Capítulo 37

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O mogno frio sob os meus cotovelos, firmemente apoiados na mesa imponente, funciona como um lembrete constante de que é em cada linha dos papéis à minha frente onde devo manter a minha concentração

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O mogno frio sob os meus cotovelos, firmemente apoiados na mesa imponente, funciona como um lembrete constante de que é em cada linha dos papéis à minha frente onde devo manter a minha concentração. Deslizando tediosamente os dedos pela última folha da pilha de documentos, viro o verso do plano de negócios do semestre anterior e avalio o registro do aporte financeiro investido na mais recente produção da joalheria, feito quando a Cvllier ainda estava sob a diretoria do Otto.

Pego o café forte ao lado dos papéis, sentindo o calor irradiar através dos meus dedos e a bebida descer quente pela minha garganta ao tomar um gole profundo para continuar atento às linhas meticulosas que preciso avaliar antes de sair para a reunião na sede. Ao contrário do que um dia eu acreditei que não aconteceria, nunca foi tão difícil encontrar meios de desviar o foco de uma mulher; é impressionante como ela consegue me descontrolar por inteiro mesmo em meus pensamentos, provocando uma vontade insaciável de tê-la.

A Alessa ocupou a minha mente durante cada hora, minuto e segundo em que fechei os meus olhos, e, ao longo do dia, foram inúmeras as vezes em precisei convencer a mim mesmo de que não posso jogar as minhas responsabilidades para o alto, ignorar tudo o que está além de nós dois e ceder ao anseio de buscar ela por essa casa, apenas para tê-la junto a mim a todo instante.

Olhar para o espaço vazio em cima da mesa, onde antes estava aquele porta-retrato com a foto que tanto se entrelaçou aos lugares mais sombrios e amargos da minha mente, reforça a sensação que vibra dentro de mim desde a primeira vez que a vi: nada do que existiu antes de nós significa realmente relevante o suficiente para conter esse desejo insano que sinto por ela. E tudo o que aconteceu na noite passada deixou bastante claro para mim que ela também pouco se importa com a existência do vínculo que o casamento exige dela.

O jeito particularmente delicioso que ela encontrou de me mostrar isso permanece indo e vindo em minha memória, desnorteando o meu pleno juízo com a lembrança daquele beijo cheio de fogo, delírio e entrega absoluta bem aos olhos daquele que poderia ser o maior empecilho entre nós, mas nunca representou mais do que uma culpa inútil da qual eu não hesitei em me livrar quando o meu corpo e alma imploraram por tê-la a qualquer custo.

Ambos sabemos o teor inegável da traição que estamos cometendo contra ele, mas a cada dia que se passa a lealdade irrevogável imposta a mim por um lema se torna um das minhas muitas descrenças, afinal, até que ponto entregar tudo de si em prol de algo frágil como a confiança em palavras vazias pode ser um caminho seguro e não uma trilha em direção ao abismo?

Tudo o que eu sei sobre a vida da Alessa antes disso entre nós simplesmente acontecer, embaralhando qualquer aspecto das nossas convicções, é muito pouco para deduzir coisas sobre a vida dela com o Otto que ela nunca demonstrou intenção de falar sobre. Mas agora tenho a certeza de que nunca foi por causa dele que a resistência dela a mim nos levou até o limite do suportável; mesmo que negasse, sei que ela nunca teve dúvida do que queria, seus conflitos eram muito mais internos do que provocados pela culpa.

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