em que desperto, em meus pesadelos e em meus sonhos. Não importa quanto tempo se passe, a angústia sempre estará lá para me lembrar de tudo o que não pude fazer para salvar a vida da única pessoa que eu deveria ter protegido.

Por anos tentei me convencer que era tarde demais, que nada mais poderia ser feito quando nem mesmo ela acreditava em uma saída para aquela situação degradante, mas a culpa sempre encontra o seu caminho insólito para me trazer de volta ao mesmo inferno.

Desde que eu vi a sua vida partindo diante dos meus olhos, tenho assistido inerte a minha própria vida passar enquanto estou enclausurado em uma prisão de mentiras e segredos sórdidos, sustentados por um mundo de luxo e poder, que reveste com esmero a podridão por trás dos milhões de euros que formam a fortuna da família Cavallieri.

Já não busco redenção, pois o único alívio que conseguirei alcançar só será concretizado quando a vingança que ela merece estiver feita, levando a alma do homem responsável pela morte mais covarde, que suja as suas mãos, a estar soterrada nos escombros da própria ganância.

Esgueirar-se em manipulações é a sua forma de conquistar tudo o que deseja ter todos em suas mãos. Ainda que se revele um algoz a cada ato de brutalidade revestido de boas intenções, a sua capacidade de envolver a mente de outra pessoa é forte o bastante para cegar aqueles que não percebem a própria destruição. E ela não percebeu. Nem sequer teve forças para tentar escapar.

Mas, agora, Otto Cavallieri é o retrato da própria miséria. Aquela cama hospitalar é frágil demais para sustentar um corpo podre e maldito como o dele, uma cova profunda e escura seria o lugar mais adequado para alguém repleto de pecados sobre os ombros. Não conseguir agir por si mesmo, apesar de sua mente doentia não ter sido totalmente prejudicada, é uma tortura que o seu ego merece sofrer, embora só a morte sanguinolenta, tal qual aquela que suja as suas mãos, seja o fim que eu ainda desejo que ele tenha.

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