01 - Tratamento de choque

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Dias atuais...

O quarto é silencioso, exceto pelo zumbido distante das luzes fluorescentes. Minha mente está envolta em uma névoa espessa, como se estivesse observando o mundo através de um vidro embaçado.

Não consigo encontrar energia para me mover, nem mesmo para levantar a cabeça do travesseiro. As paredes brancas e sem graça do quarto parecem fechar-se ao meu redor, como se eu estivesse preso em um labirinto.

O tempo passa de forma estranha aqui. Às vezes, sinto que horas se transformam em dias, dias em semanas. A monotonia é opressiva, e mal consigo distinguir entre a realidade e os fragmentos de sonhos que me assombram.

Os médicos vêm e vão, suas vozes distantes ecoam em meus ouvidos, mas suas palavras parecem deslizar sobre mim sem deixar vestígios.

Eles tentam me ajudar, eu sei, mas estou preso em meu próprio mundo, incapaz de encontrar uma saída.

Às vezes, breves lampejos de lucidez rompem a névoa. Na última vez, a desesperança me conduziu até o armário de medicamentos. Engoli cada pílula disponível, como se pudesse apagar de uma vez por todas esse estado agonizante, parar de ser um fardo para aqueles que amo.

A luta contra essa situação é incessante, uma batalha contra a sensação de entorpecimento que me consome.

Neste momento, tudo o que posso fazer é fechar os olhos e esperar. Até lá, estou preso neste estado.

Após horas de um silêncio sufocante, a voz do médico finalmente quebra o vazio do quarto.

Porém, ele não se parece em nada com o médico anterior, cuja abordagem era calorosa e solidária.

— Então o riquinho continua sem querer comer, sem querer falar com ninguém? — sua voz é carregada de sarcasmo.

Seu olhar, ao me observar, transborda com um prazer cruel, como se meu estado fosse sua fonte de entretenimento.

—  Você vai ter o que merece, retardado. Por mim, você poderia morrer, mas precisamos te manter vivo, já que sua família paga uma quantia bem generosa pela sua recuperação.

Suas palavras caem sobre mim, é como se eu estivesse assistindo a tudo de longe, sem realmente compreender a magnitude do que está acontecendo ao meu redor.

Após um período de tempo que não posso determinar. Vejo minha cama sendo movida para um local desconhecido, minha memória está turva, confusa. Estou perdido e desorientado.

— Coloque o drogadinho na cadeira, tenho um tratamento especial para ele.

O médico se dirige a uma jovem loira, talvez seja uma enfermeira, que parece desconfortável com a presença dele.

A repulsa está estampada em seus olhos azuis, mas mesmo assim, não consigo sentir nada, não consigo ajudá-la.

Meu mundo acabou, minha vida chegou ao seu fim, e mesmo que eu tente acabar com isso, não consigo.

Estou preso em um pesadelo, incapaz de escapar do meu próprio tormento. Aos 10 anos, perdi minha inocência; aos 12, conheci as drogas; aos 16, perdi minha alma ao tirar a vida de uma criança. Aos 19, já tinha ceifado mais de 100 vidas, sendo conhecido nas ruas como o Fruto Cruel.

Eu me envolvia em lutas ilegais, buscando apenas o prazer de infligir dor, desejando que outra pessoa sentisse o que eu sentia, embora soubesse que jamais compreenderiam o inferno que é habitar meu corpo.

Ao fechar os olhos, vejo minha mãe sendo machucada, minha prima de bruços no chão, o sangue escorrendo, ou meu pai lutando pela vida naquele tubo. Não nasci um monstro; fui moldado ano após ano.

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