Numa existência enredada em sombras, perdi a noção do tempo, mas sei que estou há meses fazendo tratamento com um novo médico, aquele que adota abordagens um tanto quanto ecléticas e dolorosas. Cada sessão parece uma jornada pelos recantos mais obscuros da minha mente, onde memórias dolorosas e traumas enterrados são trazidos à tona, como se estivessem sendo arrancados à força da minha alma.
Ele, figura mais insana que eu mesmo, é meu carrasco diário. Choques, agulhas, água fria, fogo.
Lembro-me da vez em que ingeriu doses de insulina, uma tentativa desesperada de reiniciar meu cérebro. Posso, ao menos, conceder que ele não poupa esforços.
Meses escorregaram por entre as frestas da minha consciência, nebulosos e efêmeros. Tento mover-me, mas meu corpo, traído pelos próprios nervos, permanece mudo. Anseio por qualquer droga que me arranque deste purgatório, até mesmo a maconha serviria como bálsamo.
O silêncio que se instala no quarto hoje atormenta-me, embora minha voz tenha se tornado apenas um eco interno. Gosto de ouvir as pessoas, mesmo que minha resposta seja um silencioso consentimento. Talvez, o tratamento do médico lunático finalmente revele seus frutos.
Dirijo meu olhar ao teto, um branco impessoal que absorve a angústia.
Então, após meses imerso na agonia da dor constante, finalmente sinto um toque delicado em minha pele, um gesto que contradiz completamente a brutalidade que venho sofrendo. Uma mão gentil toca-me, desfazendo as algemas que aprisionavam minhas mãos, e as deposita suavemente sobre minha barriga.
A cama responde como se ganhasse vida própria, erguendo-me gradualmente, e me vejo sentado, meus olhos fixos em um vazio que parece se estender até a própria essência da minha existência.
— Não parece tão ameaçador agora. — Uma voz suave e familiar invade minha mente. — Eu não acreditei quando vi seu prontuário, mas parece que o destino quer que nos encontremos novamente. — Ouço sua risada suave preenchendo o ambiente.
Lembro-me do timbre da voz, mas ela nunca riu na minha frente. Giulia Browning, minha antiga terapeuta, a mulher mais irritante e insuportável que já conheci. Ela me irritou tanto a ponto de me deixar vulnerável e usou isso contra mim. É uma das pessoas que considero inimigas, alguém que jurei fazer pagar pelo que fez.
— Enfim, Senhor Moretti, espero que tenha superado o episódio da cabana. Não foi meu melhor momento; eu te expus e fui antiética.
Sinto-a próxima do meu rosto, como se tivesse se inclinado para falar. Fala sério, antiética? Melhor momento? Ela não foi apenas uma profissional horrível; foi uma pessoa horrível. Deveria ter abandonado a profissão.
— Juro que não vai se repetir, então, por favor, não me entregue à administração do hospital. Eu realmente preciso desse emprego.
Então, silêncio, e mais silêncio. Por que ela parou de falar? Por que essa criatura está aqui? Já não basta o charlatão? Porém, de uma coisa eu preciso dar crédito ao charlatão: estou saindo do buraco. Se eu sair dessa cama, nada me segurará.
— Você não quer falar, tudo bem. Mas, por favor, pense sobre isso. — diz, finalmente. — Allan, eu tinha acabado de sair da faculdade quando nos conhecemos. Não estou tentando justificar meus erros, mas você foi o segundo maior erro da minha vida, e os dois eu cometi no mesmo dia. Então, eu só peço que me dê uma segunda chance?
Ouço-a suspirar; ela parece frustrada.
— Por motivos óbvios, eu não serei responsável pelo seu tratamento, até porque seu médico é o melhor do país, mas eu trabalharei com outras pessoas aqui e posso te garantir que eu mudei.
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FRUTO CRUEL
Romance"Novos capítulos toda sexta-feira!" Nossa mente é um labirinto complexo, muitas vezes difícil de compreender. Qualquer gatilho pode desencadear consequências terríveis, especialmente na mente de um dependente químico, onde o medo se torna ainda mai...